terça-feira, 9 de abril de 2013

Os novos e absurdos tribunais, a fala destemperada de Joaquim Barbosa, a reação desmedida dos magistrados… Que grande comédia de erros! Ou: Oportunistas aproveitam para defender mensaleiros


Do jornalista Reinaldo Azevedo - Sabem aquela máxima segundo a qual, “em casa que não tem pão, todo mundo grita, e ninguém razão”? Pois é… Precisa ser adaptada à mais recente Guerra de Itararé no Brasil, a do Poder Judiciário, que ora opõe o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, a associações de magistrados. A diferença é que, nesse caso, pode ser o excesso de pão… Vamos ver. A criação de quatro novos Tribunais Regionais Federais, se querem saber, é mesmo um despropósito. E é um despropósito porque não vai desafogar a Justiça porcaria nenhuma — basta esperar para constatar o óbvio — e ainda vai custar uma fábula. Não sei se chega aos R$ 8 bilhões de que fala Joaquim Barbosa — os atuais custam R$ 7 bilhões. Mas barato não será. Dada a loucura que toma conta do Brasil, que padece de uma lamentável falta de líderes — haver ícones do populismo  rasteiro, como Lula, amado até pelo Bono Vox, não resolve… —, a emenda passa sem resistência, inclusive com o apoio do PSDB, o que só é uma vergonha adicional para o partido. É que um dos novos TRFs será instalado em Belo Horizonte. Então tá! Num país sem líderes conscientes de seu papel, quem vai se opor a um troço que interessa, sim, a juízes, promotores, advogados e políticos? Ninguém! A sociedade que se dane e arque com o custo dos novos elefantes brancos e o séquito de eunucos necessário para mantê-los. No mérito, na resistência à criação dos novos tribunais, Barbosa está certíssimo. E também acerta quando diz que o tema não foi suficientemente debatido com a sociedade. O fato de a emenda ser de 2002 não quer dizer nada. Ora vejam… Um Congresso que hoje quer se orgulhar de manter comissões permanentes sob o escrutínio de hordas que chegam a ser fascitoides aprova uma emenda que cria um gasto novo escandaloso, que, lamento, vai é punir os brasileiros. Barbosa acerta de novo: isso pode interessar às corporações de ofício e aos políticos, mas não interessa à população. Ocorre que esse assunto é mais difícil de ser compreendido, né? Satanizar um pastor é coisa mais tranquila. Barbosa tem todo o direito de dizer o que pensa, e os juízes não têm por que se abespinhar. Mas há o que se diz e a forma como se diz. E é evidente que o ministro ultrapassou a linha do aceitável na sua reunião com os representantes dos magistrados. Poderia ter deixado clara a sua crítica à criação do tribunal sem, no entanto, a evidente agressividade com que se manifestou, sabendo que a imprensa estava presente, já que ele mesmo assim determinara. Nem acho que fez só para se mostrar porque o seu temperamento mercurial é famoso haja ou não câmeras presentes. Havendo, então, ele tem um motivo adicional para se conter. É aconselhável que Barbosa se encontre com os representantes de juízes, mas não é uma obrigação. Ele não é forçado a se reunir com representantes sindicais. Ao dizer as coisas certas — embora pecando no estilo e nas metáforas, um pouco demagógicos —, porém no tom imperial, de quem não aceita nem mesmo as objeções normais de uma conversa, desloca a atenção do público do “quê” para o “como”; torna vítimas os que vítimas não são; surge mais como vilão da história do que como guardião do cofre. O ministrou chegou mesmo a dar um pito em um dos presentes. Ao afirmar que a criação dos novos tribunais fora “sorrateira”, o vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Ivanir César Ireno, objetou: “Sorrateira, não!”. Pronto! Foi o que bastou. O presidente do STF não economizou: “O senhor abaixe a voz porque o senhor está na presidência do Supremo Tribunal Federal. Só me dirija a palavra quando eu lhe pedir”. Definitivamente, não é assim que deve agir mesmo quem está certo — especialmente porque está certo (no mérito). Constrangidos diante da imprensa, os representantes sindicais dos juízes emitiram nesta terça uma nota, que também peca pelo exagero e pelo destempero. Vale dizer: acabaram legitimando a fala agressiva de Barbosa, devolvendo na mesma moeda. Leiam a nota. Volto em seguida.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidades de classe de âmbito nacional da magistratura, considerando o ocorrido ontem (8) no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), vêm a público manifestar-se nos seguintes termos:
1. O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, agiu de forma desrespeitosa, premeditadamente agressiva, grosseira e inadequada para o cargo que ocupa.
2. Ao permitir, de forma inédita, que jornalistas acompanhassem a reunião com os dirigentes associativos, demonstrou a intenção de dirigir-se aos jornalistas, e não aos presidentes das associações, com quem pouco dialogou, pois os interrompia sempre que se manifestavam.
3. Ao discutir com dirigentes associativos, Sua Excelência mostrou sua enorme dificuldade em conviver com quem pensa de modo diferente do seu, pois acredita que somente suas ideias sejam as corretas.
4. O modo como tratou as associações de classe da magistratura não encontra precedente na história do Supremo Tribunal Federal, instituição que merece o respeito da magistratura.
5. Esse respeito foi manifestado pela forma educada e firme com que os dirigentes associativos portaram-se durante a reunião, mas não receberam do ministro reciprocidade.
6. A falta de respeito institucional não se limitou às associações de classe, mas também ao Congresso Nacional e à Advocacia, que foram atacados injustificadamente.
7. Dizer que os senadores e deputados teriam sido induzidos a erro por terem aprovado a PEC 544, de 2002, que tramita há mais de dez anos na Câmara dos Deputados ofende não só a inteligência dos parlamentares, mas também a sua liberdade de decidir, segundo as regras democráticas da Constituição da República.
8. É absolutamente lamentável quando aquele que ocupa o mais alto cargo do Poder Judiciário brasileiro manifeste-se com tal desprezo ao Poder Legislativo, aos advogados e às associações de classe da magistratura, que representam cerca de 20.000 magistrados de todo o país.
9. Os ataques e as palavras desrespeitosas dirigidas às Associações de Classe, especialmente à Ajufe, não se coadunam com a democracia, pois ultrapassam a liberdade de expressão do pensamento.
10. Como tudo na vida, as pessoas passam e as instituições permanecem. A história do Supremo Tribunal Federal contempla grandes presidentes e o futuro há de corrigir os erros presentes.
Brasília, 9 de abril de 2013.
NELSON CALANDRA
Presidente da AMB
NINO OLIVEIRA TOLDO
Presidente da Ajufe
JOÃO BOSCO DE BARCELOS COURA
Presidente em exercício da Anamatra
Voltei
Reprovo, de maneira inequívoca, o modo como Barbosa se comportou, mas resta evidente a nota das associações de juízes está muitos tons acima do desejável. Arvora-se até em porta-voz do Congresso Nacional, o que é descabido.
Mais uma omissão do governo
Que fique claro: a emenda só foi aprovada em razão da omissão do Planalto. Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara, foi contra, sim, mas não muito! A exemplo do que aconteceu com os royalties do petróleo, Dilma deixou a coisa rolar. “Ah, é problema do Judiciário!” Não! Nesse caso, é um problema do Brasil, e quem zela pelo Tesouro é o Executivo.
Carona dos oportunistas
Conforme o esperado, os oportunistas decidiram pegar carona na crise. Os petistas — advogando, em última instância, em nome dos mensaleiros — já saíram a campo: “Estão vendo? Olhem só como é Joaquim Barbosa! Vejam como ele é um homem mau; briga com tudo mundo”. Daqui a pouco aparece um mais descarado: “Não falei que o Zé Dirceu é inocente?” O relator da emenda no senado foi o petista Jorge Viana (PT-AC), que faz o que Dilma quer. Se encaminhou a favor da criação dos tribunais, o resto se deduz. Ele ficou bravo com Barbosa. Leiam trecho de reportagem de Gabriela Guerreiro, na Folha, que traz a fala de Viana:
“Tenho muita admiração pelos ministros que compõem o STF. Não posso crer que essas pessoas queiram nos decepcionar a todos. É a mais alta Corte de Justiça do país. Mas aquela audiência de ontem [com os magistrados] deseduca, para falar o mínimo. Eu não fui pressionado por ninguém, não fui chamado por ninguém para fazer parecer sorrateiro. Estou pondo a carapuça. Será que o Senado tem que aceitar isso?”, questionou o senador. Em um recado direto a Barbosa, Viana disse que o “poder revela”. “Espero que ele não esteja sendo revelado agora”, (…)
Retomo
Viram? Os magistrados saíram em defesa do Congresso, e o senador relator, em defesa dos magistrados. O vilão comum? Barbosa! Viana é apontado como membro da “ala pensante” do PT — há quem a considere mais perigosa do que a dos  não-pensantes… É claro que não se atendo ao fato, mas tentando pôr em dúvida a sensatez de Joaquim Barbosa em qualquer caso que atue. E, para os petistas, só um interessa: o mensalão. Também o subjornalismo a soldo, financiado por estatais — sua missão é atacar a oposição, a imprensa independente, a Procuradoria-Geral da República e o STF — saiu chutando a canela de Barbosa. Depois do mensalão, a canalha faz isso até quando não há pretexto. Nesse caso, o próprio ministro o ofereceu de bandeja.
Contraproducente
Encerro assim: o destempero de Barbosa foi contraproducente — isto é, tem um efeito contrário ao pretendido. O país deveria estar debatendo o custo absurdo da medida, que contou com o apoio também do principal partido de oposição. Em vez disso, estamos debatendo o temperamento de Joaquim Barbosa, o pito que ele deu em não sei quem, a reação dos juízes… Ou por outra: estamos debatendo o irrelevante sobre um buraco de alguns bilhões de reais.

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