terça-feira, 13 de setembro de 2011

Na Argentina, filho de "desaparecidos" luta para manter nome adotivo

Depois de 32 anos, Hilario deixou de ter o sobrenome Bacca para se tornar, por ordem de um juiz, Hilário Federico Cagnola Pereyra. Mas Hilario nunca aceitou a situação. Agora um tribunal reverteu a decisão do magistrado anterior e instou o Congresso a criar uma lei para resolver um caso inédito. A história ilustra a complexidade do tema dos direitos humanos na Argentina, em especial para aqueles que cresceram em famílias adotivas e que, já adultos, descobriram ser, na verdade, filhos de vítimas do governo militar (1976-1983). Hilario, que continua autorizado a manter seu primeiro nome, nasceu na terrível Esma, Escola de Suboficiais de Mecânica da Armada (Marinha), palco de detenção e tortura de milhares de pessoas que o regime via como esquerdistas. Após o nascimento, o menino foi tomado da mãe, passou por várias mãos e terminou em poder da família Vaca, que o criou até a maioridade. Os restos da mãe biológica de Hilario foram identificados anos depois, enquanto seu pai continua desaparecido. "Soube da minha identidade biológica mediante um exame de DNA compulsório (permitido na Argentina para determinar se uma pessoa é filha de desaparecidos políticos)", disse ele: "Eu não queria fazer, mas não tinha outra escolha. Quando começou a surgir a possibilidade de ser filho de desaparecidos, eu queria de toda maneira evitar saber mais, porque significava chegar perto da morte e do terror. De um dia para o outro, você descobre que nasceu na Esma, que torturaram seus pais, que sua mãe foi encontrada morta anos mais tarde, que supostamente o corpo do meu pai está no mar (como vítima de um dos chamados 'vôos da morte', nos quais milhares de ativistas foram lançados ao mar de helicópteros). Mas não há informação". Hilario quer manter os sobrenomes daqueles que o criaram. Mas quer também acatar a decisão judicial de incorporar os nomes de seus pais biológicos e o nome que sua mãe tinha escolhido para ele durante o cativeiro, segundo os relatos de testemunhas. A união resultaria em Hilário Federico Bacca Cagnola Pereyra. À diferença dos mais de cem adultos que já foram identificados como filhos de desaparecidos, Hilario é o primeiro caso conhecido de alguém que quer manter a identidade da família biológica e adotiva. Na maioria dos casos, o mais comum é que se veja um total rompimento entre o filho e os pais adotivos, principalmente quando estes últimos estão envolvidos em escândalos de abusos ou repressão militar. Mas há adultos que, mesmo descobrindo suas verdadeiras histórias, decidem viver ao lado dos pais adotivos, rejeitando qualquer laço com a família biológica que acaba de entrar no seu mundo. A situação de Hilário está, de certa forma, no meio do caminho.

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