domingo, 10 de outubro de 2010

Agressão ao meio ambiente – juiz interdita condomínio horizontal em Atlântida (2)

Aí o juiz relata a manifestação da muito criticável Fepam: “A FEPAM peticionou (fls. 344-364) para: (a) alegar incompetência da Justiça Federal; (b) informar que emitiu licença prévia 695/2006-DL em 12/09/06 dando "viabilidade ambiental para área de 11,8 hectares, com previsão para construção de 114 lotes com ocupação unifamiliar" (fls. 355) e que emitiu licença de instalação 952/2007-DL em 27/11/07, substituída depois pela licença de instalação 269/2008-DL; (c) informar sobre a situação da área, destacando que "a área antes do licenciamento ambiental vinha sendo utilizada para receber e armazenar drenagens pluviais contaminadas, como depósito de lixo e como fonte ilegal de material mineral (roubo de areia)" e que "na gleba de 11,8 hectares inexistiam dunas primárias ou mesmo secundárias nascentes ou olhos de água, morros ou montanhas, escarpas, lagos ou lagoas naturais. Também não apresentava características de vereda, manguezal, tabuleiro ou chapada e ficava fora da área de restinga" (fls. 358); (d) informar que "o licenciamento ambiental em pauta não se deu em área de relevante interesse ambiental e tampouco comprometeu a qualidade de qualquer recurso natural existente na área licenciada" mas, "pelo contrário, tal como foi concebido e concretizado resultou em uma série de ganhos ambientais para a área do empreendimento bem como para o Município como um todo" (fls. 361-362); (e) requerer o indeferimento da liminar”. Esta manifestação da Fepam é criminosa, porque qualquer leigo, olhando a paisagem de Capão da Canoa e Atântida (distrito de Xangri-Lá), constata a olho nu, no Google Earth (veja na imagem), que há uma ligação da Lagoa dos Quadros com o mar que vai passar exatamente na área aterrada pela empreiteira Metagon Incorporações e Loteamentos Ltda. Como foi possível à Fepam, supostamente um órgão técnico, ignorar e ver isso que é constatável por qualquer pessoa? Aí o juiz federal descreve a manifestação da empresa ré Metagon Incorporações e Loteamentos Ltda: “O réu-empreendedor peticionou (fls. 730-762 e documentos de fls. 763-1094), alegando: (a) o empreendimento está 100% concluído, com instalação de toda rede subterrânea de esgoto e energia elétrica, arruamento, meio fio, cercado por muros, e que 70% dos lotes do empreendimento já foi comercializado (fls. 733-734); (b) todas as etapas e exigências foram observadas, sendo regular e correto o licenciamento e tendo observado o termo de ajustamento de conduta (fls. 738-744); (c) os fatos não se passaram como descrito na petição inicial porque o Passo da Lagoa e respectiva lagoa continuam no mesmo local, "nada tendo a ver com o terreno da ré, localizado na beira da praia, em sede urbana" (fls. 745); porque as dunas estão fora do empreendimento e sua área foi desmembrada do empreendimento, constando de matrícula própria (fls. 746); porque a altura das dunas não foi reduzida, mas o terreno do empreendimento foi elevado em 1,40 metros para realizar a passagem de toda tubulação por baixo do empreendimento (fls. 746-747); porque o plano de manejo das dunas foi proposto por especialistas e aprovado pela FEPAM, não tendo o réu jamais colocado "tratores em cima das dunas" e sendo a colocação de esteiras "procedimento ditado pelo Plano de Manejo das Dunas" para sua preservação em razão do vento constante no litoral (fls. 747-748); (d) a desnecessidade de apresentação de Relatório de Impacto Ambiental para área com menos de 100 hectares (art. 2º- XV da Resolução CONAMA 01/86) porque o empreendimento é loteamento residencial com apenas 10 hectares (fls. 748-749); (e) o Ministério Público Estadual não foi induzido em erro porque não existia lago no local, já que "o alegado lago jamais passou de singelas poças de água (de qualidade comprometida), decorrentes de deslocamento artificial das chuvas e dejetos provenientes da Vila Mariana" (fls. 749-751); (f) a área do empreendimento não é um oásis, não está situada numa região isolada ou santuário ecológico, não se caracteriza como área de preservação permanente, mas se situa em área com forte interferência antropomórfica e é atingida pelo esgoto da Vila Marina (fls. 752-753); (g) ao contrário do alegado pelo autor, o empreendimento beneficiou a pesca artesanal com a criação de rede de esgoto e tratamento para a Vila Marina e Município de Xangri-lá (fls. 754), e não causou danos a espécies ameaçadas de extinção (fls. 754-755).  O réu requereu: (1) o indeferimento da petição inicial porque esta ação civil pública não busca proteger o meio-ambiente ou a ordem urbanística, mas objetiva batalha política contra o governo estadual e o enriquecimento sem causa do autor (fls. 735-737), e porque "a pretensão aviada para que se retorne ao status quo ante, mais precisamente ao ano de 2004, quando adquirido o terreno, mostra-se absurdamente impraticável, pleito, permite-se dizer, risível e hilário, necessitando, para tanto, a desmobilização de todos os empreendimentos imobiliários da região, que hoje conta com mais de 20 condomínios, tratando-se de área antropotizada" (fls. 737); (2) o indeferimento da liminar porque ausente a verossimilhança do direito e o risco da demora (fls. 755-759); (3) o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal porque IBAMA e União não participam do processo (fls. 759-761)”. Por último, o juiz federal relata o parecer do Ministério Público Federal: “Em seu parecer (fls. 1097-1135, acompanhado de documentos de fls. 1139-1260), o Ministério Público Federal opinou pela competência da Justiça Federal em razão do interesse da União (praias marítimas e terrenos de marinha) e do IBAMA (requerimento de intervenção como amicus curiae) (fls. 1098-1099). Informou a existência do inquérito civil público 1.29.000.002010/2007-91 (ainda não-concluído) para averiguar ocupação de área de preservação permanente e terreno de marinha por parte do empreendimento Playa Vista, e apresentou documentos relevantes à apreciação da liminar nesta ação civil pública. Alegou que o termo de ajustamento de conduta firmado no Ministério Público Estadual não restringe a atuação da Justiça Federal nem impede o conhecimento da ação civil pública porque o próprio Ministério Público Estadual remeteu ofício ao Ministério Público Federal quanto a atividades irregulares do empreendedor e possíveis danos ambientais. Opinando pelo deferimento de medidas liminares contra o empreendimento, o Ministério Público Federal alegou: (a) o réu-empreendedor desenvolveu atividades com prejuízo ambiental, como noticiado em ocorrência ambiental de fls. 166-178 da Polícia Ambiental, causando o réu-empreendedor "danos à duna, em área de preservação permanente, e em local onde, inclusive, verificou-se a incidência de animais da fauna silvestre, inclusive o tuco-tuco branco, em extinção" (fls. 1102); (b) o empreendimento também "desrespeitou o item 6 da Licença de Instalação nº 952/2007 que proibia a intervenção nos cursos d'água até as dunas em direção à praia" (fls. 1102-v), sendo que "todo o empreendimento, ademais, prevê intervenção em áreas de dunas e nas próprias dunas, justamente por estar inserido em Área de Preservação Permanente" (fls. 1102-v) e que "o empreendimento efetivamente está sendo realizado em Área de Preservação Permanente" (fls. 1103); (c) "as alterações produzidas pelo empreendimento La Plage ... não foram analisadas do ponto de vista da cumulatividade de seus efeitos face ao empreendimento Playa Vista, o que, contudo, era necessário, visto que a interação entre ambas as áreas é evidente e já foi constatada pelo próprio empreendedor" (fls. 1104); (d) como o empreendimento é de natureza particular e privada, não sendo obra de utilidade pública, "requer-se análise judicial da conveniência e utilidade da implantação de um empreendimento particular, que trará benefício restrito aos empreendedores, pelo ganho que obterão com as vendas (visto que os compradores também serão prejudicados com os problemas ambientais ocasionados pelos danos acarretados pelo empreendimento) versus todos os problemas e consequências ambientais dele decorrentes, que virão a atingir não apenas o meio ambiente/fauna e flora existentes no local, mas igualmente o lençol freático, com risco de possível salinização para o continente, e a própria faixa de praia, além de virem a ser afetados todos os demais veranistas, atuais e futuros, que tiverem a intenção de desfrutar do litoral norte do Estado do Rio Grande do Sul" (fls. 1104); (e) o empreendimento está sendo construído em área de preservação permanente (dunas), conforme consta nos documentos do empreendedor (fls. 1104-v), tendo havido intervenção pretérita e irregular do réu-empreendedor com grande movimentação de areia, alterando as feições da área (fls. 1105-v); (f) as dunas desempenham papel importante na preservação da zona costeira, da faixa de praia, do mar territorial e dos próprios veranistas e moradores de balneários (fls. 1106-1107); (g) a área atingida pelo empreendimento apresenta especial importância ambiental porque é "identificada como um sistema de lagoa/dunas, apresentando elementos terrestres e aquáticos, formando um ecossistema rico com grande importância" (fls. 1108-1110); (h) o dano ambiental causado pela implantação do empreendimento atinge a fauna silvestre existente no local, que dependia das dunas e da vegetação do local para alimento, reprodução, ninhos e abrigo (fls. 1110-1113); (i) a FEPAM "agiu de maneira disconforme com a proteção do meio ambiente ao ter autorizado a implantação do empreendimento, na forma como o fez e, posteriormente, ao proceder à defesa judicial do ato, deixando de considerar as importantes ponderações que foram feitas sobre a importância ambiental da área e os impactos de sua ocupação irregular" (fls. 1113-v), entendendo o Ministério Público Federal que o IBAMA deve ser chamado a proceder ao licenciamento ambiental do empreendimento de forma supletiva em razão da inépcia do licenciamento feito pela FEPAM (fls. 1114); (j) ao indeferir pedidos anteriores do empreendedor para licenciamento, a própria FEPAM reconheceu as características ambientais relevantes da área onde situado o empreendimento (sistema litorâneo ainda preservado e composto por curso d'água permanente, banhados e dunas frontais), mas posteriormente licenciou o empreendimento, "demonstrando a impossibilidade de continuar à frente do procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento" (fls. 1114), examinando o Ministério Público Federal minuciosamente essas alterações no entendimento da FEPAM (fls. 1114-1115); (k) o réu-empreendedor não cumpriu as condições da licença ambiental, mas mesmo assim a FEPAM não suspendeu o licenciamento nem adotou providências contra o empreendedor, sendo que "a forma de atuação da FEPAM (...), assim como a defesa do empreendimento (...) indicam que o órgão não está em condições de continuar a exercer o licenciamento do empreendimento. A situação indica a necessidade de substituição do órgão ambiental estadual pelo IBAMA como órgão supletivo, quanto à continuidade do processo de licenciamento, e também pelas peculiaridades do caso que envolvem a zona costeira, área de preservação permanente, e os efeitos daí advindos para o mar territorial" (fls. 1115-1116); (l) a vegetação presente no empreendimento é própria da área de dunas e restinga, caracterizando que o local é área de preservação permanente (fls. 1115-1116); (m) o licenciamento ambiental do empreendimento "deveria ter levado em consideração a existência de inúmeros outros empreendimentos com as mesmas características na área do entorno do empreendimento, em razão dos evidentes prejuízos ambientais cumulativos que virão a ser causados", como por exemplo o condomínio contíguo, La Plage, que interfere na feição das dunas existentes naquela área de preservação permanente, e os condomínios Loteamento Arpoador Las Dunas,  que sequer foram considerados embora vizinhos (fls. 1116-1120), entendendo o Ministério Público Federal que "o processo de licenciamento do condomínio Playa Vista deve exigir a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental que considere a realidade existente no Município e a presença de todos os condomínios residenciais existentes nos limites do local onde está sendo inserido o empreendimento" e que se deve "inverter a lógica que está sendo apresentada pela FEPAM e pelo empreendedor. Querem fazer crer os réus que, pelo fato de haver outras ocupações irregulares no litoral não poderiam ser impostas restrições ao empreendimento Playa Vista. Pelo contrário. O pensamento deve ser justamente o oposto, no sentido de que existência de outros projetos ou empreendimentos irregulares devem limitar outras irregularidades ambientais" (fls. 1120); (n) é necessário complementar o levantamento arqueológico porque existe possibilidade de que o empreendimento esteja em área de entorno de sambaqui (fls. 1121-1122); (o) existe situação que justifica a intervenção supletiva do IBAMA para o licenciamento ambiental do empreendimento (fls. 1122-1124); (p) a alegação de que o condomínio foi concluído e que grande parte dos lotes já foram comercializados justifica o deferimento da liminar "para que a situação fática não venha agravar ainda mais os prejuízos ambientais já verificados no local do empreendimento, e para que as medidas a serem adotadas sejam as menos impactantes possíveis" (fls. 1125-1127). Examinou o direito aplicável e citou precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fls. 1127-1131). Ao final, ratificou os pedidos de liminar formulados pelo autor (fls. 1132-1134) e formulou seus próprios pedidos de liminar (fls. 1134-1135)”.

Nenhum comentário: