sexta-feira, 6 de abril de 2012

O governo brasileiro entre a Lei Seca e o pé na jaca

Do jornalista Reinaldo Azevedo:Leiam o que informa Gabriel Castro na VEJA Online. Volto em seguida: Com o sinal verde do governo, a Câmara dos Deputados deve votar na próxima quarta-feira um projeto que torna desnecessário o exame do bafômetro para constatar a embriaguez de motoristas. Pela proposta, outras provas - como vídeos ou o depoimento de testemunhas - poderão ser aceitas para caracterizar o crime, quando o condutor não aceitar soprar o bafômetro nem fazer exame de sangue. O acordo foi feito na quarta-feira em uma reunião do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) com os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Cidades, Aguinaldo Ribeiro. “O bafômetro, que vinha sendo um instrumento necessário de acusação, passa a ser um instrumento de defesa”, justificou Cardoso. Ele afirmou que o exame de alcoolemia agora servirá para que os motoristas provem a própria inocência, se quiserem. O texto já estava em tramitação na Câmara, mas a apreciação da proposta foi acelerada depois que o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o exame de sangue ou o teste do bafômetro são necessários para que seja comprovada a embriaguez, o que inviabilizaria a aplicação da Lei Seca. “Esse projeto é uma prioridade para o governo e para a Câmara dos Deputados”, disse Marco Maia após o encontro. O projeto que será votado pela Câmara é uma adaptação da proposta do deputado Hugo Napoleão (PSC-RJ): além de ampliar o leque de provas possíveis para caracterizar o crime de dirigir embriagado, a proposta também deve aumentar as penas para os condutores flagrados com ao menos 0,6 miligramas de álcool por litro de sangue. Quem é flagrado dirigindo sob efeito de uma quantidade menor de álcool pode ser multado e perder a carteira de habilitação, mas não comete crime. Essa distinção permanecerá, apesar de muitos parlamentares defenderem a criminalização de todos motoristas que dirigirem após ter bebido, independentemente da quantidade de álcool. “Nada impede que, no futuro, nos venhamos a repactuar e adotar a tolerância zero”, disse Cardozo. Voltei Pois é… Alguém com pouca experiência de Brasil há de se perguntar: “Mas esse governo que quer reforçar a Lei Seca não é o mesmo que pagou o micão de votar uma Lei Geral da Copa omitindo-se sobre a questão da venda de álcool nos estádios, embora essa venda contrarie várias leis estaduais?” Sim, é este mesmo! E se note que houve algo mais do que omissão: o governo federal decidiu, na verdade, jogar a responsabilidade nas costas dos governadores. Assim, aprendemos que a política pública brasileira em relação ao álcool é a seguinte: numa ponta, coibir o consumo; na outra, incentivar — já que o Lula se comprometeu com a Fifa que o Brasil adotaria procedimentos contrários à sua legislação. A propósito, aproveito para lembrar um artigo que Andrea Matarazzo, que deixa amanhã a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, escreveu na Folha de sábado passado sobre o assunto. Copa sim, mas não a qualquer custo Todo grande evento que traga visibilidade ao país é bem vindo. Isso, evidentemente, se aplica à Copa do Mundo de 2014. No entanto, o Mundial de futebol parece ter entrado no rol dos temas cujo debate é interditado, já que o evento se transformou numa panaceia para todos os males brasileiros. É necessário que a Copa aconteça, mas não a qualquer custo -especialmente, não ao custo de leis brasileiras que se firmaram pelos bons resultados. A Lei Geral da Copa cria situações de exceção criadas para permitir que o público visitante goze de serviços vetados aos brasileiros em todos os outros jogos de futebol realizados país afora. Refiro-me especialmente à permissão para venda de bebidas alcoólicas nos nossos estádios durante o mundial. Em vários estados da Federação, existem leis locais proibindo a comercialização de álcool dentro e no entorno das praças desportivas. Em São Paulo, a regra vale desde 1996. Onde quer que tenha sido implantada, essa norma contribuiu de forma decisiva para a redução dos índices de violência dentro dos estádios de futebol. Tanto é assim que, desde 2007, a Confederação Brasileira de Futebol resolveu instituir a prática em todos os jogos do Campeonato Brasileiro. Em 2010, o próprio Estatuto do Torcedor foi alterado para incluir a proibição ao porte de álcool nos locais de jogos. Em São Paulo, graças à medida, o número de ocorrências policiais caiu 90% em dez anos. Em Minas, a redução foi de 75%, em um prazo ainda menor. Os dados são do relatório apresentado pelo Ministério Público à Comissão Especial da Câmara dos Deputados que avaliou a Lei da Copa. Como era de se esperar, o MP requisitou que a proibição à venda de bebidas fosse mantida. Há quem defenda que a proibição de bebida alcoólica seja suspensa argumentando que o público da Copa da Mundo é outro, formado por turistas estrangeiros e pessoas de maior poder aquisitivo. É como afirmar que os ricos e os visitantes de outros países são imunes aos efeitos do álcool. Quem defende essa posição parece esquecer que a violência nos estádios de futebol não é exclusividade brasileira -que o digam todo o histórico da Inglaterra com os hooligans e a morte, no mês passado, de 75 torcedores em um estádio do Egito. No meio disso tudo, o governo federal se mostra inábil e ausente. Primeiro, desconsiderou a autonomia dos Estados e assinou um acordo com a Fifa que garantia a venda de bebidas nos jogos, sem nenhum tipo de diálogo. Agora, optou pela saída mais fácil e resolveu se omitir: deixou esse ponto em aberto no texto da Lei Geral e jogou no colo dos Estados e municípios o ônus de um embate desigual com a Fifa -embate que, na prática, já está definido a favor de tal federação. Aos nossos Estados, restará pouco espaço para negociação, algo que é lamentável".

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