A
sempre atilada colunista Dora Kramer — gosto de lê-la mesmo quando discordo —
escreveu nesta quinta um artigo no
Estadão que me levou a fazer cá algumas considerações. Dora pergunta por que os
petistas, que têm tanta certeza da vitória e que consideram o governo Dilma
exitoso a mais não poder e desprezíveis os adversários, se dedicam ao jogo
bruto para aprovar uma lei que inibe a criação de novos partidos e vivem em
permanente campanha. Dora parece flertar com uma resposta que é, sem dúvida,
coerente e lógica, embora eu discorde dela. Direi por quê. Reproduzo em azul
trecho de sua coluna. Volto em seguida.
*
Se o governo é tão popular, tão forte política e eleitoralmente falando, tão bom, eficiente e detentor do monopólio da justiça social; se a presidente Dilma Rousseff está com a reeleição garantida, se os pretendentes à Presidência estão, em verdade, jogando para 2018 como se diz por aí, por que cargas d’água emprega toda sua energia, canaliza todos os seus esforços, ocupa todo o seu tempo com artimanhas eleitorais? O governo não precisaria cometer a irresponsabilidade de abusar de suas prerrogativas para ficar em campanha diuturnamente, muito menos teria para isso necessidade de flertar com o crime de responsabilidade ao apropriar-se indevidamente da máquina pertencente ao público.
Se o governo é tão popular, tão forte política e eleitoralmente falando, tão bom, eficiente e detentor do monopólio da justiça social; se a presidente Dilma Rousseff está com a reeleição garantida, se os pretendentes à Presidência estão, em verdade, jogando para 2018 como se diz por aí, por que cargas d’água emprega toda sua energia, canaliza todos os seus esforços, ocupa todo o seu tempo com artimanhas eleitorais? O governo não precisaria cometer a irresponsabilidade de abusar de suas prerrogativas para ficar em campanha diuturnamente, muito menos teria para isso necessidade de flertar com o crime de responsabilidade ao apropriar-se indevidamente da máquina pertencente ao público.
(…)
Tampouco haveria motivo para o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, lançar mão de cinismo em estado sólido dizendo não enxergar oportunismo no projeto que nega a novos partidos as benesses concedidas pela Justiça ao PSD, depois entronizado no altar do governismo.
Tampouco haveria motivo para o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, lançar mão de cinismo em estado sólido dizendo não enxergar oportunismo no projeto que nega a novos partidos as benesses concedidas pela Justiça ao PSD, depois entronizado no altar do governismo.
(…)
Isso a despeito das digitais e do registro da voz da ministra da Articulação Política, Ideli Salvatti, ao telefone orientando as bancadas para a votação. Mas, se havia alguma dúvida, o fechamento de questão do PT em torno do tema a ser agora examinado pelo Senado cuidou de dissipá-la.
Isso a despeito das digitais e do registro da voz da ministra da Articulação Política, Ideli Salvatti, ao telefone orientando as bancadas para a votação. Mas, se havia alguma dúvida, o fechamento de questão do PT em torno do tema a ser agora examinado pelo Senado cuidou de dissipá-la.
(…)
Tudo isso para criar obstáculos a possíveis oponentes oficialmente tratados com menosprezo. Por essa visão, Marina Silva é frágil, Eduardo Campos não vai adiante com seus planos e Aécio Neves padecerá dos males da divisão do PSDB.
O que leva tão poderosos chefões a usar tiros de canhão para matar mosquitos? Difícil saber, mas vai ver não os consideram tão inofensivos assim, ou talvez seja um caso de ambição desmedida pelo poder eterno.
Tudo isso para criar obstáculos a possíveis oponentes oficialmente tratados com menosprezo. Por essa visão, Marina Silva é frágil, Eduardo Campos não vai adiante com seus planos e Aécio Neves padecerá dos males da divisão do PSDB.
O que leva tão poderosos chefões a usar tiros de canhão para matar mosquitos? Difícil saber, mas vai ver não os consideram tão inofensivos assim, ou talvez seja um caso de ambição desmedida pelo poder eterno.
(…)
Voltei
A truculência no trato com os adversários — e até com os aliados — leva a gente a pensar que o Planalto talvez guarde números que não temos. Terá detectado risco de corrosão da popularidade de Dilma? Teme que essa inflação acima da meta desgaste a presidente? Tem receio de que alguma onda de opinião antigovernista acabe varrendo o país? Pois é… Eu endosso o espanto de Dora Kramer, mas minha hipótese é outra. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que o governo é do balacobaco. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que Dilma dará um passeio em 2014. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que seus adversários são desprezíveis, são “mosquitos”, para citar a imagem empregada pela colunista. Mais ainda: o governo tem pela frente um estoque de bondades. Mal começaram as inaugurações para a Copa do Mundo de 2014, que vai manter Dilma na cabeça do noticiário. A equação econômica é perversa no médio prazo, mas não desanda de maneira significativa até 2014. Dilma mantém uma popularidade enorme com 0,9% de crescimento. Se a economia se expandir 2,5% ou 3% neste ano, melhor… Não acho, como querem os petistas, que os adversários do partido sejam mosquitos, mas é fato que, até agora, eles não descobriram um eixo, uma agenda. São, de fato, fracos para enfrentar a máquina de propaganda federal. Assim, num primeiro momento, é de espantar que o Planalto meta as suas digitais no que pode ser considerado, sem nenhum exagero, jogo sujo pré-eleitoral. O governo passou a patrocinar a lei que teve tramitação suspensa pelo Supremo. Rui Falcão, presidente do PT, fechou questão no Senado. Por quê?
A truculência no trato com os adversários — e até com os aliados — leva a gente a pensar que o Planalto talvez guarde números que não temos. Terá detectado risco de corrosão da popularidade de Dilma? Teme que essa inflação acima da meta desgaste a presidente? Tem receio de que alguma onda de opinião antigovernista acabe varrendo o país? Pois é… Eu endosso o espanto de Dora Kramer, mas minha hipótese é outra. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que o governo é do balacobaco. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que Dilma dará um passeio em 2014. Eu realmente acredito que os petistas acreditam que seus adversários são desprezíveis, são “mosquitos”, para citar a imagem empregada pela colunista. Mais ainda: o governo tem pela frente um estoque de bondades. Mal começaram as inaugurações para a Copa do Mundo de 2014, que vai manter Dilma na cabeça do noticiário. A equação econômica é perversa no médio prazo, mas não desanda de maneira significativa até 2014. Dilma mantém uma popularidade enorme com 0,9% de crescimento. Se a economia se expandir 2,5% ou 3% neste ano, melhor… Não acho, como querem os petistas, que os adversários do partido sejam mosquitos, mas é fato que, até agora, eles não descobriram um eixo, uma agenda. São, de fato, fracos para enfrentar a máquina de propaganda federal. Assim, num primeiro momento, é de espantar que o Planalto meta as suas digitais no que pode ser considerado, sem nenhum exagero, jogo sujo pré-eleitoral. O governo passou a patrocinar a lei que teve tramitação suspensa pelo Supremo. Rui Falcão, presidente do PT, fechou questão no Senado. Por quê?
A minha resposta
Eles mais são autoritários do que têm medo de perder a eleição em
2014. Estão certos de que vencem. Sem Marina Silva e Eduardo Campos, claro!,
aumentam as chances de vitória no primeiro turno. Mas os petistas também sabem
que, numa eventual segunda rodada, boa parte dos “marineiros” migra para o PT.
Caso Campos vá para a disputa e não chegue ao segundo turno, seu caminho
natural, é bom ficar claro, é o apoio a Dilma. Os petistas, de fato,
acham impossível perder a eleição em 2014. E, se querem saber, o cenário lhes é
realmente muito favorável. Já expus aqui os motivos por que acho isso. O
principal: o Brasil é a única democracia do mundo que não tem uma alternativa
conservadora viável de poder. “Progressista” por “progressista”, leva quem tem
a maior máquina. Enquanto as oposições ao PT forem, na verdade, alas do próprio
petismo — ligeiramente mais à direita —, é difícil haver qualquer mudança no
statu quo. Ou, então, que algum estudioso tente provar que o Brasil inventou
uma jabuticaba da política e criou uma democracia sem contraditório na esfera
dos valores. NOTA – Os partidos que, em tese, professam valores mais à direita
foram comprados pelo petismo. A exceção é o DEM — e a outra não-exceção é o DEM
que virou PSD… Mas saio do atalho (é que acho esse aspecto da política
brasileira verdadeiramente fascinante).
Na verdade…
Na verdade, minha cara Dora, o petismo não precisaria dessa
truculência toda para vencer as eleições se estivesse conformado com a
democracia. E aqui vai o núcleo duro da minha resposta. Mas não está!
Socialista, obviamente, à maneira do socialismo do século passado ou do século
21 (de Chávez), o partido não é. Lula vive desfilando para cima e para baixo
com potentados da indústria e dos bancos. Mobilizou o BNDES para ser a vaca
leiteira de alguns “ganhadores”, o que lhe rende e ao partido gratidões (assim
mesmo, no plural…). Quando o petismo veio ao mundo, o socialismo ele-mesmo já
estava morto; só faltava enterrar. E foi enterrado. Esquerdistas de verdade só
restaram no Complexo Pucusp — a China anda pensando em importar a Marilena
Chaui e o Emir Sader para expô-los num museu; assim, os chineses da nova
geração saberiam a cara que tinham esquerdistas “autênticos”… Também o
socialismo do PT, aquele à moda antiga, está morto. Mas o autoritarismo está
mais vivo do que nunca. COMO DESAPARECERAM OS SEUS PREDADORES NATURAIS DA
POLÍTICA (para falar, assim, uma linguagem mais naturalista) e até Paulo Maluf
canta “Lula-lá”, então o partido avança quase sem resistência. Ora, é só no
projeto que tenta impedir a formação de novos partidos que se revela a vocação
autoritária? De jeito nenhum! Qual era — e é ainda — um dos pilares da reforma
política pretendida pelo PT? O financiamento público de campanha. Que partido
seria o principal beneficiário dessa medida se adotada fosse? Proibir o
financiamento privado — e legal! — de campanhas eleitorais corresponderia a
impedir que partidos malsucedidos em pleitos anteriores tentassem vencer as
dificuldades com campanhas melhores, mais estruturadas, o que requer, obviamente,
recursos. A proposta do petismo é transformar a vantagem que tem hoje (o
partido repudiaria esse modelo quando tinha oito deputados) num fator inercial
da política, que reproduziria eternamente a sua vantagem. Entendam: isso é uma
tentativa clara de agredir a possibilidade de haver alternância no poder. Mais:
o financiamento privado seria vetado às demais legendas, mas não ao próprio PT,
que continuaria a utilizar livremente os recursos estimáveis em dinheiro de
sindicatos, ONGs, movimentos sociais etc. É bom ter isto muito claro: os
petistas não desistiram de agredir a democracia. Ninguém precisa socializar os
meios de produção para ser autoritário. Mudou o conteúdo, a agenda, das
esquerdas. “E por que chamar isso de esquerda, então, Reinaldo? Por fetiche?”
Não! Porque, efetivamente, essa gente é herdeira do pensamento que se queria a
vanguarda da humanidade e a expressão dos reais interesses dos ditos
“oprimidos”. Porque essa gente é a herdeira do pensamento que não vê mal nenhum
em fraudar o estado de direito para produzir o que considera ser a “justiça
social”. É irrelevante saber se, no comando dessa suposta vanguarda, estão
assassinos (como no passado) ou ladrões. O que interessa é saber os sentimentos
que mobilizam na sociedade. Esses novos esquerdistas têm em comum com os
velhos o ódio à democracia, ainda que aqueles buscassem falar ao
“proletariado”, e estes, aos ditos movimentos sociais e minorias. O desprezo
pelas liberdades individuais e a tentativa de submeter a sociedade a um ente de
razão permanecem. De resto, o PT não está sozinho no continente, não é?
A PEC bolivariana que tenta submeter decisões do Supremo ao Legislativo e ao
crivo publicitário já tem história na América Latina. E vai no mesmo fluxo do
partido que pretende sufocar a formação de novas legendas, impedir os
adversários de conseguir recursos para fazer campanha e, não custa lembrar,
censurar a imprensa. Isso não é uma invenção de paranóicos. Está devidamente
registrado na mais recente resolução do Diretório Nacional do partido. A
proposta que o PT citou como norte da “regulamentação da mídia” prevê controle
de conteúdo. Entrevista recente de José Genoino não deixa a menor dúvida a
respeito — o mesmo Genoino, condenado por corrupção ativa e formação de
quadrilha que votou na CCJ a favor do controle também do STF! Assim,
minha cara Dora, eu realmente acredito que os petistas acham que vai ser fácil
ganhar a eleição. Seus arreganhos autoritários derivam do fato de que eles
seguem odiando a democracia, a exemplo dos pterodáctilos do leninismo, seus
ancestrais. Por
Reinaldo Azevedo
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