segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Dilma relembra sua natureza, faz propaganda eleitoral com dinheiro público, mistifica sobre o passado e ainda tenta sequestrar a estabilidade para o petismo

Já deveria, claro!, ter escrito a respeito do discurso que a presidente Dilma Rousseff fez na quinta-feira, mas o sistema 3G do País Potência da governanta não permitiu. Basta que a gente se distancie da cidade 180 quilômetros rumo ao litoral, lá onde o Brasil começou, e o sistema “não pega”. Lembro-me de um rádio velho que havia em casa, de válvula. Quando esquentava muito, rescendia ao verniz que cobria a caixa de madeira… De vez em quando, ficava mudo. A gente dava uma porrada, voltava a funcionar. Pensei em fazer o mesmo com o laptop, mas fui contido a tempo… Voltemos a Dilma. Eis a presidente retornando à sua natureza. Não! Falemos de outro modo. Lá estava a presidente em sua real natureza. O PT não reconhece a diferença entre estado, partido e governo. Não é uma disfunção particular, uma invenção sua, um traço distintivo. É herança de um pensamento. O partido é herdeiro dos dois grandes totalitarismos do século passado, o fascismo e o socialismo. Como já escrevi aqui tantas vezes, o primeiro, seguindo a fórmula de Giovanni Gentile, preconizava “Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. Os socialistas trocaram o “estado” pelo partido, mas a essência é a mesma. Dilma já havia atravessado o sinal quando emitiu uma nota, com chancela da Presidência da República, para responder a um artigo de Fernando Henrique Cardoso, que, de resto, em essência, lhe era injustamente elogioso, fazendo dela uma espécie de vítima de alguns destrambelhamentos do antecessor. Critiquei seu texto. Dilma ajudou a fabricar a “herança”; é uma das principais responsáveis por algumas dificuldades que o país enfrenta na área de infraestrutura. Adiante. Aquela nota, com algumas grosserias desnecessárias desferidas contra o tucano, já era uma evidência de uso de uma instituição do Estado — o Poder Executivo — e de uma repartição do governo — a Presidência da República — para fazer um desagravo de natureza partidária (ao PT) e política (a Lula). Ora, o partido dispõe de medalhões em penca para responder. Mas a cúpula dos companheiros praticamente exigiu uma resposta. A imprensa áulica chegou a noticiar que os petistas “aprovaram” a reação de Dilma… Não me digam! Só não fiquei de queixo caído com a notícia porque já aprendi a não me surpreender com essa gente. Muito bem! Achando que aquela nota havia sido pouca coisa, que não havia se despido o suficiente do necessário manto do decoro que o cargo lhe impõe — chefe do governo e representante maior da esfera executiva do Estado —, Dilma resolveu entrar no ar no intervalo da novela “Avenida Brasil” (ela queria Ibope alto!) para fazer seu suposto pronunciamento oficial sobre os 190 anos da independência do País. O que se viu ali — íntegra do pronunciamento aqui — foi a presidente da República a usar a estrutura do Estado e do governo para fazer proselitismo de natureza partidária e, é inescapável apontar, dado o período, também eleitoral. Sim, sim, como de hábito, a fala oficial veio recheada com aquelas mentiras de tom grandiloquente, que nos enchem o peito de orgulho cívico. Todos gostaríamos de morar no País dos presidentes, nos Estados dos governadores, nas cidades dos prefeitos, não é? Eles têm sempre um olhar bastante direcionado para tudo o que há — e sobretudo para o “a haver” — de bom. Dou de barato que políticos tenham de usar, de vez em quando, essa linguagem miserável para se comunicar. Assim, a presidente foi à TV para declarar que estávamos, pasmem!, vivendo uma “nova arrancada”. O País cresceu 2,7% em 2011. Neste ano, deve ficar pouco acima de 1,5% — Guido Mantega anunciava 4% não faz seis meses… Nova arrancada! Dilma não teve medo do ridículo, não! Enfrentou-o com altaneira galhardia e, para espanto do mundo — se o mundo desse bola para o que ela diz —, anunciou um “um modelo de desenvolvimento inédito”. “Inédito”, vocês sabem, mesmo nos tempos petistas, quer dizer “inédito”, jamais vindo à luz. E ela explicou como foi que o petismo resolveu botar de pé esse ovo de Colombo: esse modelo seria baseado no “crescimento com estabilidade, no equilíbrio fiscal e na distribuição de renda”. Parem as máquinas! Cesse tudo o que antiga musa canta!O planeta faça alguns minutos de silêncio. Nunca antes na história da humanidade — afinal, tratamos de algo “inédito” —, um governo tinha tido a ousadia de juntar estabilidade, rigor fiscal (quem dera fosse verdade!) e distribuição de renda. Ainda que o PT tivesse mesmo conseguido juntar esses três ingredientes em doses apreciáveis, será esse modelo “inédito”? A Europa — em crise, sim!, hoje — forjou o seu estado de bem-estar social de que modo? Dilma decidiu recorrer ao diminutivo, certa de que ninguém perdeu poder, eleição ou dinheiro por infantilizar o povo: “O nosso bem-sucedido modelo de desenvolvimento tem se apoiado em três palavrinhas mágicas: estabilidade, crescimento e inclusão.” “Palavrinhas mágicas”??? Quem tirou o coelho da cartola? Lula? Dilma? Ela resolveu atribuir o casamento dessas “palavrinhas” às gestões petistas. Segundo disse, o “novo ciclo de desenvolvimento” vai “alargar bastante o caminho de afirmação e independência que nosso país vem construindo, com muita garra, nos últimos dez anos”. Entenderam? A “afirmação e independência” vêm sendo construídas nos “últimos dez anos”, nas gestões petistas. Antes, não! No princípio, era o caos. Mas aí se fez a luz. Foi o pior momento da presidente em dois anos de governo. O que vou escrever aqui não é novidade, mas não me importo. Se eles podem ficar repetindo mentiras sem corar, eu posso ficar repetindo verdades sem me constranger. A ESTABILIDADE BRASILEIRA — OU ISSO A QUE SE CHAMA ASSIM — EXISTE APESAR DO PT, NÃO POR CAUSA DELE. E O PT EXISTE NO PODER POR CAUSA DA ESTABILIDADE. Na oposição, o partido sabotou todas as ações — TODAS, SEM UMA MISERÁVEL EXCEÇÃO — em favor da estabilidade. Vocês conhecem o elenco: foi contra o Real, foi contra as privatizações, foi contra as reformas, foi contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. E porque algumas dessas medidas custaram ao governo desgaste junto à opinião pública, o petismo se construiu como alternativa. No poder, aproveitou-se das medidas cuja implementação tentou impedir. A Dilma que disputava eleições, como todo candidato, podia mentir um pouquinho, fazer promessas que jamais cumpriria — não vai entregar os três milhões de casas até 2014 ou as mais de 6 mil creches, só para citar duas. A presidente da República, no entanto, tem um compromisso com a verdade que lhe é imposto pelo decoro do cargo. Afirmar que a estabilidade é obra de seu partido é um sequestro da história, perpetrado em cena aberta pela presidente que criou, ora vejam!, uma “Comissão da Verdade”. Se um grupo a serviço do estado com esse nome já é um achincalhe à inteligência, depois do discurso do dia 6, virou uma piada. Descolada ainda do compromisso de falar a verdade, anunciou a presidente: “Ao contrário do antigo e questionável modelo de privatização de ferrovias, que torrou patrimônio público para pagar dívida, e ainda terminou por gerar monopólios, privilégios, frete elevado e baixa eficiência, o nosso sistema de concessão vai reforçar o poder regulador do Estado para garantir qualidade, acabar com os monopólios, e assegurar o mais baixo custo de frete possível.” Poucos se lembram, mas eu me lembro, que Dilma anunciou justamente para as estradas federais o seu revolucionário método de concessão. Deu-se em 2007. Antevi a falência de sua obra no mesmo dia. Tanto é verdade que agora ela decidiu lançar um novo programa. E, como se vê, faz questão de satanizar o passado. Ora, ora, ora… As ferrovias também são concessões. E estão submetidas a uma agência reguladora. O PT está no poder há dez anos. Então assistiu ao insucesso de uma determinada prática e deixou tudo como está? Por que o governo não usa os instrumentos legais que têm para garantir a eficiência do sistema? Porque é incompetente! Desde o governo Lula, o País vive engabelado por planos mirabolantes de aceleração dos investimentos e do crescimento que, não obstante, não saem do papel. A “taxa de investimento da economia brasileira caiu quase o tempo todo durante o governo de Dilma Rousseff, indo na direção contrária ao objetivo da presidente de levá-la ao nível de 22% a 23% do Produto Interno Bruto (PIB)". Ou ainda: “Dilma iniciou seu mandato com uma taxa de investimento acumulada em quatro trimestres de 19,46% do PIB, que caiu para 18,83% em junho de 2012, tornando cada vez mais difícil alcançar o objetivo". Essa é a verdade dos fatos. Não! Eu não espero que um governante vá à TV dizer verdades incômodas sobre o país ou sobre a sua gestão. Mas é o fim da picada que ocupe a máquina do estado para o simples proselitismo, como fez a presidente — esquecendo-se, entre outras coisas, de que exerce seu cargo para todos os brasileiros, inclusive e muito especialmente para quem não votou nela ou em seu partido. O que distingue a democracia da ditadura não é necessariamente haver um governo que conte com o apoio da maioria — todos os facínoras, num dado momento, gozaram de prestígio popular. O que distingue a democracia da ditadura é o fato de que se respeitam as vozes da minoria, dos que divergem, dos que dissentem, dos que discordam. Ao tentar sequestrar, mais uma vez, a história, Dilma se esqueceu de que também é presidente dos adversários que tiveram sua obra pisoteada. Dilma errou no conteúdo, errou no tom, errou até no tempo. Amanhã, anunciou ela naquele discurso, divulga o pacote para baratear a energia doméstica e das empresas. Que tenha, nesse ato, o decoro que não teve no pronunciamento do dia 6. E que tome o cuidado ético — será? — de não associar esse anúncio à sua entrada no horário eleitoral do PT. Os petistas, especialmente a ala sindical ligada aos servidores, estão bravos com a presidente. Ela resolveu acenar para o petismo lulista com aquela nota atacando FHC e com o pronunciamento desta quinta. Lembrava, afinal, o que alguns tentam — até o ex-presidente tucano — esquecer de vez em quando: afinal de contas, ela é um deles, ainda que não seja a preferida da turma. Por Reinaldo Azevedo

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