terça-feira, 19 de abril de 2011

Folha publica só agora entrevista com diretor de teatro judeu-palestino assassinado na Cisjordânia

Lembram-se de Juliano Mer-Khamis, o ator e diretor de teatro que foi assassinado por extremistas palestinos na Cisjordânia, onde ele vivia e dava aulas de teatro para crianças palestinas? Ele era filho de mãe judia e pai palestino cristão. O jornal Folha de S. Paulo tinha feito uma entrevista com ele em 2010, mas resolveu mantê-la na gaveta. Resolveu publicar agora, depois que ele foi assassinado. Por que a Folha de S. Paulo engavetou essa entrevista? Talvez a explicação esteja no fato de que, embora crítico de Israel, Juliano Mer-Khamis era ainda muito mais crítico da sociedade palestina. Em suma, não era um revolucionário, nem um jihadista, tão ao gosto da Folha de S. Paulo. Leia a entrevista e confira.
"Os sete tiros que mataram o ator e diretor Juliano Mer-Khamis, 52, no último dia 4, interromperam a trajetória de um personagem único do conflito palestino-israelense. Para alguns, insubstituível. Filho de mãe judia e pai palestino, ele criou o Teatro da Liberdade, um espaço para jovens no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada por Israel. Sua morte foi obra de mascarados não identificados, supostamente insatisfeitos com suas críticas duras e frequentes às lideranças dos dois lados. O crime comoveu a opinião pública regional. Em novembro de 2010, Juliano concedeu longa entrevista à Folha, que estava inédita. Disparou críticas ferozes à ocupação israelense e praticamente previu seu próprio fim. “Muita gente aqui quer se ver livre de mim.”
Folha - Dizem que Jenin trocou as armas pela resistência cultural, a começar pelo seu teatro. A cultura pode vencer a ocupação?
Juliano Mer-Khamis - Isso é uma tremenda bobagem. O teatro talvez possa salvar algumas crianças do desvio e apresentar uma imagem de que somos um povo cultural. Mas no fim das contas não significa nada. Quem lhe disser que a cultura muda alguma coisa está falando bobagem. Que resistência? Não há mais espírito de resistência entre os palestinos, e o pouco que resta está sendo corrompido pelos israelenses com dinheiro.
Israel é o único culpado?
Você vê o que está acontecendo em volta. Conseguiram transformar o movimento de resistência numa burocracia corrupta, que engorda com os dólares americanos. Vim para Jenin para lutar contra a ocupação, mas me vi tendo que lutar contra a própria sociedade palestina, que está se tornando tão corrupta que não pode lidar com nenhum tipo de crítica. Temos uma nova forma de ditadura policial, agora sob comando palestino.
(…)
Sua identidade dupla o ajuda a entender melhor os dois lados?
Minha mãe era judia, meu pai palestino cristão. Pela tradição judaica, sou judeu. Pela tradição cristã, sou cristão. Na prática é o contrário: para os palestinos, sou judeu. Para os israelenses, sou árabe. Ao mesmo tempo não me sinto parte de nenhum dos lados, e acho isso maravilhoso. Quem quer pertencer a essas duas nações? Prefiro ser o outro. Não estou em Jenin porque morro de amores pelos palestinos. Estou aqui para lutar contra a injustiça. Não sou bem-vindo em Jenin. As pessoas não gostam muito de mim aqui. Primeiro, porque me veem como um judeu. Mas o que mais incomoda é que eu critico a vida que eles levam.
O seu teatro não é uma forma de resistência contra a ocupação israelense?
O teatro não pode resistir a Israel. Isso é uma romantização. O teatro não tem como resistir a um Exército. O que o teatro pode fazer é resistir à opressão, à discriminação, ao racismo, à opressão sexual. Eu vim a Jenin para lutar contra a ocupação, mas logo percebi que isso é besteira. O teatro luta por valores humanos. A ironia amarga é que meu trabalho serve para libertar mulheres que são oprimidas por homens oprimidos por Israel. É por isso que muita gente aqui gostaria de se ver livre de mim.
Por quê?
A Palestina hoje não é um lugar nada amigável. É religioso, conservador, arruinado, corrupto, chauvinista e extremamente racista. Há 15 anos eu achava que havia um espírito de resistência entre os palestinos, um senso de liberdade, de justiça. Hoje isso acabou. Cada um só cuida dos seus interesses.

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