terça-feira, 1 de março de 2011

Esmiuçando o corte feito por Dilma: sim, atinge investimentos; não, não alcançará a marca anunciada. Resultado: o BC terá de corrigir a farra com juros

Do site do jornalista Reinaldo Azevedo: "Já recomendei aqui o blog do economista Mansueto Almeida, do Ipea (não, não é ele o “meu amigo economista”). Quando o governo havia dito que cortaria R$ 50 bilhões do Orçamento, mas sem prejudicar os investimentos e os gastos sociais, ele foi o primeiro a dizer, de maneira técnica e muito sóbria: impossível. Agora, em seu blog, ele demonstra, mais uma vez, que os investimentos estão sendo, sim, atingidos. Mas não só isso: fez as contas e constata que não há hipótese de haver um ganho fiscal de 1% do PIB, conforme anuncia o Planalto. Vale dizer: estamos diante de uma empulhação — isso, digo eu, não ele. Reproduzo seu post na íntegra. O título é meu. A muitos, o assunto poderá parecer técnico demais, um pouco chato. Mas é essencial para o entendimento do que está em curso. Mansueto é bastante claro, didático mesmo.
****A divulgação da lista de cortes hoje mostra, sem dúvida, que a equipe econômica está cada vez mais convencida de que é preciso segurar a velocidade de expansão dos gastos públicos. No entanto, como já havia escrito neste blog antes, acho difícil um corte de R$ 50 bilhões que preserve os investimentos e os gastos sociais, e, pelo detalhamento parcial dos cortes divulgados hoje, estou cada vez mais convencido disso. Gostaria de fazer  três breves comentários.
(1) Os cortes são divulgados de uma maneira que, propositadamente, não permite ao cidadão comum identificar o que está sendo cortado, se investimento ou custeio.
Os ministros deveriam ter divulgado os cortes das despesas de uma forma diferente. Ao invés de mostrar os cortes por ministério e por despesas obrigatórias e discricionárias, os cortes deveriam ter sido detalhados por Grupo de Natureza de Despesa (GND) — pessoal, outras despesas correntes, investimentos  — e/ou por função: saúde, saneamento, transporte, educação, habitação etc. Ao detalhar os cortes dessa forma, ficaria mais fácil acompanhar se os ministros iriam manter a promessa de não cortar investimento e gastos sociais. Ao invés de facilitar o acompanhamento do que foi prometido, os ministros ou seus assessores insistem em deixar os cortes menos transparentes. Por exemplo, o orçamento de 2011 para o Ministério do Turismo foi cortado em R$ 3 bilhões, de um total de R$ 3,65 bilhões de gastos discricionários desse ministério. O que isso significa exatamente? É fácil responder. A tabela abaixo mostra o orçamento para o Ministério do Turismo para 2011. Como se pode ver de forma clara quando se divide os gastos por Grupo de Natureza de Despesa (GND),  70% do orçamento do Ministério do Turismo (R$ 2,6 bilhões) são investimentos. Ou seja, cortar R$ 3 bilhões desse ministério significa cortar quase todo o investimento programado.
Orçamento Autorizado do Ministério do Turismo (LOA 2011)
Do total do gasto programado para o Min. do Turismo, apenas o gasto com pessoal e encargos sociais (R$ 56 milhões) e talvez juros (R$ 2,9 milhões) são obrigatórios. Os demais são discricionários, mas quase tudo investimento. Ou seja, o corte será em cima dos investimentos programados.
Se o governo quisesse ser claro, ele deveria ter mostrado essa tabela acima para todos os ministérios. O cidadão tem o direito de saber o que está sendo cortado para se posicionar nesse debate.
Vamos para outro exemplo. O maior corte nominal anunciado foi o do Ministério das Cidades, um corte de R$ 8,5 bilhões. Impresionante!!!! Um momento: por que “impressionante”? Nada de impressionante quando se olha a execução do Orçamento do ano passado.  Em 2010, o Ministério das Cidades teve um orçamento aprovado de R$ 16,2 bilhões. No entanto, o valor de fato executado foi de R$ 6,9 bilhões como detalhado abaixo. Ou seja, poderíamos falar que houve um corte real de R$ 9,3 bilhões no orçamento do Ministério das Cidades no ano passado; maior do que os R$ 8,5 bilhões anunciados agora.
Orçamento do Ministério das Cidades em 2010
O que temos para 2011?
Bom, a tabela abaixo mostra o orçamento do Min das Cidades para 2011 por Grupo de Natureza de Despesas (GND). O orçamento como aprovado na Lei Orçamentária Anual foi de R$ 22 bilhões. Assim, um corte de R$ 8,5 bilhões significa que a execução programada para esse ano é de R$ 13,5 bilhões (R$ 22 bilhões - R$ 8,5 bilhões).
Orçamento Autorizado do Min das CIdades (LOA 2011)
Mas se a execução, em 2010, desse ministério foi de R$ 6,9 bilhões; R$ 13,5 bilhões para esse ano (depois do corte de R$ 8,5 bilhões) representam, na verdade, um crescimento de 95% nas despesas desse ministério. É importante saber disso porque a equipe econômica, propositadamente ou não, faz duas grandes confusões:
(a) fala que os investimentos do PAC serão mantidos; e
(b) estimou que a economia no gasto decorrente das medidas detalhadas hoje traz um ganho fiscal equivalente a 1% do PIB, dando a impressão para nós que a despesa pública seria reduzida em um ponto percentual do PIB. Vamos aos detalhes.
(2) Há sim cortes dos programas do PAC e a economia estimada do corte das despesas em 1 (um) ponto percentual do PIB está equivocada.
Já falei antes neste blog e continuo afirmando: não há como preservar os 100% do investimentos do PAC, e uma parcela do PAC, para a minha surpresa,  entra na contabilidade pública como gastos de custeio e não como investimentos como é o caso dos recursos do programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Minstério da Cidades.
Da conta de custeio da tabela acima do Ministério das Cidades para este ano, R$ 13,5 bilhões de “outras despesas correntes”  são, na verdade, transferências ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) — R$ 9,5 bilhões,  fundo criado para financiar as compras de casas populares do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Assim, o que será cortado do Ministério das Cidades são os recursos do Programa Minha, Casa Minha Vida e parcela dos gastos com investimentos, pois são essas duas contas que importam em termos de valores para esse ministério.
No caso da economia estimada, a despesa primária do governo federal aprovada para 2011 pelo Congresso foi de R$ 767,4 bilhões (já incluindo os R$ 1,6 bilhão de gastos vetados). Com corte de R$ 50 bilhões, essa despesa vai para R$ 717,4 bilhões, R$ 60 bilhões acima do gasto primário de 2010 (excluindo capitalização da Petrobrás). Isso significa que, mesmo com o corte de R$ 50 bilhões, o corte real quando compararmos 2011 com 2010 não será superior a 0,3% do PIB.
De onde então a equipe econômica tirou a economia de 1 ponto percentual do PIB?
A conta foi feita em cima do orçamento aprovado (R$ 767,4 bilhões) e não do gasto real do ano passado (R$ 657,2 bilhões). Por exemplo, olhando para o exemplo acima do Ministério das Cidades, o governo divulgou a economia em cima do corte do orçamento aprovado, não para o orçamento executado de 2010. Dito de outra forma: se o Congresso Nacional tivesse aprovado um orçamento inflado em mais R$ 50 bilhões, R$ 817,4 bilhões, e o governo cortasse R$ 100 bilhões, a economia seria ainda maior (2% do PIB) na conta do governo. Como o que vale é gasto executado (pago) neste ano comparado com o gasto executado (pago) do ano passado, não há corte e sim uma expansão nominal do gasto público primário em R$ 60 bilhões, o que equivale a uma redução do gasto público não-financeiro do governo federal de, no máximo, 0,3% do PIB — isso se o corte de R$ 50 bilhões se materializar.
(3) Orçamento ainda projeta forte crescimento da receita tributária de R$ 70 bilhões.
A revisão da receita administrada e não administrada para menos R$ 18 bilhões torna ainda mais difícil o cenário de cumprir a meta cheia do superávit primário. Vale lembrar que o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) trabalhava com uma receita primária (exclusive previdência) de R$ 734 bilhões, e o Congresso Nacional aumentou para R$ 750,42 bilhões, um crescimento de R$ 16,4 bilhões. O corte de R$ 18 bilhões resgata o projeto original do governo com um corte um pouco maior.
O governo agora trabalha com uma expectativa de receita de R$ 731,3 bilhões, o que representaria um crescimento perto de R$ 70 bilhões em relação à receita realizada de 2010, de R$ 662,3 bilhões (excluindo a receita extra da capitalização da Petrobrás e a receita da previdência social). Um crescimento de R$ 70 bilhões é um aumento de arrecadação longe de ser irrisório e ainda assim não-garantido.
RESUMO
Continuo achando difícil o governo cortar R$ 50 bilhões. Mas é possível, já que está disposto a reduzir o investimento como mostra o exemplo do Ministério do Turismo.  Essa economia, ainda que mostre uma vontade real do governo de cortar gastos, é pequena frente ao crescimento dos últimos dois anos e já está com seus dia contados. Em 2012, já sabemos que temos um despesas extra de R$ 22,5 bilhões do reajuste do salario mínimo para um valor próximo a R$ 620, e, assim, tudo volta à estaca zero, e teremos, novamente, um novo problema fiscal. Já afirmei várias vezes nesse blog minha posição sobre o ajuste fiscal. Terá de ser gradual e deveria ser um esforço constante de anos e não apenas de um ano. Infelizmente (ou felizmente), vamos precisar confiar muito mais na política monetária do que na fiscal para reduzir as pressões inflacionarias. Por fim, não falamos ainda em um novo empréstimo para o BNDES, que o Ministro da Fazenda disse que será decidido até sexta-feira. Se sair um novo empréstimo próximo a R$ 50 bilhões, isso significa que, do ponto de vista de demanda, estamos diminuindo gastos do governo (G) e aumentando investimento (I), e a pressão inflacionária continua. Novamente, vamos precisar da ajuda do Banco Central. Acho que, de fato, o governo passou a se preocupar com a expansão dos gastos fiscais. Infelizmente, como essa percepção está atrasada em pelo menos um ano, os ajustes, agora, mesmo que na margem, são muito mais difíceis. A propósito, mantenho tudo que escrevi no meu post do dia 10 de fevereiro (O improvável corte do custeio em R$ 50 bilhões), quando falei que seria impossível que a maior parte do ajuste viesse do custeio. Continuo com a mesma opinião.

Nenhum comentário: