sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ex-diretor da Sadia diz que empresa “sabia de tudo” sobre perdas bilionárias

Os acionistas da Sadia decidiram, nesta semana, processar o ex-diretor financeiro Adriano Ferreira pelas perdas da fabricante de alimentos no ano passado. A Sadia teve prejuízo de R$ 2,5 bilhões em 2008, causado basicamente por operações de derivativos cambiais tóxicos. Esse tipo de instrumento financeiro tem perdas ilimitadas no caso de alta do dólar, como aconteceu após setembro. AdrianoFerreira, 39 anos, diz que, maior do que qualquer prejuízo material, o dano moral causado pela Sadia a ele foi gigantesco. Ele afirma que a empresa sabia, em várias instâncias, de todas as operações e que houve anos nos quais o lucro só foi garantido por operações financeiras. Para ele, a decisão de processá-lo foi tomada para isentar outros gestores da companhia. Adriano Ferreira diz que, provavelmente, processará a Sadia por danos morais. Disse ele: “A Sadia tem um ‘modus operandi’ financeiro muito diferente de uma empresa não financeira. Ela sempre teve vocação financeira, até porque tem uma corretora de valores e uma tesouraria típica. Eu as melhorei e implementei controles, como a área de gestão de riscos. Ao longo dos seis anos nos quais estive lá, todas as operações financeiras, como as de derivativos, eram comuns”. Ele garante que também as operações de derivativos tóxicos também eram comuns: “As operações dois para um começaram em meados de 2007. A empresa ficou mais de um ano fazendo essas operações, que tiveram várias auditorias. Quando se fechava uma operação desse tipo, a boleta ia para nossos operadores, para a contabilidade e à controladoria da companhia, que era separada da área financeira. Ia também para a auditoria interna e para o conselho de administração. Pela atipicidade da cultura financeira da empresa, a auditoria independente, a KPMG, tinha uma equipe financeira destacada para auditar a área financeira da Sadia. Havia uma auditoria principal para a área de alimentos, que buscava apoio numa equipe de auditores de bancos, corretoras e instituições financeiras, porque a Sadia tinha uma cultura financeira forte, operava todos os instrumentos disponíveis no mercado. As operações, sejam derivativos ou não, sempre foram contabilizadas, auditadas e aprovadas em várias instâncias. Havia alçadas rigorosamente atendidas e relatórios mensais”. Adriano Ferreira disse que não havia detalhamento dessas operações: “Não havia o nível de detalhamento de todas as operações porque não fazia parte da cultura da companhia. Você apresentava os resultados que as operações deram, a exposição dessas operações, simultaneamente com apresentações da área de risco. Em 2003, determinou-se que o limite de risco do câmbio era de 20% sobre o patrimônio, equivalente a R$ 600 milhões ou R$ 700 milhões de perda assumida. Só que havia 95% de confiança nessas operações e 5% de risco. Esse ‘modus operandi’ era o dia a dia da companhia. Como é que agora, de um dia para outro, eles querem dizer que não sabiam dessas operações? Como não sabiam? Tinha diversas auditorias e formas de controle que eram apresentados todo mês”. Ele também garantiu que, expressamente, o conselho de administração e presidência executiva do grupo sabiam das operações: “As operações eram apresentadas a eles. Todas foram registradas, auditadas e aprovadas. Quando aconteceu uma crise desse tamanho, não só a Sadia, mas centenas de empresas no Brasil, no México e na Ásia, principalmente, tiveram os mesmos problemas. Quando eram realizadas essas operações, usava-se como base cenários e probabilidades que, quando colocados nos modelos econométricos, era difícil de a perda não compensar seu uso. Tanto é que centenas de empresas os utilizavam”. Para completar, Adriano Ferreira disse que a área financeira era a grande responsável pela rentabilidade da empresa: “Nos seis anos em que estive lá, 60% dos resultados da companhia eram de operações financeiras. Se olhar para trás, o percentual era maior. A empresa só teve lucro em alguns anos por causa da área financeira. Até o primeiro semestre de 2008, 80% dos lucros vieram dessas operações específicas. A estrutura de governança da companhia espelhava uma cultura financeira, de uma empresa que tinha uma corretora, que tinha uma tesouraria ativa, que tinha um projeto de criar um banco, o que aconteceu. A companhia sempre teve um risco financeiro. A estrutura, quando o presidente-executivo assumiu, em 2004, tinha forma do reporte da diretoria financeira para o conselho por causa dessa cultura”. Adriano Ferreira está convencido de que a decisão de processá-lo está ligada à intenção de eximir o restante da diretoria de responsabilidade nas gigantescas perdas financeiras do grupo Sadia: “O objetivo é isentar outros administradores do processo”. Adriano Ferreira também disse que está tentando usar um seguro de responsabilidade de administração: “A Sadia tinha um seguro desse tipo e estou tentando usar. A apólice das seguradoras Chubb e Bradesco cobre custos com advogados e, numa eventualidade de eu ser condenado, paga o prejuízo até determinado teto, acho que de US$ 10 milhões. Mas há muitas exclusões na apólice e não está claro que eu vá ter cobertura. Estou muito preocupado. O prejuízo material pode ser grande, mas o moral já me foi causado de forma agressiva”. Adriano Ferreira se declara chocado: “Estão falando que vão me processar em US$ 2,5 bilhões! Essa é uma ação muito inócua. O maior prejuízo que aconteceu foi para mim. A minha imagem hoje é zero. Meu índice de empregabilidade está zero. Comecei a refazer contatos, falei com headhunters e é unânime que minha recolocação é muito difícil. Eu era a estrela em ascensão da Sadia, entrei como gerente e, no fim de 2007, além de diretor financeiro, eu recebi a diretoria de desenvolvimento corporativo, criada para cuidar de planejamento estratégico, fusões e aquisições. Também era diretor da holding financeira e cuidava do projeto do banco. Em 2006 e 2007, ganhei prêmios como melhor gestor financeiro do ano. De uma hora para outra, minha imagem vai para o buraco. Isso sim é prejuízo. Tenho 39 anos, um filho de quatro anos e gêmeas que nasceram prematuras, no olho do furacão. Estamos estudando processar a Sadia. É tão desproporcional e descomunal a diferença de peso das coisas! Parece um tsnunami em cima de mim! Fui eu que avisei o presidente do conselho de administração das perdas na carteira de câmbio, por conta das operações alavancadas. Na véspera de divulgarem o fato relevante, trabalhei até as 2 horas, concluindo uma operação de captação de recursos de quase R$ 800 milhões. Fui demitido pelo jornal no dia seguinte. É triste”.

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