sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ser cubano, algo inacreditável, conheça o paraíso dos socialistas (5)

ARTES DOMÉSTICAS Sánchez mantém alegre ignorância quanto às artes domésticas. "Dois quilos de arroz a 25 centavos", ele disse, tentando recordar sua ração mensal. "Acho. E mais meio quilo a 90 centavos. Acho. Vamos perguntar às mulheres. Quanto a isso, elas dominam". Ele chamou a mulher com quem vive, Barbara. Além de trabalhar como advogada em defesa de prisioneiros políticos, ela cozinha e ajuda sua mãe e uma sócia a manter uma padaria na cozinha de sua casa. Elas compraram uma saca de trigo "à esquerda", o que significa que se trata de farinha roubada, comprada de um contato. O custo foi de 30 pesos. Com isso e uma porção de carne moída comprada clandestinamente no açougue, elas fazem pequenas empanadas vendidas a três pesos a unidade, ou cerca de oito por US$ 1. É assim que Cuba se ajeita: as lojas de produtos racionados têm moradores dos bairros como funcionários; eles roubam ingredientes e os vendem aos vizinhos, que produzem alguma coisa com eles e revendem a esses e outros vizinhos. Oito empanadas seriam um bom almoço, mas US$ 1 era preço fora do meu orçamento. Barbara me deu duas delas, e eu as demoli com uma mordida. Ela ouviu com expressão neutra, quando expliquei minha tentativa de viver dentro dos limites do racionamento. "É um bom plano de dieta", comentou. Outro dissidente que estava visitando a casa, Richard Rosello, entrou na conversa. Ele tem um caderno no qual anota os preços dos produtos nos mercados paralelos, também conhecidos como mercados clandestinos ou mercados mala preta. "Um problema é a comida", disse Rosello. "Mas também temos o problema de como pagar a conta de luz, o gás, o aluguel. O preço da eletricidade está de quatro a sete vezes mais alto que no passado". Elizardo paga cerca de 150 pesos por mês de eletricidade - um quarto do salário médio cubano. Como sobreviver, portanto? "Os cubanos inventam alguma coisa", disse Barbara. Um dos truques é vender os bens racionados, comprados a baixo preço, pelo valor de mercado. Foi assim que enfim consegui comprar minha porção de 10 ovos. Sem a caderneta de racionamento, não tinha como comprá-los legalmente. Mas ao anoitecer do dia anterior, eu havia esperado perto da loja de ovos local, onde troquei um olhar com uma mulher idosa que estava saindo com 30 ovos - um mês de suprimento para três pessoas. Ela os comprou a 1,5 peso por unidade, e me vendeu 10 deles por dois pesos cada. Voltou à loja e imediatamente comprou mais ovos, lucrando três ovos e alguma sobra de dinheiro com a transação. Os dois caminhamos de volta para nossas casas cuidadosamente, com medo de desperdiçar toda a ração mensal de proteína por conta de um único tropeço. Barbara aproveitou para apontar um erro terrível em meu plano. Nos últimos anos, a maioria das fontes fora de Cuba reporta que a ração inclui 2,5 quilos de feijão preto. Mas há anos isso não é verdade. A porção do mês era de apenas 200 gramas. Dez mil calorias haviam desaparecido do meu mês em um piscar de olhos. Para atenuar o golpe, Barbara decidiu me convidar para um "típico" almoço cubano. O primeiro prato é arroz - a dois ou 2,5 quilos por mês, esse grão é o alimento básico da dieta cubana. A porção diária de arroz reservada a cada cidadão poderia ser guardada em uma lata de leite condensado. Trata-se de arroz vietnamita de baixa qualidade, conhecido como "creole", "feio" ou "microjet", este último termo uma referência zombeteira a um dos planos de Fidel para irrigar safras agrícolas por meio de um sistema de aspersão por gotas. O almoço típico inclui meia lata de arroz (a outra metade fica para o jantar); era uma massa grudenta, mas minha fome ajudou a considerá-lo saboroso. Depois, uma terrina de sopa de feijão. Cada terrina continha apenas alguns feijões, mas o caldo era rico, reforçado com ossos de boi. ("20 pesos o quilo, para os ossos", disse Barbara. "Muita gente não tem como comprá-los".) Eu não comia carne bovina havia seis dias. Depois, ela me deu meia batata doce. "Muito melhor que a batata comum, em termos de nutrição!", disse Elizardo, de algum lugar do corredor. Também me serviram um ovo frito, ainda que Elizardo tenha apontado, em novo grito, que "se você comer um ovo hoje, não poderá comer amanhã". Ou depois de amanhã. O ovo caiu muito bem. Dadas as dimensões reduzidas do meu estômago, a refeição toda, incluindo as duas pequenas empanadas, pareceu perfeitamente adequada. Mastiguei os ossos, extraindo pequenos pedaços de carne. Era minha melhor refeição em alguns dias. Barbara guardou cuidadosamente o óleo da frigideira. Richard, com seu caderninho de preços, expôs a matemática dessa forma de alimentação. Uma "cesta mensal" de comida racionada (que dura apenas 12 dias) custa 12 pesos por pessoa, de acordo com as contas do governo. Nos 10 dias seguintes de cada mês, as pessoas precisam comprar o mesmo volume de comida por 220 pesos, nos diversos mercados livres, paralelos e negros. E ainda assim isso só conduz o cidadão ao 22º dia do mês. As despesas mensais envolvidas em manter o mesmo padrão de alimentação seriam de 450 pesos - o que supera a renda de milhões de cubanos, e isso sem incluir roupas, transportes ou produtos para a casa. inguém mais consegue comprar pratos e xícaras. Eles são roubados de empresas estatais, quando possível, e vendidos no mercado negro. Quanto a roupas, é preciso comprá-las usadas, em mercados de troca conhecidos como troppings, um trocadilho com o apelido das lojas que vendem em moeda forte. Pessoas cuja comida acaba e vasculham latas de lixo ou se tornam alcoólatras para atenuar a dor, disse Richard. Elizardo voltou à sala. "Não estamos falando do Haiti, ou do Sudão", disse. "As pessoas não caem nas ruas, mortas devido à fome. Por quê? Porque o governo garante dois ou 2,5 quilos de açúcar, que tem alto teor calórico, e uma porção diária de pão, e arroz suficiente. O problema em Cuba não é a comida ou as roupas. É a completa falta de liberdade cívica, e portanto de liberdade econômica, o que é exatamente o motivo para que exista a libreta, para começar". Como no resto do mundo, o problema da comida na verdade é um problema de acesso, de dinheiro. E o problema de dinheiro é um problema político. No sétimo dia, eu repousei. Deitado na cama com Victor Hugo, perdido na contemplação daquele teste da bondade humana, era fácil esquecer por uma hora que minhas gengivas doíam, que minha garganta estava repleta de saliva. Havana está mudando, como as cidades costumam. A região central foi colocada sob o controle de Eusebio Leal Spengler, o historiador da cidade. Leal recebeu prioridade especial para materiais de construção, mão de obra, caminhões, ferramentas, combustível, encanamentos e até mesmo torneiras e vasos sanitários. Mas não é por isso que as pessoas o amam. Em lugar disso, explicou meu amigo, o acesso "privilegiado" a suprimentos significa simplesmente que há mais para roubar. Uma amiga estava reformando a casa na esperança de alugar aposentos para estrangeiros, e passados alguns minutos ouvimos um caminhão freando na rua, e o estrondo de uma grande buzina. O marido dela me fez um sinal apressado, e abrimos juntos a porta da frente. Havia um caminhão parado à porta. Em 60 segundos, três pessoas, entre as quais eu, descarregaram 250 quilos de sacos de cimento Portland. O marido passou algum dinheiro ao motorista, notas amarfanhadas, e o caminhão partiu imediatamente. O caminhoneiro havia faturado com material de construção destinado a alguma obra. Passamos meia hora transferindo o cimento a um canto escuro de um quarto dos fundos, recobrindo os sacos com uma lona, porque as letras da embalagem eram impressas em azul, o que configura propriedade do Estado. Os sacos com letras verdes são destinados à construção de escolas. Os sacos reservados ao uso dos cidadãos comuns vêm impressos em vermelho, e custam US$ 6 a unidade, nas lojas do Estado. Ao contrário da maioria dos funcionários cubanos, Leal de fato fez diferença na vida dos cidadãos. Reconstruiu os velhos hotéis; meus amigos roubaram 250 quilos de cimento para construir seu novo bangalô para turistas. Restaurou um museu, e meus amigos roubaram telhas de zinco para os telhados. Enviou caminhões carregados de madeira ao bairro, e metade da carga desapareceu. Tudo é propriedade do Estado. As pessoas se apoderam de tudo. Um sistema de racionamento operando em modo reverso. Ajudar no roubo do cimento foi meu primeiro grande sucesso. Por meia hora de trabalho, recebi um prato imenso de arroz com feijão vermelho, acompanhado por uma banana e uma porção de picadillo - pelo menos 800 calorias.

Nenhum comentário: