sexta-feira, 18 de outubro de 2013

CHICO BUARQUE JOGA A TOALHA. OU: "TROCA" FEITA PELAS ESTRELAS DO "PROCURE SABER" É PIOR DO QUE AS DO BAIXO CLERO EM BRASÍLIA

Vamos botar os devidos pingos nos “is”, não é? Como se diz lá em Dois Córregos, “quem fala a verdade não merece castigo”. Os artistas queriam mudar todo o sistema que envolve o Ecad, arrecadação de direitos autorais etc. É um direito deles. Precisavam da adesão do nome forte, do símbolo, do “primus inter pares”: Roberto Carlos. Ele topou. Mas impôs uma condição: a mobilização contra a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) que pede que o Artigo 20 do Código Civil — o que permite o veto às biografias — seja declarado inconstitucional pelo Supremo. E, bem, ele é escancaradamente inconstitucional!

Até dou de barato que, pensando no rico dinheirinho — e não há mal nenhum em querer uma justa remuneração por seu trabalho —, os medalhões não tenham se dado conta de que estavam, sim, endossando a censura. Pensaram só nos seus umbigos estrelados, como se as massas estivessem enlouquecidas, querendo saber intimidades da vida do próprio Chico, de Djavan e de Caetano Veloso.
Paula Lavigne, como é de seu estilo, logo assumiu a liderança da “batalha”, com a sua sensibilidade costumeira e os pensamentos delicados de que é capaz. Deu no que deu. O preço da adesão de Roberto Carlos à luta por direitos autorais foi, ora vejam!, a defesa da censura. Certamente o chamado “baixo clero” no Congresso é capaz de coisas mais edificantes.
Chico Buarque finge conversar só com os deuses olímpicos, mas não é burro. Percebeu o rombo que essa história está abrindo em sua reputação. Caetano Veloso vai dar combate por mais tempo. Lauro Jardim, meu colega aqui na VEJA.com, escreveu outro dia que resistiria a fazer trocadilhos com as músicas de nossos iluministas. Vou ceder à tentação. Chico agora decidiu recuar do seu “Cale-se” , que compôs em parceria com Gilberto Gil, outro proibicionista. Caetano talvez volte ao seu “É proibido proibir”. Lembrar essas coisas, com efeito, é um recurso fácil, mas confronta esses senhores com a sua própria obra e com a mensagem de “liberdade” que chegaram a encarnar. A de Chico, justiça se lhe faça, sempre foi suspeita. Não se pode ser um cubanófilo e um defensor das liberdades individuais ao mesmo tempo, não é? Chico, como sabe toda gente, é amigo dileto de um regime que prende intelectuais, que prende jornalistas, que prende homossexuais, que prende pessoas por delito de opinião. Assim, a liberdade não é, para ele, o que é para um liberal, por exemplo: um valor inegociável, acima da justiça. E está acima da justiça por uma razão singela: com liberdade, pode-se reivindicar justiça. Os estados autoritários pretendem inverter essa lógica: oferecem a sua noção particular de justiça desde que o indivíduo abra mão de sua liberdade.
A Folha publica na edição desta sexta uma entrevista sua, concedida a Lucas Neves, em Paris. Destaco alguns trechos de sua fala. Volto em seguida.
“Posso não estar muito bem informado sobre as leis e posso ter me precipitado, mas continuo achando que o cidadão tem o direito de não querer ser biografado, como tem o direito de não querer ser fotografado ou filmado.”
“Me pareceu [ênfase] que era um direito. E parece que não. Então tá bom: então vai se criar um outro tipo de situação. As biografias serão automaticamente liberadas, e os biografados poderão recorrer à Justiça para receber uma indenização que parece que não é significativa. Ou, quem sabe, para até retirar o livro de circulação.”
“[No caso do Roberto] Ele pode não querer que se fale de um casamento, de algum problema da infância. São problemas que não são levados pelo artista ao público, que ele toma o maior cuidado,quer preservar para si. Acho respeitável. Agora, se a lei tá errada, se eu tô errado, tudo bem. Perdi.”
Comento
Sim, está terrivelmente desinformado. Em todas as democracias do mundo, inclusive na França, onde ele de fato mora, inexistem mecanismos de censura prévia, como há no Brasil. E os autores de biografias respondem na Justiça por eventuais danos que possam causar à imagem dos biografados.
No fim das contas, aquele que é tido por alguns como o grande pensador brasileiro agora dá de ombros para a questão e faz de conta que estava num jogo de pelada com seus amigos. Em pauta, nada menos do que a liberdade de expressão no país. Banal e irresponsável.Por Reinaldo Azevedo

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