quarta-feira, 2 de julho de 2008

Governador José Serra faz homenagem a Ruth Cardoso durante missa de sétimo dia em São Paulo

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), homenageou sua amiga, antropóloga e ex-primeira-dama Ruth Cardoso, mulher do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, morta na última terça-feira, citando Manuel Bandeira durante missa de sétimo dia. Em cerca de cinco minutos de discurso, Serra simulou uma "conversa" com a ex-primeira-dama ao declamar e parafrasear poema de Bandeira em homenagem à morte de Mário de Andrade. "Me permiti parafrasear o texto, nesta que é uma das 'conversas' fraternas que tenho com a Ruth", disse o governador. "Você não morreu: ausentou-se. Eu direi: faz tanto tempo que ela não escreve. Irei até a sua casa e ela não estará. Imaginarei: está no sítio em Ibiúna (propriedade da família no interior paulista), está numa reunião na Cidade Tiradentes (bairro da zona leste de SP) ou no Rio de Janeiro, com seus netos", parafraseou Serra. Muito emocionado durante toda a cerimônia, Fernando Henrique Cardoso ficou ainda mais sensibilizado e não conteve as lágrimas ao ouvir José Serra. O ex-presidente estava na primeira fileira da capela Nossa Senhora de Sion, acompanhado pelos filhos Paulo Henrique, Beatriz e Luciana, além dos netos e outros parentes. Iniciada às 11h, cerimônia foi discreta e durou 45 minutos. Além do governador, falou por 20 minutos o padre Hector Velarde. "Ruth não tornou-se cúmplice de situações erradas. Manteve-se firme no que acreditou e teve coerência de vida, levada com generosidade", afirmou o religioso. Fernando Henrique Cardoso mais uma vez se emocionou e foi amparado por uma das filha que enxugou suas lágrimas. Durante a missa foram executadas cinco músicas, que variaram entre três e cinco minutos. Ao piano, o maestro João Carlos Martins iniciou com a ária de quatro cordas de Bach. Depois foi a vez de Eliana Chagas cantar a ária bachiana número cinco, de Villa-Lobos. Um coral com 40 integrantes interpretou "Intermezzo", da ópera "Cavalaria Rusticana", do italiano Pietro Mascanni. Por fim, Martins executou "Ave Maria", de Gounod, e "Eu sei que vou te amar", de Vinicius de Moraes, sobre um prelúdio "Jesus, alegria dos homens", de Bach. Ruth Cardoso morreu às 20h40 da última terça-feira, em sua casa, no bairro de Higienópolis. Ao final da missa, emocionado e chorando, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que sua família é "imensamente grata" ao carinho que recebeu da população. "Eu não pude ler o que se escreveu sobre ela, mas sei que foi muita coisa. Nós sentimos o carinho do povo. Nossa família é imensamente grata. Infelizmente não posso dar um abraço e um beijo em cada um daqueles que se dirigiram calorosamente a Ruth. Eu não direi nada sobre ela, eu não posso e o Brasil entende", disse Fernando Henrique Cardoso.
Veja a íntegra do texto lido pelo governador José Serra na missa de sétimo dia de Ruth Cardoso:
“Pouco antes de sua morte, o presidente John Kennedy, ao participar de uma homenagem ao poeta Robert Frost, disse que uma nação se revela não apenas pelos indivíduos que produz, mas também por aqueles que decide honrar, que decide homenagear. Eu diria que o Brasil se revelou grande nesta semana pelas tantas coisas boas e justas que foram ditas a respeito da Ruth. O que se viu foi raro entre nós: elogios à discrição, à dignidade, à simplicidade, ao rigor intelectual e ao ativismo solidário, coerente, conseqüente e inovador, dessa amiga que nos deixou. Ruth nos lembrou a todos que as nossas melhores virtudes ainda existem, nela reunidas de modo exemplar. Ela morreu e, no entanto, vive na sua obra e nos afetos que cultivou. E, por isso, nós a sentimos tão presente. Vive na sua família: lembro-me que a primeira vez que soube dela foi numa dedicatória de um livro do seu marido, o professor Fernando Henrique Cardoso, no começo dos anos sessenta: “À Ruth, laços fundamentais.” Os laços que eles souberam tão bem manter e ampliar entre todos os filhos e netos. Eu não seria capaz de dizer aqui nada melhor de tudo o que foi dito. Por isso, prefiro lembrar um dos nossos melhores poetas, Manuel Bandeira. Aquele que se vai, mas vive além da morte, é o tema do poema que ele dedicou a Mário de Andrade quando perdeu o amigo. Permiti-me parafrasear seu texto, nesta que é mais uma das conversas que tenho com Ruth. Digo então à minha amiga:
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.

Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra.
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: "Faz tempo que ela não escreve".
Irei até sua casa e ela não estará.
Imaginarei: está no sítio de Ibiúna,
está numa reunião na cidade Tiradentes, ou
no Rio, com seus netos.

Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?
A vida é uma só. A sua continua.
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.

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