quinta-feira, 26 de julho de 2012

Roubado, corpo de Evita enfrentou odisséia até ser enterrado 20 anos depois

Uma história do barbarismo argentino. Três anos após a morte de Eva Perón tinha início um capítulo macabro envolvendo o destino do corpo embalsamado do maior mito político da Argentina. Na noite de 22 de novembro de 1955, os restos mortais de Evita desapareceram, meses após o levante militar que derrubou o governo de seu marido, o general Juan Domingo Perón. O corpo foi levado no meio da noite da sede em Buenos Aires da CGT, o maior sindicato peronista da Argentina, onde estava desde que o processo de embalsamamento havia sido concluído. Para os partidários de Perón, a remoção do corpo de Eva era uma tentativa de apagar o peronismo e seu símbolo mais forte na Argentina. Quando viva, Evita acumulou uma enorme popularidade, sobretudo por causa de seu trabalho junto às classes trabalhadoras. Investigações indicaram, depois, que o corpo foi mantido em um veículo estacionado nas ruas de Buenos Aires e chegou a ser guardado dentro do sistema de abastecimento de água da cidade. Por um tempo, o cadáver ficou escondido atrás de uma tela de cinema. Acredita-se, também, que corpo passou um tempo dentro dos escritórios da Agência Secreta Militar. Mas, para onde quer que o corpo fosse levado, flores e velas apareciam e, por isso, era necessária uma solução de longo prazo. Em 1957, com a ajuda secreta do Vaticano, os restos de Eva Perón foram levados para a Itália e sepultados em um cemitério de Milão, com um nome falso. Assim que correu a notícia do desaparecimento do corpo, começaram a aparecer pichadas nos muros de Buenos Aires a frase: "Onde está o corpo de Eva Perón?". O corpo, então uma lembrança incômoda do regime peronista, transformou-se em um símbolo de resistência ao novo regime militar que comandava o país. Em 1970, os Montoneros, grupo guerrilheiro peronista, sequestraram e mataram o ex-presidente Pedro Eugenio Aramburu. Uma das razões foi o fato de o general Aramburu ter coordenado o roubo do corpo. Em 1971, em um país marcado pela crise econômica, houve uma tentativa de "normalização" da política. O Partido Justicialista (Peronista) foi legalizado, o corpo de Evita foi desenterrado e transferido da Itália à Espanha, onde Perón vivia no exílio com a terceira mulher, Isabelita. Uma das testemunhas da transferência do corpo foi o empresário argentino Carlos Spadone, amigo de confiança de Perón. Ele foi um dos primeiros a ver o corpo de Evita. "O general Perón, o jardineiro e eu tiramos o corpo de dentro do caixão. Colocamos em uma mesa com tampo de mármore. Nossas mãos ficaram sujas de terra, o corpo tinha que ser limpo", contou. "Isabelita fez isso cuidadosamente, com algodão e água. Ela penteou o cabelo, limpou, e então usou com secador. Levou vários dias". Um dos dedos da mão estava faltando. Acredita-se que os militares o tenham removido depois do golpe de 1955 para verificar se era mesmo de Evita. Spadone também relata, ainda, outros danos no corpo: havia um afundamento no nariz, sinais de golpes no rosto e no peito, marcas nas costas e uma marca maior no joelho. "Mas não acredito que ela foi pendurada ou chicoteada como alguns falam", disse. Em 1973, Perón e Isabelita voltaram para a Argentina. Perón foi eleito presidente e Isabelita, vice. Um ano depois, Perón morreu e deixou na Presidência sua então esposa, que supervisionou a volta do corpo de Evita de Madri para Buenos Aires. Domingo Tellechea, especialista em restauração, foi encarregado de tornar o corpo apresentável para o público. O trabalho começou na cripta da residência presidencial Los Olivos. "Os pés estavam ruins, pois o corpo foi escondido na posição vertical. Ela tinha uma ferida. Mas eu não saberia dizer se foi feita com uma arma ou não", conta. Tellechea acredita que os restos foram forçados para caber dentro de um caixão pequeno demais para o corpo. Apesar das marcas externas, ele disse que o embalsamento original resistiu bem ao tempo e que o corpo estava bem conservado. Durante a restauração do corpo, Isabelita começou a planejar um monumento grandioso para abrigar os restos de Evita e Perón. Mas o plano nunca foi executado. Quando a restauração estava completa, o cadáver foi novamente mostrado ao público, ao lado do caixão de Perón. Fotos da época mostram a fila do lado de fora de Los Olivos, mas nada foi igual às duas milhões de pessoas que acompanharam o funeral, em 1952. Em 1976, outro levante militar sacudia a Argentina. O governo de Isabelita Perón foi deposto e o país mergulhou em uma nova era de violência, com a morte e o desaparecimento de milhares de opositores. Isabelita partiu para o exílio em Madri, onde vive até hoje. Já o corpo de Evita foi levado, em outubro de 1976, de Los Olivos para o mausoléu de sua família no cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, em uma operação supervisionada pelos militares. O corpo foi colocado em uma cripta a cinco metros de profundidade, semelhante a um abrigo nuclear, para que ninguém voltasse a perturbar os restos da mais célebre personalidade argentina.

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