domingo, 11 de novembro de 2012

Uma década depois, Marcos Valério pode juntar as peças de um crime — e sua fila de cadáveres — que assombra o PT


Mais de uma década após o brutal assassinato do prefeito petista Celso Daniel em um episódio nebuloso, que até hoje assombra o PT, investigações relacionadas ao caso podem receber um “empurrão” graças ao empresário Marcos Valério, o operador do Mensalão do PT  que foi condenado a 40 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. Essa é a opinião do promotor Roberto Wider, responsável pela promotoria criminal de Santo André, para quem um novo depoimento de Marcos Valério pode ajudar a ligar “pontas soltas”, reforçar provas e responder perguntas em diversas investigações que foram conduzidas pelo Ministério Público na esteira da morte de Celso Daniel. Edição de VEJA da semana passada mostra que Marcos Valério revelou em depoimento à Procuradoria-Geral da República que Ronan Maria Pinto, um empresário ligado ao antigo prefeito, estava chantageando o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para não envolver seu nome e o do ex-presidente Lula na morte de Celso Daniel. O teor exato da ameaça permanece uma incógnita. Empresário com diversos negócios na região do ABC paulista, Ronan é apontado pelo Ministério Público como um dos participantes do esquema de corrupção instalado em Santo André durante a administração de Celso Daniel. Já Gilberto Carvalho ocupou, à época da administração de Celso Daniel, as secretarias de Comunicação e de Governo da prefeitura. De acordo com a reportagem, Marcos Valério disse que a cúpula petista pediu sua ajuda no episódio para ajudar a liquidar a fatura, mas ele não quis se envolver. O operador, no entanto, afirma que a chantagem foi paga. Agora, a promotoria quer entender melhor essa história. “Não tenho preconceito em ouvir o Marcos Valério. Ele pode ter sido condenado a 40 anos de prisão, pode estar desesperado, mas só vamos saber se o que ele disse ou pode dizer vale alguma coisa se formos ouvi-lo. Se chegarmos a Minas Gerais e ele não quiser falar, paciência. Pelo menos tentamos”, disse ao site de   VEJA. Wider propôs as duas ações relacionadas ao caso que correm na Justiça. Uma delas é na esfera criminal, contra o bando que sequestrou e executou o prefeito e, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, apontado como mandante – e até hoje nunca julgado. A outra é uma ação de improbidade administrativa que corre paralelamente, proposta após as investigações do assassinato revelarem que um esquema de desvio de verbas havia sido instalado na administração de Celso Daniel. A promotoria afirma que Marcos Valério pode ajudar a reforçar esses processos e até mesmo sustentar a abertura de novas ações. Os resultados de um eventual depoimento de Marcos Valério no caso Celso Daniel só podem ser especulados, mas, segundo a promotoria, podem implicar ainda mais o PT e Gilberto Carvalho. Na ação de improbidade, tanto o ministro Carvalho quanto o PT são réus. A promotoria afirma que Carvalho atuava como “mensageiro” para levar o dinheiro desviado da prefeitura para o PT, que o usaria para financiar campanhas políticas. Ao todo, o Ministério Público pede que o PT, Carvalho, Ronan, outros quatro acusados e uma empresa devolvam cerca de 5,3 milhões de reais desviados dos cofres públicos. Segundo Wider, o pagamento de chantagem apontado por Marcos Valério, se comprovado, reforçaria ainda mais o elo entre o partido e os desvios e poderia ser usado como prova no julgamento da ação. Outra frente que pode ser aberta, segundo o promotor Wider, envolve o próprio Ronan Maria Pinto. Os promotores querem entender por que o jornal Diário do Grande ABC, de propriedade de Ronan e sediado em São Bernardo do Campo, recebeu tantos anúncios publicitários de estatais durante o governo Lula. Segundo a promotoria, investigações mostraram que entre janeiro e maio de 2005, o jornal de Pinto, cuja tiragem não passa de 40.000 exemplares por dia, recebeu de estatais valores em publicidade dignos dos maiores jornais do País, como a Folha de S.Paulo e O Globo, que têm uma circulação cerca de sete vezes superior. No período, por exemplo, A Caixa Econômica Federal pagou ao jornal R$ 1,3 milhão em anúncios. Já a Folha recebeu 565 000. A promotoria desconfiava que o alto volume de anúncios seguia a prática difundida em todo o País de ajudar donos de jornais amigos do governo. Agora, segundo o Ministério Público, graças ao que foi revelado por Marcos Valério nos últimos dias, a promotoria afirma que pode trabalhar com a hipótese de que os anúncios eram uma forma de camuflar o pagamento da chantagem feita por Pinto – o que pode dar um novo empurrão em uma eventual ação por crime de lavagem de dinheiro. A promotoria já havia tentado oferecer uma denúncia por lavagem de dinheiro em 2005, mas as investigações nunca avançaram. Há também a possibilidade do oferecimento de uma denúncia por crime de extorsão contra o PT e Gilberto Carvalho, caso a história de chantagem proceda. “Queremos saber que tipo de chantagem era essa. Por que eles pagariam pelo silêncio?”, pergunta Wider.  Marcos Valério nunca foi ouvido pelos promotores de Santo André. Em 2006, o Ministério Público fez uma tentativa, mas o depoimento nunca ocorreu porque o ex-ministro José Dirceu, que também havia sido intimado, entrou com uma liminar no Supremo Tribunal Federal para impedir os depoimentos. Com a negativa do Supremo, o assunto acabou sendo deixado de lado até agora. Nesta semana, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Elias Rosa, fez uma consulta formal à Procuradoria-Geral da República para receber detalhes do depoimento do operador do Mensalão do PT e avaliar se os promotores de Santo André podem convocá-lo para falar sobre Santo André. Resta saber quais seriam os novos segredos que Marcos Valério guarda. Um dos crimes políticos mais misteriosos do Brasil, digno de uma novela policial, a morte de Celso Daniel ainda está cercada de mistérios. À época do assassinato, as investigações da Polícia Civil apontaram se tratar de um crime comum, um sequestro que terminou mal. A posição do PT sobre o assunto foi sempre dúbia. Petistas influentes cobraram publicamente empenho nas investigações, mas, nos bastidores, mostraram pouco interesse na resolução do caso. Já o Ministério Público nunca aceitou a hipótese de que Daniel foi morto em um mero sequestro. Na denúncia criminal, a Promotoria sustenta que o prefeito foi morto por causa de um esquema de desvios de recursos que existia em sua gestão. Segundo os promotores do caso, o dinheiro era desviado para o caixa dois do PT, com o conhecimento de Celso Daniel. O esquema funcionava bem até o prefeito descobrir que parte do dinheiro estaria sendo embolsado por outros envolvidos na trama. Entre eles estava o empresário e ex-segurança, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra. Quando mostrou que não toleraria desvios para fins particulares, Celso Daniel entrou na mira do empresário, que teria contratado um grupo para matá-lo em janeiro de 2002. Celso Daniel acabaria sendo executado com oito tiros em janeiro de 2002, após ser sequestrado quando voltava de um jantar em São Paulo, justamente na companhia de Sérgio Sombra. O corpo do prefeito foi encontrado dois dias depois em Juquitiba, na região metropolitana da capital paulista – com sinais de tortura, segundo laudo do legista que o examinou. Até o momento, cinco réus foram julgados e condenados pelo crime. O réu Itamar Messias Silva dos Santos deveria ter sido julgado em maio mas, depois um adiamento, em agosto, seu caso ainda não foi a júri. Já Sérgio Gomes chegou a passar sete meses preso em 2003, mas também não foi julgado até hoje. A defesa de Sérgio Gomes da Silva tem conseguido adiar o julgamento por meio de um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal contestando o poder do Ministério Público de conduzir investigações criminais. Caso o argumento seja aceito, o processo poderia ser arquivado ou as provas coletadas pelo Ministério Público seriam anuladas. A expectativa, no entanto, é que o Supremo aceite a investigação conduzida pela promotoria e que Gomes, enfim, possa ser julgado.

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