A
campanha de desmoralização do Supremo, que contou com lances sutis e outros nem
tanto, não foi feita só por rancor. Onde parecia haver loucura, para ficar em
citação já famosa do Hamlet, havia método. A diferença é que José Dirceu não é
um príncipe meio abilolado que quer vingança para fazer justiça — se a tramoia
que ele enxergava existiu ou não, aí é outra conversa… Não! No que diz respeito
à tropa do mensalão, vingar-se sim, sempre! Mas, no caso, para garantir a
impunidade. O “esquema” tentou levar Luiz Fux a se declarar impedido de
participar dos desdobramentos do julgamento do mensalão. Tentaram atingir
Joaquim Barbosa — cujo temperamento não ajuda muito. Se desse para dar uma
tostada em Gilmar Mendes — sempre! —, tanto melhor! Celso de Mello não escapou
em passado ainda recente, mas um pouco mais distante: ele teria mudado de
opinião quanto aos atos de ofício… Já sobre a isenção de Dias Toffoli ou de
Ricardo Lewandowski, “eles”, claro!, não têm a menor dúvida… Ninguém tem. Toda
a pressão, vamos ver, pode não ter sido inútil. O Supremo Tribunal Federal está prestes a
desrespeitar uma lei só para provar que não é tribunal de exceção. Ora, é claro que não é! Mas quem disse que era? Os que não queriam
ser alcançados pelo Código Penal porque se consideram acima dessas
contingências. Vamos ver.
Embargo infringente
O
Artigo 333 do Regimento Interno do STF prevê a apresentação de embargos
infringentes quando há pelo menos quatro votos divergentes. Com esse expediente,
buscar-se impedir a execução imediata da pena. É preciso apontar uma razão,
algum desrespeito à norma legal praticado por pelo menos um juiz e que teve
influência no resultado. Uma das condenações de Dirceu — formação de quadrilha
— se deu por seis a quatro. Por ela, foi apenado com dois anos e 11 meses de
prisão. Somado esse período aos sete anos e 11 meses por formação de quadrilha,
tem-se o total de 10 anos e 10 meses. Terá de começar a cumprir a pena,
necessariamente, em regime fechado. Caso se reverta o resultado da pena por
quadrilha, a que resta (menos de oito anos) pode ser cumprida em regime
semiaberto. Como praticamente inexistem instituições para essa modalidade no
Brasil, Dirceu poderia ficar solto, exercendo a sua missão de professor de
educação moral e cívica. O deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) foi
condenado a nove anos e quatro meses no total — o que também exige cumprimento
da pena em regime inicialmente fechado. Três anos desse total se devem à
condenação por lavagem de dinheiro. Nesse caso, o placar contra ele foi de seis
a cinco (o tribunal estava, então, completo). Caso isso seja revertido, sua
pena total será de seis anos e quatro meses — também vai par o semiaberto, o
que tem significado, em Banânia, a liberdade. Há ainda outros réus que seriam
beneficiados — nem sempre a mudança significa, nesses casos, a diferença entre
o regime fechado e o semiaberto. Adiante.
Haverá embargo infringente?
Agora
a pergunta que não quer calar: os embargos infringentes serão admitidos? Se o
Supremo não quer se desmoralizar logo à partida, está obrigado a fazer,
entendo, a coisa em duas etapas:
a) na primeira, o plenário tem de decidir se o Artigo 333 do
Regimento Interno ainda está em vigência. Se o texto legal faz sentido e se o
Supremo reconhece o valor da lei, NÃO ESTÁ.
b) caso se admita que esse artigo ainda vige, aí o plenário teria de
decidir se há ao menos motivo para admitir o embargo. Reitero: é preciso
apresentar algum motivo verossímil ao menos.
Vamos pensar o “Item a”
A Lei 8038, de 1990, disciplina os processos
penais nos tribunais superiores — STF e STJ. Isso significa que eles devem se
dar dentro dos parâmetros que lá estão estabelecidos. ATENÇÃO! INEXISTE EMBARGO
INFRINGENTE NO TEXTO. A menção a esse procedimento diz respeito a outro
assunto. ORA, SE A LEI QUE CUIDA DO PROCESSO PENAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES NÃO
PREVÊ EMBARGO INFRINGENTE, COMO É QUE O SUPREMO VAI RECORRER A ESSE EXPEDIENTE
SÓ PORQUE ESTÁ PREVISTO EM SEU REGIMENTO? Só poderá fazê-lo se considerar, então, numa inversão
espetacular de grandezas, que o regimento de um órgão é superior a uma lei. Pergunto: é superior?
Até
a Constituição de 1967, o Regimento Interno do Supremo tinha força de lei. Isso
acabou com a Constituição de 1988. SAIBAM AINDA OS LEITORES QUE O SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA NÃO ADMITE MAIS EMBARGOS INFRINGENTES. E POR QUE NÃO?
Porque segue a Lei 8038.
Que o STF respeite o STF
Atenção!
O STF admitia embargos infringentes em casos de Ação Direita de
Inconstitucionalidade. Está previsto no Artigo 331 do Regimento Interno. Deixou
de admiti-los depois da lei 9868. Por quê? Porque ela simplesmente não prevê
esse recurso. Se há quem argumente que o Regimento Interno continua com força
de lei, caberia indagar por que o próprio Supremo declarou sem efeito o Artigo
331. Assim, minhas caras, meu caros, se o Supremo foi seguir a lei — é o que
sempre se espera, não? — e se for seguir o padrão que ele próprio adotou quando
uma lei contraria o seu Regimento Interno, É EVIDENTE QUE OS EMBARGOS
INFRINGENTES TERIAM DE SER DESCARTADOS DE SAÍDA.
Vamos pensar o item b
Digamos,
no entanto, que o Supremo ignore a Lei 8038. Insisto que é preciso, antes de
qualquer coisa, votar se o Artigo 333 está ou não em vigência. Caso se conclua,
contra a lei, que sim, aí, então, será preciso que o plenário examine os
argumentos dos advogados. Por que o embargo infringente está sendo apresentado?
Bastam os quatro votos divergentes e pronto? Reza o bom senso que não. É
preciso ver em que se ancora a defesa. Repete os argumentos já vencidos no
julgamento? Expõe novos? Não parece que os advogados de defesa tenham chegado a
algum ovo de colombo, não. Aposta-se, isto sim, numa única coisa: a nova
composição do tribunal.
Agora, o(s) novo(s) votam(m)
Os
ministros já tornaram públicos os seus votos. O acórdão está aí. Dos votantes
de antes, ninguém mudou de ideia. Cezar Peluso participou só de uma parte
ínfima do julgamento. Ayres Britto teve tempo de votar em todos os casos.
Substituiu o primeiro o ministro Teori Zavascki. Dilma ainda precisa indicar o
substituto do segundo. É claro que os novos ministros, desta feita, podem ser
decisivos no destino de alguns réus e do próprio STF. Zavascki e,
eventualmente, o nome ainda não indicado é que farão a diferença — salvo,
evidentemente, algum caso muito particular de esquizofrenia jurídica, que leve
a alguma mudança espetacular de voto. Digamos que se considere que o Artigo 333
ainda está em vigência e que os embargos sejam admitidos. Quem pode mudar o
placar de seis a quatro contra Dirceu? Ora, Teori Zavascki e o Nome Ainda
Desconhecido. Dos seis que condenaram Dirceu por formação de quadrilha, cinco
continuam no tribunal (Peluso não votou nesse caso).
O procedimento
A
coisa pode ir longe, o que, mais uma vez, contribui para desmoralizar a
Justiça. Admitidos os embargos, será preciso nomear um novo relator — que não
pode ser nem Joaquim Barbosa nem Ricardo Lewandowski, respectivamente relator e
revisor do processo. Haverá sorteio. Também já não será Roberto Gurgel o
procurador-geral da República. Dilma deve nomear Rodrigo Janot, que venceu a
“eleição”. Digamos, só para pensar, que a tarefa da relatoria caia no colo de
Dias Toffoli, ex-subordinado de Dirceu. Pois é… Admitidos os embargos, lá se
vai o ano de 2013 consumido por essa questão. E cumpre ficar de olho no
calendário. Assim como se tentou evitar o julgamento em 2012 porque era ano
eleitoral, alguém se lembrará do incômodo de ver petistas eventualmente indo
para a cadeia em 2014, quando Dilma disputa a reeleição. Saibam: o relator não
tem prazo para entregar o seu voto.
Não foi em vão
No próximo post,
demonstrarei que todo o esforço protelatório durante o julgamento não foi em
vão. Quando menos, ele resultou na mudança de composição do tribunal e no que
acaba sendo uma espécie de segundo julgamento. Na prática, dois ministros que
não participaram do processo funcionarão como corte revisora do próprio STF. Os
ministros do Supremo que pensem muito bem. O que está em questão é a reputação
do tribunal e da Justiça. E NÃO! EU NÃO ESTO COBRANDO QUE O SUPREMO IGNORE A
LEI PARA FAZER JUSTIÇA. ESTOU COBRANDO É O CONTRÁRIO: QUE SE RESPEITE A LEI E
QUE NÃO SE PREMIEM A CHICANA, A PROCRASTINAÇÃO E O DEBOCHE. Por Reinaldo Azevedo
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