segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Argentina investiga juízes cúmplices da ditadura militar

Seis anos depois de iniciar os juízos dos crimes de sua última ditadura militar (1976-83), a Argentina começa a investigar a participação de magistrados nos episódios do período. Um total de 59 juízes argentinos são investigados pela unidade de direitos humanos do Ministério Público Federal. Eles são acusados de colaborar com as torturas, desaparecimentos de pessoas e apropriação de bebês, além de encobrirem deliberadamente os crimes da repressão à época. "Essas informações começam a surgir agora porque os julgamentos estão sendo aprofundados, surgiram novas provas e testemunhas que não estavam disponíveis há até pouco tempo" disse Pablo Parenti, coordenador da unidade de direitos humanos do Ministério Público. Muitos dos juízes sob suspeita ainda estão em atuação no Poder Judiciário, o que revela a baixa renovação dos quadros após a transição democrática. Até o momento, apenas um juiz foi condenado por crime de lesa-humanidade. Trata-se de Víctor Hermes Bursa, que cumpre pena por ter participado de sessões de tortura e ter tomado declarações em centros clandestinos. Ele obrigou que presos assinassem falsas declarações. A maioria dos casos se concentra na cidade de La Plata (17 juízes suspeitos) e em províncias como Córdoba e Mendoza (oito e sete magistrados investigados, respectivamente). No final de agosto, o juiz Otilio Romano, de Mendoza, acusado de cometer 103 delitos de lesa-humanidade, fugiu para o Chile, onde pede refúgio sob a alegação de ser perseguido político. Entre outros crimes, ele é acusado de tortura e de roubar presos que ficaram detidos sob sua custódia. Em Córdoba, onde as provas sobre os envolvimentos dos magistrados estão mais "robustas", segundo Parenti, os juízes são acusados de torturar e matar presos que estavam registrados formalmente, ou seja, não se tratava de um centro clandestino, prática comum na ditadura argentina. Essas novas investigações revelam uma mudança de rumo nos juízos sobre o terrorismo de Estado na Argentina. Após julgar e condenar militares, policiais, médicos e até padres, as apurações, com o apoio explícito do governo de Cristina Kirchner, apontam para setores da sociedade civil que colaboraram com a ditadura. Ministros do governo já manifestaram a necessidade de se investigar a colaboração de jornais e empresas com os militares. Sobre a imprensa, há uma investigação em curso que apura a negociação da fábrica de papel-jornal Papel Prensa. O Estado argentino é sócio no empreendimento ao lado dos diários Clarín e La Nación. Segundo a acusação, os veículos obtiveram o controle da empresa, com o aval dos militares, após submeter os familiares do antigo dono, o banqueiro David Gravier (morto num acidente aéreo em 1976), a sessões de tortura, obrigando-os a vender o negócio por um valor abaixo do preço de mercado.

Nenhum comentário: