domingo, 10 de outubro de 2010

Agressão ao meio ambiente – juiz interdita condomínio horizontal em Atlântida (3)

A seguir o juiz federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior faz histórico da nova manifestação apresentada pelo dono do Playa Vista: “Espontaneamente, o réu-empreendedor apresentou réplica ao parecer do Ministério Público Federal (fls. 1262-1270, com documentos de fls. 1271-1281), alegando: (a) as dunas encontram-se fora do empreendimento uma vez que as dunas e a área de preservação permanente têm matrícula própria e não se confundem com a área do condomínio; (b) o empreendimento encontra-se integralmente concluído; (c) o plano de manejo das dunas é obrigação que foi imposta ao réu-empreendedor, mas não atinge a área do condomínio porque as dunas estão fora dessa área; (d) a liminar deve ser indeferida porque nada de irregular foi constatado contra o empreendimento e respectivo licenciamento”. Ele também história a manifestação do Município de Xangri-lá:O réu Município de Xangri-lá peticionou (fls. 1292-1296, com documentos de fls. 1297-1353), alegando: (a) os atos que praticou quanto ao empreendimento estão embasados na lei e nas licenças ambientais concedidas pela FEPAM; (b) reporta-se aos termos das licenças expedidas pela FEPAM ao réu-empreendedor, não lhe cabendo contestar o licenciamento estadual; (c) o réu-empreendedor firmou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual, obrigando-se ao cumprimento daquelas condições. Conclui que "não existe nos autos elementos suficientes a invalidar os laudos técnicos que subsidiaram as licenças fornecidas pela FEPAM. Desta forma, não há como se negar, em sede de liminar, validade aos documentos firmados pelo órgão licenciador ambiental" (fls. 1296), motivo pelo qual manifesta-se pelo indeferimento da liminar”. Passado este relatório, o juiz apresentou a sua fundamentação. E, preliminarmente, já começou arrasando as alegações do dono do condomínio horizontal Playa Vista. Ele disse: “A localização do imóvel é inequívoca. As fotos e plantas juntadas mostram que o empreendimento está situado em área de dunas e terrenos de marinha, contígua à praia litorânea e com interferência na zona costeira brasileira. O interesse jurídico da União Federal é flagrante, cabendo apenas decidir como se dará sua intervenção no processo: ou intervindo voluntariamente como assistente do autor (na defesa do bem público federal) ou, não o fazendo, como litisconsorte passivo (pela omissão em defender a praia litorânea e terrenos de marinha atingidos pelo empreendimento). As providências requeridas pela União às fls. 328-329 (juntada de plantas da localização do empreendimento) são desnecessárias porque: (a) o empreendimento está localizado em área conhecida, sem controvérsia a respeito; (b) a União pode perfeitamente identificar e localizar o imóvel a partir do que consta dos autos, cabendo-lhe diligenciar junto aos seus órgãos técnicos competentes. E assim o juiz Cândido Alfredo Silva Leal Junior passou a decidir: “Portanto, cabe à União Federal requerer sua intervenção como assistente do autor sob pena de, não o fazendo, resistir à pretensão do autor (por sua omissão), passando a figurar no pólo passivo da ação. Indefiro o pedido da União de fls. 328-329 e concedo-lhe prazo de 10 dias para requerer sua intervenção como assistente sob pena de, não o fazendo, passar a integrar o processo na condição de litisconsorte passivo necessário, o que deverá ser então requerido pelo autor”. A seguir o juiz decide sobre o papel a ser exercido pelo Ibama no processo: “1.2. Sobre a intervenção do IBAMA como assistente do autor. O IBAMA manifestou interesse de intervir no processo pelo art. 5º-§ único da Lei 9.469/97 (fls. 338-340). Entendo que existe esse interesse do IBAMA porque: (a) o empreendimento pode atingir área de preservação permanente de interesse federal, consistente em terrenos de marinha e área de dunas e restinga; (b) o IBAMA detém competência para licenciamento supletivo para aquelas situações em que existe relevância ambiental do empreendimento ou o órgão estadual de proteção ambiental falha no cumprimento de suas atribuições. Defiro o pedido do IBAMA de fls. 338-340 e defiro seu ingresso no processo como assistente do autor, com os poderes e prerrogativas legalmente previstas para essa intervenção (art. 5º-§ único da Lei 9.469/97 e arts. 50-55 do CPC)”. O juiz também é preciso ao estabelecer sobre a a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal: Os réus FEPAM e METAGON alegaram que não estaria justificada a competência da Justiça Federal e requereram remessa da ação civil pública à Justiça Estadual (fls. 344-364 e 759-761). Entretanto, é ao juízo federal que compete decidir se existe interesse da União ou de autarquia federal para fins de definição de sua competência (Súmula 150 do STJ). Já foi dito que existe interesse da União Federal e do IBAMA porque o empreendimento situa-se ou, ao menos, interfere sobre área ambientalmente relevante da União Federal e o licenciamento (supletivo) pode ser atribuído ao IBAMA. Já existe requerimento expresso do IBAMA para intervir na condição de assistente do autor, o que já foi deferido. Haverá também participação da União Federal, seja como assistente do autor, seja como litisconsorte passivo necessário, faltando apenas definir como responderá a União à pretensão do autor veiculada nesta ação civil pública. Portanto, a hipótese de competência do art. 109-I da CF/88 está firmada. Rejeito a preliminar de incompetência absoluta e mantenho este processo na Justiça Federal”. Por último, o juiz se manifestou sobre a preliminar de indeferimento da petição inicial:O réu-empreendedor alegou que esta ação civil pública não busca proteger o meio ambiente ou a ordem urbanística, mas objetiva batalha política contra o governo estadual e enriquecimento sem causa do autor (fls. 735-737). Também alegou que "a pretensão aviada para que se retorne ao status quo ante, mais precisamente ao ano de 2004, quando adquirido o terreno, mostra-se absurdamente impraticável, pleito, permite-se dizer, risível e hilário, necessitando, para tanto, a desmobilização de todos os empreendimentos imobiliários da região, que hoje conta com mais de 20 condomínios, tratando-se de área antropotizada" (fls. 737). Entretanto, não é caso de indeferimento da petição inicial porque: (a) existe discussão de matéria de interesse ambiental e urbanístico nesta ação civil pública, que autoriza conhecimento da petição inicial e processamento desta ação civil pública; (b) sequer existem indícios que o autor utilize desta ação civil pública com desvio de finalidade ou intenção de alcançar fins escusos ou ilícitos; (c) ao contrário, tudo faz crer que a atuação da associação-autora se dá no interesse do patrimônio ambiental brasileiro, tanto que o IBAMA e o Ministério Público Federal aderiram à pretensão do autor; (d) a alegação de fato consumado não impede o recebimento e processamento da ação civil pública porque é possível, na sentença, determinar o desfazimento de atos e recuperação da área atingida se julgada procedente esta ação; (e) eventual consumação de dano ambiental é motivo relevante para recebimento da petição inicial, não servindo de pretexto para seu indeferimento liminar e perpetuação de infração ambiental, se efetivamente ocorrida. Rejeito a preliminar de indeferimento da petição inicial, recebo a petição inicial desta ação civil pública e determino seu regular processamento”. “Primeiro, a atuação dos órgãos de proteção ambiental torna difícil decidir sobre a liminar. A causa é complexa e envolve interesses relevantes de ambas as partes. De um lado, o empreendedor foi licenciado pela FEPAM, com acompanhamento do Ministério Público Estadual, realizando diversas obras para implantação do condomínio. De outro lado, aquela área do condomínio continha ecossistema relevante à zona costeira, com área de dunas e curso d'água que a FEPAM tinha reconhecido como relevante, que o IBAMA reconhece como relevante, e que autor e Ministério Público Federal mostram ser área de preservação permanente. Mas o que a torna esta causa difícil de decidir é a forma como atuaram os interessados durante o licenciamento e na própria ação civil pública. Em matéria de proteção ambiental, o que se espera do Poder Público é postura ativa e eficiente, capaz de dar conta das competências constitucionais impostas pelo art. 225-§§ 1º e 3º da CF/88. Mas não é isso que se vê nos autos. Os órgãos públicos agem tímida e passivamente, seja aceitando sem restrições ou condições o que foi apresentado pelo empreendedor (caso da FEPAM, que licenciou o empreendimento sem restrições, mesmo tendo anteriormente declarado a relevância ambiental da área), seja se omitindo na adoção das medidas necessárias à proteção do local atingido (caso da União e do IBAMA, que apenas intervêm no processo e não adotam extrajudicialmente providências cabíveis para prevenção e reparação dos danos causados à área de preservação permanente localizada na zona costeira)”. A pesada crítica feita pela juiz é evidente, óbvia, e faria qualquer um acreditar sobre a necessidade de que dirigentes públicos fossem denunciados criminalmente pela falta de agir em cargo público.

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