quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mesmo dizendo absurdos, Lula ainda acerta mais do que os jornalistas

O momento mais interessante da entrevista coletiva que Lula deu no Palácio do Planalto, na manhã desta quarta-feira, acompanhado pela presidente eleita Dilma Rousseff, teve momentos que se poderia chamar de hilário. Por exemplo, o que está contido entre 18min47s e 22min55s do video abaixo.

Um jornalista, chamando a própria questão de “perguntazinha”, indaga: "Presidente, o quadro no Congresso agora vai ser um Congresso muito mais favorável à presidente Dilma do que foi com o senhor, que o governo vai ter muito aliados tanto na Câmara quanto no Senado. O senhor acha que ela vai ficar menos refém de oligarquias do Nordeste, por exemplo?" Lula respondeu daquele seu jeito: "Ô meu filho, eu vou dizer uma coisa pra vocês de coração! O Congresso é a cara da sociedade. Eu fico olhando vocês aqui, o Congresso é a média da cara de vocês. É isso. O Congresso é a média… É a síntese da sociedade brasileira. Tem gente de todo o espectro social, tem gente de todas as origens, tem de gente de todas as cores, tem gente de todos os Estados. A gente tem o hábito de tentar menosprezar, muitas vezes por preconceito. As pessoas são eleitas. Cê tem um cidadão que é eleito com 10 milhões de votos, outro que é eleito com mil, com um milhão de votos. Quando eles chegam aqui, cada um vale um voto, não tem melhor ou pior. Um presidente da República, ele se relaciona com a força política eleita. Ele não se relaciona com a força política que ele gostaria que fosse eleita. Então, a companheira Dilma, a nossa futura presidente, ele vai ter de se relacionar com os 81 senadores que estão aí, do DEM, do PTB, do PT, do PMDB, do PSB, ou seja, ela não vai inventar. Ela não pode criar um novo partido e criar novos senadores. São os que estão aí. E todos têm direito a um voto. Ela vai se reunir com Congresso Nacional e com uma Câmara do mesmo jeito. Ela não pode dizer: ‘Não, eu não quero aquele deputado, tem de vim outro’. Mas foi ele que foi eleito. Ela vai ter de conversar. Ela vai ter de conversar com o companheiro do PCdoB e vai ter de conversar com o Tiririca. Vai ter de conversar com o PP e vai ter de conversar com o PCdoB, com a oposição e com a situação. Essa é a lógica do jogo. Sabe? O que ela vai ter melhor do que eu tive? Ela vai ter, teoricamente, uma bancada mais consolidada na Câmara dos Deputados e vai ter uma bancada mais consolidada no Senado. Certamente, nós teremos alguns senadores com menos raiva do que alguns que saíram. Só o fato de o cidadão não ter raiva, só o fato de o cara ser civilizado e, ao invés de gritar, conversar; ao invés de querer bater, negociar, isso já é meio caminho andado. É importante lembrar que nós aprovamos tudo que nós queríamos no Congresso Nacional, com exceção da CPMF, que, embora a gente teve maioria, faltou um voto só para a gente ganhar a CPMF. Mas agora, essa nova safra de governadores que vão vir aí, eles vão dizer para vocês o que eles vão querer. E todo mundo sabe que vai precisar de dinheiro para a saúde. Se alguém souber da onde que é possível tirar dinheiro, que nos diga”. Depois de uma resposta dessas, cabe um comentário. Quer dizer, ilustre repórter, que um Senado menos oposicionista final, haverá de tornar Dilma menos refém do que foi Lula das “oligarquias do Nordeste”? Ilustre repórter, esclareça: desde quando as “oligarquias do Nordeste” atrapalharam Lula? Elas estiveram com ele desde sempre, são suas aliadas. A grande base que Dilma terá no Congresso será formada justamente de parlamentares eleitos no… Nordeste. Portanto, segundo a lógica do ilustre jornalista, Dilma será mais refém do que o próprio Lula. Mas a resposta do Babalorixá é estupenda. O Congresso, é verdade, é uma síntese do país. Aliás, Dilma e Lula também são. E com os jornalistas não é muito diferente, não. Foi preciso que Lula dissesse que seu governo aprovou o que bem quis no Congresso. Ora, se aprovou, então cadê aquela oposição sabotadora de que ele falara minutos antes? Lula admitiu por conta própria o que cumpria ao jornalismo interrogar, contradizendo-se, e os ilustres jornalistas são incapazes de apontar a contradição do reizinho. Ou seja, como ele mesmo diz, são iguais aos parlamentares nordestinos dos quais parecem desgostar tanto. Se o Congresso é a média do que vai na sociedade, então os oposicionistas que o compõem merecem ser tratados com o devido respeito. Lula já havia satanizado os adversários, diante do silêncio cúmplice e freqüentemente sorridente dos ilustres jornalistas. Compreensivo, Lula tratou de exaltar a rica fauna da Casa na qual, no passado, ele via 300 picaretas. E a única personalidade que citou como um dos exemplos do que pode ser o Congresso foi “Tiririca”, momento em que botou a mão no ombro de Dilma, como a lhe recomendar expressamente que tratasse o palhaço com o respeito merecido. A propósito: citar Tiririca como representante da média nacional, e dado que havia dito que os jornalistas presentes são expressão dessa mesma média, leva-nos a indagar: onde estariam os Tiriricas entre os jornalistas? Conclusão lógica, todos os jornalistas que ali estavam são Tiriricas. Isso é o jornalismo de hoje. Isso é o presidente de hoje. A oposição reagiu nesta quarta-feira mesmo à declaração de Lula de que DEM e PSDB foram “raivosos” durante os seus oito anos de governo e fizeram a “política do estômago” para prejudicá-lo na Presidência da República. Com a promessa de manter as críticas ao futuro governo de Dilma Rousseff (PT), mas sem ataques imediatos, líderes oposicionistas afirmaram que Lula enfrentou uma oposição “tranquila” no Congresso mesmo em momentos de crise, por isso teve uma reação infundada. “O presidente está novamente usando da ironia de baixo calão que lhe é peculiar. Precisa aprender que a democracia pressupõe convivência, inclusive de opostos. A futura presidente merecerá da oposição o mesmo tratamento respeitoso, atencioso, dentro dos princípios que permitam que termine o seu mandato”, disse o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Vice-líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR) afirmou que Lula teve a “oposição que pediu a Deus”, sem motivos para reclamar. “A oposição foi excessivamente generosa, responsável, construtiva. O que incomoda o presidente até hoje foi a única derrota que ele teve no Congresso, a derrubada da CPMF". Para o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), Lula teve uma oposição “compreensiva” no seu mandato, mas insistiu em ataques durante a campanha eleitoral. Não dá para esquecer que Lula fez uma ameaça nada velada aos governadores eleitos de oposição. Prestem atenção a este trecho da entrevista, quando ele já havia dito o diabo sobre a oposição: “Eu acho que a oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso, até porque a oposição governa Estados importantes da federação e sabe que a relação institucional entre Estados e o governo federal tem que ser a mais harmoniosa possível porque senão todos perdem”. Aquela conversa de que Lula nunca viu a cor partidária do governante é mentirosa, evidentemente. Os seus aliados sempre foram mais bem-aquinhoados com verbas públicas e investimentos. O governo Dilma terá uma maioria folgada no Congresso. Não obstante, Lula sabe que as oposições elegeram 10 governadores, vão governar 52% da população e uns 60% do PIB. E se essa gente decide realmente atuar como um partido de oposição, segundo as regras da democracia? Aí Lula afirma que “todos perdem”. Que “todos” é esse? É evidente que se trata de uma ameaça descarada aos governadores. Mais adiante, ao falar sobre a CPMF, voltou a falar sobre os governadores, que também têm interesse numa saúde melhor. A entrevista coletiva foi um bate-papo, em que Lula falou o que bem entendeu, com aquele seu jeito desabrido de sempre, a simpatia habitual, os gracejos dirigidos a jornalistas, que a todos encantam, as simplificações e, no fim, uma nota de inacreditável descortesia com José Serra, o que provocou, evidentemente, o riso dos ilustres jornalistas. Embora Lula concedesse uma entrevista com o peito humildemente estufado de quem tivesse vencido o pleito por, sei lá, 83% a 17%, a verdade verdadeira é que teria bastado que 6,05% dos eleitores votantes mudassem de lado para que fosse tragédia o que agora é triunfo. Lula disse: “O que eu queria pedir à oposição é que, a partir do dia 1º de janeiro, contra mim não tem problema, podem continuar raivosos, podem continuar do jeito que sempre foram, mas, a partir do dia 1º de janeiro, que eles olhassem um pouco mais o Brasil; que eles torcessem para que o Brasil desse certo; que eles ajudassem o Brasil a dar certo; que, cada vez que tome uma atitude, ao invés de prejudicar o presidente, eles prejudiquem a parte mais pobre da população que precisa do governo e que precisa das políticas públicas do governo. Então eu espero, eu não vou falar aqui em unidade nacional, porque essa é uma palavra já queimada, já mal usada, mas eu queria apenas pedir a compreensão, é que, dentro do Congresso Nacional, a nossa oposição não faça contra a Dilma a política que fez comigo, a política do estômago, a política, eu diria, da vingança, a política do ‘trabalhar para não dar certo’. Eu acho que a oposição tem um outro papel, e ela pode fazer isso, até porque a oposição governa estados importantes da federação, e sabe que a relação institucional entre estados e o governo federal tem que ser a mais harmoniosa possível porque senão todos perdem". Trata-se de um discurso autoritário, que sataniza os adversários. É uma clamorosa mentira histórica afirmar que foi esse o comportamento das oposições durante o seu governo. Ao contrário: o que hoje qualquer pessoa razoável tem claro é que faltou justamente “opor-se”. Os brasileiros devem olhar para o resultado também das eleições nos Estados Unidos. Lá, os republicanos derrotados há dois anos por Obama decidiram que iriam fazer uma implacável, diária, sem trégua. Agora colheram uma retumbante vitória sobre o presidente populista que não consegue resolver os problemas do país. É isso que se espera aqui, que a oposição desempenhe o seu papel com muita veemência, o tempo todo. Lula não quer isso, é claro, e já está procurando vacinar todo mundo antecipadamente, tentando emascular a oposição antes mesmo do começo dos mandatos dos novos parlamentares.

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