sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ser cubano, algo inacreditável, conheça o paraíso dos socialistas (D)

Da mesma forma que os cubanos aproveitam lacunas nos regulamentos para sobreviver, decidi explorar minha evidente condição de estrangeiro em meu benefício, e passei o dia entrando e saindo de hotéis nos quais poucos cubanos estão autorizados a entrar. Isso me dava acesso a ar condicionado, papel higiênico e música. Passei pela segurança no Habana Libre, o antigo Hilton, e subi de elevador até o topo, que oferecia lindas vistas de Havana ao crepúsculo. A boate ainda não estava aberta, mas entrei mesmo assim; apanhei um ensaio em curso. Um roqueiro russo, com uma banda de apoio de mais de 30 músicos, estava passando o som do show que faria mais tarde. O hotel serviu chá e água mineral em garrafas aos músicos, e aproveitei a oportunidade para beber bastante. O sabor adstringente do chá - mediado por muito açúcar - finalmente começou a fazer sentido para mim. Era a bebida dos noviços em um mosteiro, das pessoas famintas e enregeladas. Seu objetivo é matar o apetite. Havia restos de um lanche. Encontrei apenas um sanduíche e meio de queijo, abandonado em um guardanapo perto da seção de cordas; coloquei o guardanapo no bolso. Caminhei por uma hora, atravessando Havana para voltar ao meu quarto, passando por dezenas de lojas novas - açougues, bares, cafés, pizzarias e outros prolíficos fornecedores de alimentos vendidos apenas em moeda forte. Detive-me por longo tempo, contemplando os imensos peitos de peru expostos na vitrine de uma das lojas. Quando enfim cheguei ao meu quarto, os sanduíches se haviam desintegrado no meu bolso, em uma massa de migalhas, manteiga e queijo sintético, mas os comi mesmo assim, devagar, prolongando a experiência. Eu sempre havia desdenhado os cubanos que se dispõem a aplaudir o regime em troca de um sanduíche, mas, já no meu segundo dia na ilha, eu me sentia disposto a denunciar Obama em troca de um biscoito. Na manhã do terceiro dia, caminhei mais de duas horas por Havana em busca de comida, queimando 600 calorias, o equivalente aos sanduíches consumidos um dia antes. Eu havia presumido, erroneamente, que poderia simplesmente comprar a comida de que precisaria para o mês. No entanto, por ser norte-americano, eu era inelegível para o racionamento, nos termos do qual o arroz custa dois centavos de dólar o quilo. Como "cubano" vivendo com salário de US$ 15 ao mês, eu não teria como comprar comida fora do sistema, nas dispendiosas lojas que vendem alimentos em dólares. Os cubanos chamam essas pequenas lojas, que vendem de tudo, de pilhas e carne bovina a óleo de cozinha e fraldas, de "el shopping". Depois de horas de frustração, e incapaz de comprar qualquer comida, voltei de ônibus ao apartamento. Eu não tinha almoçado. Tentei ler, mas só havia trazido livros sobre dificuldades e sofrimento, como "Les Misérables". Comecei com um panorama mais fácil e bem humorado sobre uma vida solitária e repleta de privações, "Sailing Alone Around the World", de Joshua Slocum, e li 146 páginas do livro em meu primeiro dia. Slocum atravessou o Atlântico em um veleiro comendo pouco mais que biscoitos e postas de carne de peixe voador, acompanhados por café, e fiquei especialmente satisfeito quando, ao chegar ao Pacífico, ele descobriu que havia uma infestação de mariposas em sua reserva de batatas, e teve de lançar as valiosas provisões ao mar. Mas depois disso ele costumava fazer absurdos como preparar um cozido irlandês ou apelar a uma reserva de vitela defumada comprada na Tierra del Fuego. Um navio de passagem chegou a lhe lançar uma garrafa de vinho espanhol, certa vez. Bastardo sortudo. Se eu continuasse a ler no ritmo daquele primeiro dia, livros seriam mais uma das provisões que eu esgotaria antes do prazo. Por fim, já que não conseguia mais ficar parado, corri para fora da casa e, seguindo uma dica, encontrei uma casa a alguns quarteirões de distância em cujo portão havia um cartaz com a palavra "café". Na parte traseira da casa havia uma janela gradeada, e eu passei o equivalente a 40 centavos de dólar pela janela. Uma mulher me serviu um pãozinho com apresuntado. Um copo de suco de papaia me custou mais 12 centavos de dólar. Embora eu tentasse comer devagar, o almoço desapareceu em questão de minutos. A esse ritmo - 50 centavos de dólar por refeição -, minha reserva de dinheiro seria consumida rapidamente, e saí daquele quintal prometendo a mim mesmo que jantaria quase nada. De manhã, notícias piores me aguardavam quando tentei me vestir. Descobri que o zíper de minha calça estava enguiçado. Como parte do meu esforço para parecer e me sentir cubano, só havia levado duas calças na bagagem. Calças são um dos muitos itens não alimentícios também distribuídos como parte da ração, e isso em geral quer dizer apenas uma calça por ano. A maioria dos cubanos se vira com apenas um ou dois exemplares de cada peça de roupa. Por isso, o zíper quebrado teria de ser reparado - em janeiro, não havia distribuição de calças. Depois do fracasso de alguns esforços nada competentes para consertar o zíper sozinho, compreendi que teria de gastar dinheiro, ou trocar alguma coisa, pelo trabalho de um alfaiate. Café da manhã: duas xícaras de café açucarado. Total de 75 calorias.

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