segunda-feira, 27 de maio de 2013

17 MINISTÉRIOS PÚBLICOS INTERCEPTAM LIGAÇÕES TELEFÔNICAS SEM PARTICIPAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL OU FEDERAL

Já são 17 os Ministérios Públicos que usam um sistema de arquivamento e organização de grampos telefônicos e interceptações de e-mails. A contagem é do órgão de controle do Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público, que pela primeira vez faz um levantamento sobre o uso de sistemas de espionagem, dos quais o mais conhecido é o "Guardião". Com a ferramenta, os Ministérios Públicos recebem diretamente o conteúdo dos grampos, o que, na avaliação de advogados, é ilegal. Para o presidente da OAB de São Paulo, Marcos da Costa, o simples uso dos sistemas de grampo pelo Ministério Público é ilegal. Isso porque, ao ter acesso direto às interceptações, o Ministério Público está ocupando o lugar da Polícia Judiciária, que deve ser a responsável pela coleta de provas: “A polícia investiga para apurar, enquanto o Ministério Público investiga para acusar. O Ministério Público não tem o direito de promover investigação, ainda mais em se tratando de interceptação telefônica, que deve ser feita pela autoridade policial". O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, que no Ministério da Justiça já foi secretário da Reforma do Judiciário, diz que a prática é ilegal, e lembra que o Conselho Nacional de Justiça exige que os grampos sejam concedidos apenas a “autoridades policiais”. O artigo 10 da Resolução 59 do CNJ, que regulamenta as interceptações, explica que ao deferir uma medida cautelar de interceptação, o magistrado fará constar em sua decisão, “os nomes das autoridades policiais responsáveis pela investigação e que terão acesso às informações”. Sem autoridade policial para receber o grampo, diz Bottini, um juiz não poderia autorizar a interceptação: “Isso não é uma recomendação, é um ato normativo do CNJ”. Não são poucas as escutas feitas diretamente pelo Ministério Pùblico em São Paulo, uma vez que o equipamento comprado por meio de pregão, em 2011, deveria ter capacidade para interceptar, em média, 400 linhas telefônicas fixas e móveis e 100 linhas de rádio (como o da Nextel) por mês, segundo o edital da licitação. Além disso, o Guardião comprado tem a capacidade de monitorar 50 operações online e pode ser utilizado por, no mínimo, 50 usuários, sendo dez simultaneamente, ainda segundo o edital. O levantamento feito pelo CNMP aponta três sistemas similares utilizados pelo Ministério Público para organizar as escutas telefônicas e grampos de e-mail: o "Guardião", da empresa Dígitro, presente em nove unidades do Ministério Público; e os sistemas "Wytron" e "Sombra", que se dividem nas outras oito. As empresas fazem um tipo de divisão geográfica de mercado, estando, por exemplo, a "Wytron" no Ministério Público de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, três Estados em que a Dígitro não tem escritório. No Judiciário, operações policiais vêm sendo derrubadas por excessos nas investigações. Um exemplo aconteceu na ação penal que prendeu dois empresários paranaenses ligados ao Grupo Sundown. As escutas telefônicas foram feitas por dois anos, o que, de acordo com ministros do Superior Tribunal de Justiça, “é devassa, não investigação”. No caso, a corte anulou todas as provas obtidas por grampo. Um dos problemas também apontados é a escolha dos trechos das escutas que serão anexados ao processo. O advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes tem entrado na Justiça em diferentes casos pedindo o acesso ao inteiro teor das gravações, o que resulta em transcrições de mais de 5 mil páginas, diz ele. “Às vezes peço para ter acesso e o Ministério Público me envia um pendrive com centenas de horas de gravação, como se o problema tivesse sido sanado com aquilo. Não está. Essa política de gravar tudo faz com que seja impossível analisar todas as provas em tempo hábil para preparar a defesa. Já a investigação foi feita por meses ou até anos". Outro alvo do levantamento é saber quem é o responsável pelas escutas e por filtrar o que é prova e o que não é. O criminalista Ricardo Hasson Sayeg diz que o maior problema do Ministério Público é “a interpretação dada pelos ditos ‘analistas’ que operacionalizam as interceptações e normalmente não são sequer peritos criminais, nem têm formação jurídica, os quais muitas vezes distorcem as conversas”. A preocupação da advocacia com as escutas do Ministério Público foram, na realidade, o pontapé inicial para a atitude de “investigar os investigadores”, do CNMP. Foi um requerimento do Conselho Federal da OAB que deu origem ao Pedido de Providências 1.328/2012-95, pelo qual estão sendo coletadas as informações sobre os sistemas de investigação. Assinado pelo conselheiro federal Guilherme Batochio, o documento pede que “seja realizada a necessária auditoria/inspeção nos sistemas de escuta e monitoramento telefônicos denominados Guardião, que foram adquiridos por Órgãos do Ministério Público em âmbitos estadual e federal, em diversos estados e seções judiciárias do país, bem como os respectivos processos de licitação e aquisição, para que se conheçam as condições de seu uso”. Batochio afirma que os mecanismos de espionagem “se voltam ao excepcionamento de uma das garantias fundamentais da pessoa humana”, que é o direito à intimidade e à privacidade, que só pode ser flexibilizado por ordem judicial fundamentada proferida em investigação criminal. O pente fino do CNMP poderá trazer à tona, na opinião da advogada Heloísa Estellita, interceptações telefônicas ilegais, feitas sem ordem judicial, opinião que é compartilhada por grande parte de seus colegas de profissão. As contas, aliás, serão também analisadas. A provocação feita pelo Conselho Federal da OAB pede informações sobre as licitações feitas pelo MP para comprar os sistemas. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, fez um pregão por menor preço global, que teve apenas um participante, a Dígitro Tecnologia, dona do sistema Guardião. O valor da proposta foi de R$ 2.109.843. Não houve negociação, pois o pregoeiro considerou o preço aceitável “por ser compatível com os preços praticados pelo mercado”, segundo documento oficial.

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