Há tempos não se tinha notícia de
tamanha barbaridade como a ocorrida em São Bernardo, no ABC paulista (ver
post anterior). Bandidos invadiram o consultório da
dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza. Roubaram o seu cartão de banco. Como
havia apenas R$ 30 na conta, jogaram álcool no seu corpo e puseram fogo. Dadas
as informações que existem até agora, Jônatas, um dos assassinos, que usava o
Audi da mãe no assalto, não parece ter o perfil idealizado do “bom criminoso”,
do “bandido vítima das condições sociais perversas”, do “coitadinho” que foi
empurrado para o crime pela carência e pela miséria. Isso não existe. Isso é
uma invenção da má consciência esquerdopata. Jônatas não é, enfim, um exemplar
da baixa sociologia de manual. Não haverá — e, ainda que fosse possível, não
seria bom — um policial para cada cidadão comum. Não obstante, os nefelibatas
da segurança pública continuam a dar suas receitas. Na Folha de hoje, por
exemplo, Samira Bueno, “socióloga e secretária-executiva da ONG Fórum
Brasileiro de Segurança Pública”, escreve um artigo sobre o tema. Afirma (em
vermelho):
“(…) Não podemos incorrer no erro de
responder ao aumento da violência com o recrudescimento da política de
segurança, como a redução da maioridade penal que voltou ao debate público. Uma
política de segurança eficiente se faz com o investimento na produção e
transparência de informações, aperfeiçoamento das ações de inteligência,
valorização dos profissionais de segurança pública, mecanismos de controle
robustos e diminuição da circulação de armas.”
Não tenho a menor ideia do que seja
“recrudescimento da segurança pública”. Parece que quer dizer “endurecimento
das penas”. Doutora Samira acha que não resolve e tem a receita na ponta da
língua. Apliquemos o seu modelo ao caso em espécie, a Jônatas. Ela quer:
- “produção e
transparência de informações”:
A Secretaria de Segurança Pública de São
Paulo é das poucas no país que divulgam mensalmente os dados sobre violência.
Com isso, só consegue reportagens negativas na imprensa. Nesse caso, quem é
mais transparente apanha mais. Quem esconde os números é protegido. Mas a
transparência de dados já existe. Como ela poderia evitar um caso como o de São
Bernardo? Não sei. Quem tem de explicar é a especialista. Ela pede mais.
- “aperfeiçoamento
das ações de inteligência”.
Não me diga! É como recomendar a uma
pessoa que se alimenta mal que opte por alimentos saudáveis. Isso não chega nem
a ser bom senso, já é clichê. Que “inteligência” teria conseguido impedir o tal
Jônatas de sair de casa no Audi da mãe para matar queimada uma dentista? Seria
o caso de ouvi-la.
- “Valorização dos
profissionais de segurança pública”.
Sem dúvida, eu apoio a medida. Se cada
policial em São Paulo recebesse R$ 30 mil mensais, Jônatas continuaria a botar
fogo em pessoas.
- “mecanismos de
controle robustos”.
Não sei direito o que é, mas imagino
que se refira a controle das Polícias. Apoio também. A questão é saber quem
controla os Jônatas.
- “diminuição da
circulação de armas”.
Sim, é necessário. Atenção, doutora
Samira! Em 2011, a PM de São Paulo apreendeu 12 mil armas ilegais, que são as
que matam. Não só isso: realizou 35 milhões de intervenções policiais, 12
milhões de abordagens, 310 mil resgates e remoções de feridos e 128 mil prisões
em flagrante (89 mil adultos e 39 mil “adolescentes infratores”); apreendemos
70 toneladas de drogas, recuperou 60 mil veículos roubados e furtados. De
janeiro a junho do ano passado, a população carcerária do estado cresceu de 180
mil para 190 mil presos, o que representa 40% de todos os presos do Brasil.
E é por isso — a despeito desses crimes
bárbaros e do aumento dos casos de latrocínio no estado, conforme está
estampados nos jornais e alardeado na Internet — que São Paulo é uma das
unidade da federação mais seguras do país. A taxa de homicídios por 100 mil
habitantes é inferior à metade da do Brasil. As ações sugeridas por
doutora Samira certamente estão em curso. E é provável que mais precise ser
feito, sempre tendo em mente a impossibilidade de se ter um policial para cada
cidadão — ainda bem! É evidente que o “recrudescimento das penas”, como diz a
doutora, não é a correção de todos os males. Mas não é menos evidente que uma
vida tem de valer mais do que vem valendo no Brasil, tenha o assassino mais de
18 anos ou menos. Com toda a estúpida crueldade de Jônatas, se e quando for
preso, dificilmente pegará a pena máxima: 30 anos. Mas digamos que assim seja.
O Artigo 112 da Lei de Execução Penal garante a progressão da pena — passagem
para um regime menos rigoroso — depois de cumprida um sexto da condenação,
desde que o preso tenha bom comportamento etc e tal. Se condenado a 30 anos
(corre o risco de não ser), há a possibilidade de esse patriota e humanista
passar para o regime semiaberto depois de cinco anos… O regime semiaberto, no
papel ao menos, ainda é fechado, saibam. A vigilância é um pouco mais relaxada,
e há a permissão para deixar o presídio por algumas horas em situações
excepcionais — estudar por exemplo. Como Banânia se esqueceu de construir
estabelecimentos com esse perfil, a passagem para o regime semiaberto costuma
ser sinônimo de liberdade. Digamos que ele seja condenado a 60 anos! Terá
direito ao semiaberto depois de 10. A cada três dias de trabalho, pode reduzir
um da pena. No Brasil, a pena mínima para homicídio simples é de seis anos;
para o qualificado, de 12. Não dá. A vida humana precisa passar por um processo
de “ressacralização” no Brasil. A palavra pareceu religiosa demais aos
agnósticos e ateus? Tudo bem! Eu troco. A vida humana precisa passar por uma
processo de “re-humanização”. Fica bom assim, com a tautologia gritando a sua evidência?
“Endurecimento das penas não combate a violência”, gritam os defensores da
jabuticaba penal brasileira. Em primeiro lugar, não sabemos. Sabemos o que é
ter 50 mil homicídios por ano com as leis que estão aí. Os nefelibatas dizem
que é tudo culpa da pobreza, como se estivéssemos diante de uma manifestação da
luta de classes. Mentira! A maioria das vítimas é pobre. Países com condições
sociais muito piores do que as do Brasil têm índices de violência muito
menores. Em segundo lugar, é preciso apostar, sim, no efeito didático das penas
— não só para quem já delinquiu. “Ah, o Reinaldo autoritário quer penas
exemplares…” Alto lá! Não se trata de usar um inocente como bode expiatório,
mas de punir com rigor os culpados para que outros tentados a delinquir saibam
que o risco é grande. Os nossos nefelibatas desconsideram que a pena deve ter
também um caráter dissuasório. No dia 4 deste mês, foi instalada uma comissão
especial de juristas para propor ao Senado a revisão da Lei de Execução Penal.
Vamos ver. O grupo criado para rever o Código Penal produziu uma peça infame. É
aquele texto que, na definição da pena, considera que abandonar um cachorro é
mais grave do que abandonar uma criança. É aquele texto que define a quantidade
de droga que caracteriza apenas consumo: o suficiente para cinco dias. Na
prática, é a legalização do tráfico. É aquele texto que legaliza o aborto,
violando abertamente a Constituição. Nem vi quem compõe a comissão de revisão
da Lei de Execução Penal. Espero que o grupo seja mais responsável.A sociedade,
diante de 50 mil homicídios por ano, pergunta aos doutores: quanto vale a vida
humana? Por
Reinaldo Azevedo
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