terça-feira, 25 de junho de 2013

DILMA ESTÁ PERDIDAÇA, MAS CONSERVA A MEMÓRIA DA VAR-PALMARES. NÃO HAVERÁ CONSTITUINTE, MAS É GRANDE A CHANCE DE VIR O QUE NÃO PRESTA. INFLEXÃO SE DARÁ À ESQUERDA. LIBERAIS SE ESQUECERAM DE QUE NÃO APRENDERAM A LIDAR COM FOGO

A presidente Dilma Rousseff estava abatida, todo mundo viu. Até agora, não entendeu o que está acontecendo no País. Na verdade, ninguém sabe muita coisa, além do fato de que muita gente, no Brasil, especialmente TVs, resolveu brincar de “Primavera Árabe”. Como não há ditadura no País — ou há? —, uma reivindicação aloprada de gratuidade total nos transportes abriu a janela para que se saísse às ruas protestando contra tudo o que não vai muito bem. O curioso é que os mais pobres, os que realmente padecem com a carência de serviços públicos, aderiram apenas timidamente. Segundo pesquisa do Ibope, 23% dos participantes têm renda familiar acima de 10 salários mínimos; 26%, entre 5 e 10. Nada menos de 43% têm entre 14 e 24 anos. Há reivindicações para todos os gostos. Há setores insatisfeitos de classe média, há uma penca de movimentos à esquerda do PT etc. O saldo de uma ocupação meio destrambelhada das ruas, sem alvo definido, antevi aqui, seria uma torção à esquerda do processo político. Está em curso, ainda que Dilma tenha recuado da proposta estúpida da Constituinte exclusiva. Mas como é que se chegou a ela? Se Dilma conversou com alguém — com Lula ou João Santana —, não se sabe. É até possível. O Apedeuta fez essa mesma proposta há sete anos. Uma coisa é certa: apareceu com os cinco pontos alinhavados como se tivesse pensado tudo sozinha. Pegou seus próprios ministros de surpresa. José Eduardo Cardozo, o Garboso, um dos responsáveis pelo transe das ruas (ele foi um dos gênios que imaginaram que a confusão ficaria restrita a São Paulo e prejudicaria Geraldo Alckmin…), não é tão ignorante na matéria que não soubesse que a proposta era inconstitucional. Alertou para as dificuldades. Aloizio Mercadante, hoje interlocutor privilegiado, deu a maior força… Se a generala quer, ele topa! Ela propõe, e ele entra com o entusiasmo. Num mesmo dia, Dilma se reúne com a Rosa Luxemburgo e o Rimbaud das catracas, os sedizentes representantes do povo do Movimento Passe Livre. Em seguida, chama para um “pacto” os 27 governadores e os 26 prefeitos de capitais com uma proposta que era ignorada até por seus ministros mais próximos. Pior: falou para as câmeras antes de dialogar com os interlocutores escalados. Ao fim da reunião, os mais imprudentes resolveram conversar com os jornalistas para dizer… nada! Os mais prudentes preferiram ficar longe das câmeras. O governo está perdido, sim, mas não custa lembrar que Dilma é uma ex-dirigente da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Nos movimentos de esquerda, terroristas (como foi a VAR-Palmares) ou não, o primeiro passo é ocupar todos os espaços. Se determinados grupos assumem o protagonismo “da luta”, então é a luta, por si, que os legitima, não a sua representatividade. Nesse caso, é preciso ter um pouquinho ao menos de conhecimento das teorias revolucionárias para acompanhar o movimento. Assim, é irrelevante o que queiram o MPL e assemelhados, o importante é que eles se apresentam como porta-vozes da insatisfação. POR ISSO, EMBORA O SINAL DAS RUAS ESTEJA MAIS PARA CONSERVADOR DO QUE PARA O DITO PROGRESSISTA, O MOVIMENTO DO PODER SE DÁ EM DIREÇÃO À ESQUERDA. Daí também a tolice dos liberais que se mostram reverentes ao “povo da rua”. Vão perder sempre a batalha porque não têm amanhãs sorridentes a oferecer. As esquerdas têm — do transporte gratuito ao assalto ao céu, tudo lhes é permitido. Ademais, como levar para a mesa do Planalto os que querem o fim da corrupção? Quem são eles? Como levar para a mesa os que querem uma educação de maior qualidade? Quem são eles? Já o MPL… Dilma apareceu, então, com as suas propostas supostamente estruturantes: R$ 50 bilhões para a mobilidade urbana… Vão sair de onde? Vamos ver. Dinheiro dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação… A grana ainda está uns sete mil metros abaixo do solo. Pacto pela responsabilidade fiscal. Sei. Dita a coisa dessa maneira, é piada de vários modos. Governadores e prefeitos estão submetidos, por exemplo, à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o governo federal, notório maquiador de números, não. Mais: o espírito das ruas está a cobrar justamente o contrário: irresponsabilidade fiscal… Ou governadores e prefeitos não estão tendo de estuprar as contas públicas para fazer as vontades dos coxinhas da catraca? O governo federal aceita, por exemplo, se submeter às mesmas penas de prefeitos e governadores caso estourem as contas? A presidente também fala em considerar a corrupção crime hediondo, o que avança mais para o terreno da demagogia do que da efetividade. Ainda voltarei a esse aspecto. No pacote, veio a exótica proposta de Constituinte. Parecia uma saída esperta, mas era de tal sorte exótica que o resultado, obviamente, foi negativo. O noticiário praticamente ignorou o resto das medidas para se ater a esse ponto em particular. Do Supremo Tribunal Federal, chegou o recado : “Aqui não passa”. O próprio vice-presidente da República, Michel Temer, que comanda o maior partido da base aliada, o PMDB, ficou sabendo da proposta ali, no ato, junto com os demais “não interlocutores”. Temer, professor de direito constitucional, é autor de um artigo, escrito em 2007, que critica duramente a proposta. Escreveu então: “É inaceitável a instalação de uma constituinte exclusiva para propor a reforma política. Não vivemos um clima de exceção e não podemos banalizar a idéia da constituinte, seja exclusiva ou não. Seu pressuposto ancora-se em certo elitismo, porquanto somente pessoas supostamente mais preparadas e com maior vocação pública poderiam dela participar. O que, na verdade, constitui a negação do sistema representativo". Dilma está confusa, sim, mas decidiu ser reverente à pressão das ruas. As propostas têm o sotaque do social, mas, todo mundo sabe, ainda que postas em prática, são de resposta lenta. A Constituinte exclusiva durou menos de 24 horas, está descartada, mas não a intenção de fazer uma reforma política alinhada com o “espírito da rua”. A questão é saber de qual rua. Se algumas propostas que estão sendo apresentadas quase como consenso, pautadas por um furor moralista burro, virarem leis, os canalhas é que acabarão sendo beneficiados. Quem declarou que a moral é imoral é o PT, não eu. Não vejo nada de errado com um processo de moralização da política, desde que ele não seja contraproducente. Aguardem um post específico a respeito. Como essa crise tem na raiz alguns problemas crônicos, porém exacerbados de maneira um tanto artificial por aqueles que decidiram brincar de Primavera Árabe e incentivar a ocupação das ruas, não existem respostas rápidas. Nem governo nem oposição lucram politicamente com ela. Os únicos que podem se beneficiar são aqueles que constroem o seu discurso político apontando a falência da política, como Marina Silva, por exemplo. Com quem governaria depois? Bem, esse é um mistério escondido no coração sonhático da floresta. Como saldo dessas três semanas, temos governantes obrigados a estuprar as contas públicas para satisfazer a suposta vontade das ruas e a pressão por uma reforma política que, levada a efeito, criará uma legislação menos democrática do que a que temos hoje. Querem apostar? Gente que não tem experiência com fogo resolveu testar a pirotecnia. Vai se queimar. Por Reinaldo Azevedo

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