segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Morre Universindo Díaz, símbolo da luta contra ditadura

Sobrevivente da ditadura uruguaia, pela qual foi sequestrado em Porto Alegre, em 1978, durante uma operação conjunta com forças brasileiras, sendo barbaramente torturado, o historiador Universindo Rodríguez Díaz, de 60 anos, morreu neste domingo, em Montevidéu, após uma luta de seis meses contra um câncer na medula. Universindo deixa o filho, Carlos Iván Rodríguez Trías, e a ex-mulher Ivonne Trías, que cuidavam dele durante a doença. Mesmo após ter identificado o câncer em janeiro passado, o historiador mantinha intactos seus planos de publicação de livros e criação de documentários. Com a abertura dos arquivos da repressão uruguaia, procurava por informações sobre as vítimas da ditadura, na incansável tarefa de resgatar a história dessa época sombria no Uruguai e nos países vizinhos. "O que ele não previa era morrer", diz o amigo Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos. Krischke esteve pela última vez com Universindo no início de julho, em Montevidéu. Na época, o uruguaio estava bem e falou de seus projetos. A recaída fatal ocorreu no último sábado. Krischke recebeu um e-mail da ex-mulher do historiador que o prevenia sobre o que poderia acontecer em seguida. Universindo passara por um transplante de medula e estava com nível zero de glóbulos brancos no sangue. Mesmo torturado ao longo dos cinco anos em que passou preso, Universindo não demonstrava revolta. Entrou com um processo contra seus algozes ainda durante a ditadura. A ação foi bloqueada pela anistia uruguaia, mas o atual presidente, José Pepe Mujica, permitiu a reabertura das 80 investigações sobre crimes no período de exceção. Um deles é o de Universindo e sua companheira do Partido por la Victoria del Pueblo (PVP, tupamaro), Lílian Celiberti, também sequestrada em Porto Alegre, ao lado dos filhos dela, então com três e oito anos. "Universindo não tinha mágoas. Estava de bem com a vida, era apaixonado pela sua profissão. O Uruguai perdeu um filho ilustre, um homem bom que honrou a tradição charrua de não se entregar", afirmou Krischke. Porto Alegre entrou na rota da Operação Condor em 17 de novembro de 1978, quando se consumou o sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz. Perseguidos pela ditadura militar do Uruguai, os dois tentavam se esconder em um apartamento da Rua Botafogo, no bairro Menino Deus. Foram capturados por policiais gaúchos, chefiados pelo delegado Pedro Seelig, e agentes uruguaios que tiveram permissão para entrar no território brasileiro. À época não se imaginava que o seqüestro era uma típica ação da Condor, a aliança secreta criada pelas ditaduras da Argentina, do Chile, do Brasil, do Uruguai e do Paraguai para caçar opositores políticos além das fronteiras. Cogitou-se que fosse somente uma cooperação eventual entre o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e a Companhia de Contrainformações do exército uruguaio. Não era. Lílian e Universindo foram interrogados e torturados em Porto Alegre, sofrendo a primeira etapa do ritual Condor. Enfrentaram a segunda fase, o traslado até os calabouços do Uruguai. Escaparam da provável solução final, a morte e o desaparecimento nas águas do Oceano Atlântico ou do Rio da Prata, graças à imprensa que denunciou o sequestro. Organizada no final de 1975, em Santiago do Chile, a Operação Condor sistematizou as cooperações eventuais já existentes entre as ditaduras do Cone Sul. O general Augusto Pinochet entendia que os governos fardados deveriam agir de forma articulada contra o que julgava ser a "ameaça internacional do comunismo". Agindo além das fronteiras, a Condor assassinou um ex-presidente de República (o boliviano Juan José Torres), dois parlamentares uruguaios (Zelmar Michelini e Héctor Gutiérrez Ruiz), um general e ex-ministro (o chileno Carlos Prats), um ex-chanceler (o chileno Orlando Letelier) e centenas de opositores políticos.

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