quinta-feira, 28 de março de 2013

Major do Corpo de Bombeiros de Santa Maria publica segunda carta aberta à população


Na manhã desta quinta-feira, o major Gerson da Rosa Pereira, do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar de Santa Maria, e que atua como chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros (4º CRB), publicou nova carta aberta à população. Mais uma vez, o major critica a ação da Polícia Civil na investigação do incêndio na boate assassina Kiss, critica a imprensa, e sugere que a Polícia Civil foi pautada pela mídia no decorrer do inquérito. Ainda segundo o texto da carta, a investigação teria sido concluída muito rapidamente. Pereira questiona diversos pontos do inquérito, entre eles a não inclusão de questões como a presença de menores de idade na boate e o suposto uso de identidades falsas para ingresso na casa noturna. O oficial foi indiciado criminalmente por fraude processual referente ao alvará da boate Kiss. Leia, abaixo, a íntegra da carta escrita pelo major: "CARTA ABERTA A POPULAÇÃO II -    Peço a Deus e os Espíritos de Luz nesta hora conduzam minha fala com serenidade, equilíbrio e razão usando como espelho a postura do Presidente da Associação das vítimas que desta forma tem se mostrado até então, mesmo com todas as especulações. Faço minha saudação de pesar sobre o que aconteceu com aquelas crianças e suas famílias. Não tivemos a oportunidade de chorar após dois meses daquela tragédia nos ombros das famílias dos sobreviventes. Choramos sozinhos desde o dia 27 de janeiro de 2013, dia e noite, com inverdades, acusações levianas, com ações midiáticas e policiais, sofremos por cada criança perdida naquela madrugada, queríamos salvar todas, mas nossas limitações não permitiram. Somos culpados desde o primeiro dia após o evento, seguimos culpados até o dia do relatório final, senão, melhor dizendo, juízo final. Nunca ninguém veio à tona além do Corpo de Bombeiros, surgindo outros atores, com a leitura da "sentença" daquela sexta-feira. A imprensa desde seu primeiro momento formou sua opinião e a da sociedade. Em alguns momentos nos afigurou estar a Policia Civil seguindo a pauta jornalística. Somos culpados? Nestes tantos dias tenho insistentemente me perguntado para não ter nenhum peso de consciência. Eu pergunto: Por que razão a pressa de uma investigação que neste afogadilho pode cometer erros e repercutir na vida das pessoas e suas famílias. Bombeiros Militares que fraudam processo, que matam dolosa e culposamente e praticam improbidades administrativas. Creio que nem procurando dentro de um presídio de segurança máxima se encontre um ser com tamanha falta de escrúpulos. Um Inquérito em que o relatório não apresentou as pessoas que tiveram contato inicial com a operação: integrantes do SAMU, UNIMED e tantos outros profissionais que acompanharam os primeiros momentos do desespero. Não me recordo de constar no relatório os depoimentos de tantas outras instituições. Seria uma forma de colher a prova testemunhal com isenção, já que prova importante além da técnica. Através do IGP listaram todas as normas que estavam desatendidas, pois bem, estes peritos tinham a qualificação exigida para este fim? Eram engenheiros com especialização na área? Porque razão não indiciaram Engenheiros e Arquitetos que tem seus projetos aprovados na prefeitura em cada modificação feita? Porque razões se restringiram em indiciar por homicídio doloso dois Bombeiros Militares que a rigor, reiteradas vezes dizem os Engenheiros, não terem a capacidade técnica e esquecermos os profissionais habilitados? Seguindo o raciocínio do inquérito falam sobre o SIGPI (SISTEMA DE GERENCIAMENO DE PREVENÇÃO DE INCENDIO) e sua incapacidade de administrar a prevenção de incêndio ferramenta difundida e empregada em todo o solo gaúcho, então quem mais devemos indiciar? Ademais, a assessoria jurídica da Policia Civil diz que a lei 10.987 não foi cumprida pois era possível interditar, eu pergunto: qual o fundamento? Falar genericamente é fácil, nem os Promotores Públicos vislumbraram esta possibilidade. Vamos além, muitas condutas tipificadas no Código Penal  Brasileiro também diziam respeito a Boate Kiss, afinal, são tantas condutas reprováveis, certamente dependeriam de investigações. Não vou muito longe, por acaso não havia menores naquele ambiente? Alguns não foram vítimas? Não raras vezes se ouviu falar de uso de identidades falsas, entre outras coisas, a exemplo de consumo de bebidas alcóolicas para não listar mais coisas. Creio que mais alguém poderia figurar no rol de indiciados. E o legislativo, municipal e estadual, que cria uma lei frágil, frouxa sob o ponto de vista de atribuir poderes ao Corpo de Bombeiros de intervir de forma mais efetiva e contundente. O próprio Ministério Público reconhece a fragilidade legal e requer o necessário processo judicial de intervenção. Portanto, também temos um legislativo no banco dos réus. Parece-me que há uma mobilização nacional para discutir o tema, estadual e municipal também. E as Universidades de Engenharia que não preveem em sua graduação tema de tamanha relevância? Portanto, CREA, MEC e tantos outros deveriam integrar este rol de criminosos, pois contribuíram, direta ou indiretamente, para esta tragédia. A propósito e o Conselho Tutelar? Onde estava senão fiscalizando locais sabidamente frequentados por crianças e adolescentes. E a Delegacia da criança e do Adolescente? Pois é, creio haver mais culpados a serem apreciados. Critiquem-me, mas nós mesmos, enquanto sociedade e cidadãos, só nos lembramos de cobrar dos Poderes Públicos mais rigor quando as tragédias acontecem e, mesmo assim, queremos um Poder Público mais leniente quando nos interessa. Muito ouvi do penalista Aury Lopes Júnior em suas palestras: " Para os outros tolerância zero, para mim tolerância mil". Imaginem se formos indiciar integrantes da Policia Civil por cada homicídio, roubo, latrocínio, furto, estupro, fraude, tráfico de drogas e tantos dispositivos do Código Penal que não foram identificadas a autoria e a materialidade? Haveria alguém para abrir as Delegacias? Reitero meu lamento pela forma de divulgação feita pela Policia Civil, vemos as pessoas elogiando seu trabalho, contudo, ao meu ver, faltou profissionalismo, ética e respeito com aqueles que dedicam sua vida para salvar, salvar, sempre salvar! Com tristeza vejo uma foto do Delegado Arigony liderando uma passeata das vítimas o que contamina sua impessoalidade na condução das investigações, mesmo assim permaneceu à frente das investigações. Da mesma forma me preocupou sua reunião com as famílias das vítimas na manhã que antecedeu a leitura do Relatório "Inquisitorial". As famílias merecem todo o respeito, assim como nós enquanto profissionais e pessoas de bem. Não acredito em vingança, mas sim em justiça! Creio que deveria preservar as pessoas e suas vidas, divulgar termos não autorizados e expor suas vidas na divulgação ampla e irrestrita publicizando condutas criminosas não acredito que esteja contribuindo com a democracia, representa mais um ato desmedido e fascista. Lamento tudo isto, mas coloco nas mãos da justiça a seriedade que o caso requer e confio na sua capacidade de discernir o melhor a ser feito, acredito em Deus. Sei que minha instituição hoje é fraca para o tamanho das necessidades do povo do Rio Grande do Sul, sei que estamos dilacerando mais de um século de bravura construída por nossos antepassados com covardia pelo interesse dos governantes. Já tenho a certeza de que não serei executado por fuzilamento como prevê o Código Penal Militar em tempo de guerra, pois estamos em paz, mas já me sinto morto moralmente e sem forças para continuar lutando. Perdi toda minha tropa do 4º Comando Regional de Bombeiros, resta-me sucumbir também e acreditar, assim como aquelas crianças iluminadas que vi dia 27 de janeiro, que nada do que eu e aqueles Bombeiros Militares fizemos e fazemos até o dia de hoje foi em vão! Hoje morri e calo deixando para Deus o que de melhor possa reservar para mim e minha família.
GERSON DA ROSA PEREIRA
Major do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar

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