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PT agora resolveu dar início a campanha para apresentar uma emenda de
iniciativa popular instituindo o financiamento público de campanha. Eu sempre
fico muito comovido quando a “iniciativa popular” é comandada pelo partido do
poder. Que coisa! Os
petistas julgam já ter engolido os adversários. Agora, dá início ao caminho que
o levará, caso seja bem-sucedido, a engolir os aliados. E isso vale
especialmente para o PMDB. A reforma política do partido deu com o deputado
Henrique Fontana (PT-RS) n’água. Minha graça retórica não sugere que ele seja
burro. Ao contrário: é até bastante esperto. O pilar principal de seu texto
era, justamente, o “financiamento público de campanha”. Como os deputados não
quiserem nem começar a discutir, teve de recuar. Mas o PT não desiste. O PT
quer criar um fundo para as eleições, alimentado por verba do Tesouro, e
proibir as doações privadas. O partido do mensalão considera esse dinheiro
“sujo”. Ulalá!!! Nota: já existe uma montanha de dinheiro
público nas eleições: quase R$ 300 milhões de verba do fundo partidário a cada
ano e coisa de meio bilhão de reais a cada dois anos em razão da propaganda
eleitoral, que não é gratuita. As emissoras descontam o custo da transmissão
nos impostos. Adiante. O PT quer porque quer o fundo. A OAB, que há muito tempo
anda com a biruta torta em matéria de estado democrático e de direito, apoia
essa porcaria. Candidamente, fala em divisão igualitária entre os partidos.
Sei: legendas grandes como PT, PMDB e PSDB receberiam o mesmo que o PDPN, por
exemplo? O que é PDPN? Partido Democrático da Zorra Nenhuma! Tenham paciência! Se assim se
fosse, seria estúpido. Sendo como quer o PT, é antidemocrático. Algum critério
há de haver. O tempo de TV e a fatia do Fundo Partidário são distribuídos
segundo o tamanho da bancada dos deputados federais. Poder-se-ia usar esse
mesmo critério. O PT ficaria feliz. É dono da maior; em seguida, vem o PMDB. Aí
o peemedebista tonto fica feliz: “Ah, então ajuda a gente também…”. É? No texto
de Fontana, a proposta era outra. A verba para a campanha seria distribuída
levando-se em conta o número total de votos que o partido obteve para deputado.
Sim, claro, o PT está na frente! Sua vantagem nesse quesito (16,06 milhões), em
relação ao PMDB (12,49 milhões), é maior do que revela o tamanho das bancadas:
88 para o primeiro; 79 para o segundo. No primeiro caso, é de 11%; no segundo,
de 28,5%. Só para vocês terem uma idéia: o PMDB teve para deputado federal só
um pouco de votos a mais do que PSDB: 12,49 milhões contra 11,33 (10,2%).
Ocorre que os tucanos têm uma bancada de 54 deputados, e o PMDB, de 79
(diferença de 46%). Por que é assim? A forma como cada legenda fez suas
coligações proporcionais conta, mas não muito. Ocorre que o PSDB elege seus
parlamentares mais nos grandes centros, e o PMDB, nos grotões. Curiosamente, ou
nem tanto, esse critério seria ruim para o… PMDB. Há muito o PT quer pôr o seu
“aliado” no devido lugar, não é? Mas atenção! Mesmo que se usasse o tamanho das
bancadas como critério, os petistas estariam, no médio e no longo prazos,
acuando adversários, sim, mas também aliados. Por quê? Como observou José Serra
em artigo publicado no Estadão, se
o PT conseguisse proibir as doações privadas, continuaria, não obstante, a ser
a única legenda a poder usar esses recursos, ainda que de modo sorrateiro.
Cansamos de ver, campanha após campanha, a mobilização da máquina sindical, das
ONGs e dos movimentos sociais em favor do partido. Ora, isso corresponde, não
há como ignorar, a uma doação que pode ser estimada em dinheiro — além de ser
intrinsecamente ilegal. O PT teria, então, garantida a maior fatia do bolo — o
que colaboraria para que continuasse a ser a maior bancada e para fazer as
melhores campanhas —, e seguiria sendo o depositário da colaboração ilegal dos
mecanismos de representação social aparelhados pelo partido. Teria ainda a
vantagem da propaganda oficial (incluindo a de estatais), que remete sempre à
metafísica partidária. O PMDB não! Ficaria, de saída, com menos dinheiro,
estaria impedido de captá-lo no mercado e não teria, por óbvio, a colaboração
estimável em dinheiro da máquina aparelhada. Sob a desculpa de barrar a
influência de interesses privados nas eleições, o PT quer dar um “golpe” (como
chamou Serra) para tentar se eternizar no poder. É claro que, hoje em dia,
porque está no poder, os petistas têm mais facilidade para captar recursos. Mas
os demais partidos também contam com suas respectivas máquinas, suas lideranças
regionais etc. Os doadores aparecem — e não há mal nenhum nisso desde que tudo
seja feito às claras. Agora que está por cima, agora que tem a maior bancada,
agora que tem o maior número de votos, os petistas pretendem impedir a livre
captação das demais legendas para, obviamente, retirar-lhes a capacidade de
concorrer em pé de igualdade. Infelizmente, as pequenas tendem a ver isso com
simpatia porque, para elas, a captação é mesmo mais difícil. Se houver um
cartório para cuidar do assunto, melhor. Para as grandes legendas, que podem,
em tese, sonhar com a Presidência da República, o financiamento público é um
péssimo negócio se for aplicado com seriedade e um risco gigantesco se o for
sem seriedade. Sim, meus caros, tenderia a crescer estupidamente a doação
ilegal de campanha. E que se note: no melhor dos mundos — todo mundo seguiria a
lei, sem caixa dois —, ainda assim, se teria o pior dos mundos. Hoje, o fato de
os partidos precisarem de doações privadas também lhes põe alguns freios, não
é? Fico cá a imaginar os petistas, como o maior partido, dono da maior bancada
e do maior volume de votos com uma montanha de dinheiro para a campanha
garantido pelo cartório, sem precisar estabelecer compromissos — refiro-me a
compromissos legítimos e democráticos — com ninguém… Olhem aqui: essa conversa
de financiamento público é uma de duas coisas — e não consigo ver a terceira
opção: ou é coisa de gente de má-fé ou é coisa de idiotas. Idiota, o PT não é. Ou
teria feito essa proposta quando tinha 8 deputados, não quando tem 88. Por
Reinaldo Azevedo
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