segunda-feira, 29 de abril de 2013

Ex-ministro Rezek diz que PEC do PT é de um “surrealismo espantoso” e que “Gilmar Mendes não atravessou o sinal”


Quando a Constituição foi promulgada pelo Congresso, em 1988, Francisco Rezek ocupava uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal. Hoje, aos 69 anos, o jurista acompanha, espantado, a iniciativa de um grupo de parlamentares que trabalham para submeter ao Poder Legislativo decisões da Suprema Corte. Rezek vai além: disse que os defensores da proposta, admitida na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não leram ou não entenderam bem o que está escrito na Carta. E deram impulso a uma idéia de “surrealismo espantoso”, que só não é mais grave porque não tem a mínima chance de prosperar. Se tivessem lido a Constituição, diz o ex-juiz da Corte Internacional de Haia, os deputados saberiam que o sistema brasileiro, nesse particular, é inegociável. “O Congresso não tem a menor possibilidade jurídica de mudar a Constituição no sentido de modificar de algum modo a estrutura e a faixa de competência entre os poderes. Não poderia vingar proposta que alterasse o regime de coexistência entre os três poderes. Estão pretendendo se tornar, no lugar do Supremo, os guardiões, os controladores da vigência da Carta, mas uma Carta que provavelmente não leram. Porque, se tivessem lido, saberiam perfeitamente que o sistema nesse particular não pode ser mudado”, reage Rezek, que classifica como “picaresca” a proposta de submeter controvérsias entre Congresso e Supremo sobre emendas constitucionais à consulta popular. “Quando o Supremo entender inconstitucional determinada emenda que o Congresso tenha feito à Constituição, o próprio Congresso receberá de volta a emenda (para decidir se concorda com a decisão). É obvio que não concordará. E o povo será chamado às urnas para uma consulta plebicitária. O povo seria convidado a participar da queda de braço. A idéia é de um surrealismo espantoso. Em 1993, o povo que já foi chamado às urnas para decidir o modelo político, o tipo de convivência entre os poderes e quais são as competências do Poder Judiciário”. “A única coisa certa é um caldo de ressentimento muito intenso. Acho que está canalizando para a Justiça e para o Supremo um ressentimento acumulado ao longo de décadas da história do Brasil, cujo alvo era tradicionalmente o governo. Não é uma provocação matreira, que poderia ser apropriadamente qualificada como brincadeira. Foi um erro clamoroso, um disparate clamoroso. Os deputados estão se sentindo acuados pelo funcionamento normal das instituições e acharam essa maneira extremamente desastrada de reagir. O Congresso se sente, de algum modo, vexado pela ação dos outros poderes. Mas existem outras maneiras, muito mais convincentes, de agir”, afirma Rezek, acrescentando: “Eles não deveriam criar certos problemas dentro de suas próprias entranhas; proceder de modo mais seletivo no momento de fazer certas escolhas. Os congressistas sabem perfeitamente que caminhos deveriam ser tomados para se valorizar perante aos outros poderes e, sobretudo, resplandecer em relação à opinião pública". Se a proposta de limitar a força das decisões do Supremo provocou polêmica, o ministro Gilmar Mendes acrescentou novo ingrediente ao embate entre poderes ao conceder liminar que paralisou a tramitação de projeto de lei que inibe a criação de novos partidos. Rezek, no entanto, não acredita que Gilmar Mendes tenha agido em retaliação à medida aprovada no Congresso horas antes. Mas salientou que seria mais prudente submeter o assunto ao plenário da Suprema Corte: “Acredito que Gilmar Mendes não avançou o sinal. Talvez, em outro momento, em outra situação, fosse mais prudente levar isso ao conhecimento do plenário. Se houvesse a possibilidade de resolver essas coisas sempre em plenário, seria melhor. Os ministros do Supremo estão conscientes de que, neste momento, é preciso que a Corte não se torne vulnerável. Acho que a decisão deve ter sido muito bem fundamentada".

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