quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

ESTADO POLICIAL 2 - TENTEM ACHAR ONDE ESTÁ A AÇÃO CRIMINOSA NO QUE VAI ABAIXO. OU: A DECLARAÇÃO DE GUERRA DE CARDOZO

O ministro Gilberto Carvalho tem suas preferências jornalísticas. Ok. Todos temos. A diferença é que ele é ministro de Estado e não pode ter a ambição de dizer o que a imprensa deve ou não deve publicar. Mas ele tem. Há uma reportagem no Estadão intitulada “Lobista aconselhou tucano a conseguir recurso no Exterior para obra do metrô”. Está sendo reproduzia na rede petista de comunicação, financiada com dinheiro público, como se ali estivesse a prova de um crime, de uma grande safadeza. Vou fazer o que não faço quase nunca: reproduzir o texto na íntegra (em vermelho). Comento em azul. Atenção! A reportagem é escrita a partir de um e-mail que integra o inquérito aberto pela Polícia Federal. Vem a público dois dias depois de José Eduardo Cardozo ter prestado um depoimento no Senado e um dia depois do depoimento à Câmara. Nos dois casos, ele foi questionado sobre a condução política da apuração feita pelo Cade e pela Polícia Federal. Ele, claro!, negou que esteja havendo direcionamento e, acreditem vocês!, lamentou os vazamentos. É provável que, ao mesmo tempo, o tal e-mail, que integra um inquérito sigiloso, estivesse sendo… vazado! “Até aí, se o e-mail revela um crime…” Bem, peço que vocês leiam a reportagem. Acionem aí um marcador de texto na tela e tentem colorir a passagem que indica uma ação criminosa. Vamos ver.

*
Por Ricardo Chapola, Fausto Macedo e Fernando Gallo:
Cópia de e-mail em posse da Polícia Federal mostra que Jorge Fagali Neto, apontado como lobista da multinacional francesa Alstom e intermediador de propinas, fez sugestões, no fim de 2006, sobre como o governo estadual deveria agir no setor metroferroviário ao tucano Aloysio Nunes Ferreira, então coordenador da campanha de José Serra (PSDB) ao comando do Estado. Uma dessas sugestões — a busca de dinheiro externo para obras de uma linha do Metrô — acabou concretizada depois de Serra ser eleito e Aloysio assumir a Casa Civil do Estado. A obra foi tocada por um consórcio que tinha a Alstom como sócia.
O verbo “dever” é sempre complicado: pode indicar uma relação de subordinação ou simplesmente uma sugestão: “Acho que você deve parar de fumar…”. O tal Fegali estaria dando uma “ordem” a Aloysio ou fazendo uma sugestão, no contexto, óbvia: “Acho que vocês devem procurar financiamento externo…”. Afirmar que, em obras do metrô, deve-se buscar dinheiro no exterior sugere ação criminosa? E daí que a Alstom fosse sócia do consórcio? A questão é saber se houve irregularidade. É isso o que existe de mais grave no e-mail? “E se houver outra coisa?” Ah, bom, aí vamos ver.
Anexada nos autos da investigação sobre o cartel de trens suspeitos de atuar nas gestões do PSDB entre 1998 e 2008, a correspondência é de 26 de setembro daquele ano eleitoral. Faltavam cinco dias para a votação e as pesquisas demonstravam que Serra venceria no 1º primeiro turno, o que de fato ocorreu. Na ocasião, além de coordenar a campanha de Serra, o hoje senador Aloysio era secretário de Governo de Gilberto Kassab (PSD) na prefeitura paulistana.
Sim, tudo isso é fato. E daí? Há a sugestão de um esquema eleitoral ou algo assim, ou, nesse caso, dados referenciais aparecem apenas para tentar adensar o clima de denúncia do texto?
Fagali é um dos 11 indiciados pela Polícia Federal por suspeita de ilegalidades envolvendo contratos de energia da Alstom com o governo estadual. Os investigadores afirmam que ele cometeu os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Fagali nega. Antes de se transformar em consultor do setor metroferroviário, no qual a Alstom também atua e é suspeita de formar cartel, ele havia sido secretário de Transportes do governo Luiz Antonio Fleury Filho por um ano: em 1994. Fagali sucedeu no cargo justamente Aloysio, que foi secretário de Transportes de Fleury entre 1991 e 1993. Ou seja, Fagali e Aloysio se conhecem “há muitos anos”, nas palavras do próprio senador tucano, segundo quem o e-mail de 2006 foi apenas um “alerta de um amigo” sobre a situação do setor metroferroviário naquele momento.
Se Fegali é isso tudo, que se leve a apuração adiante e que a Justiça atue. O ponto é outro: o que, até agora, caracteriza crime? Alguém que é ligado à área de transportes, que conhece o setor, seja lobista ou consultor, pouco importa, sugerir que se busque financiamento externo para o metrô constitui indício de crime?
O irmão do consultor, José Jorge Fagali, foi escolhido por Serra para presidir o Metrô, estatal do governo, cargo que ocuparia entre os anos de 2007 e 2010. Fagali, o consultor que mandou o e-mail com as sugestões para Aloysio, está hoje com os ativos bloqueados na Suíça. São US$ 6,5 milhões travados pela Justiça do país europeu por suspeita de lavagem de dinheiro.
Tudo isso é fato, que vem endossar o… O quê? Cadê a evidência do crime, a sugestão que seja. Reitero a pergunta: no resto do e-mail estaria a prova do crime? Ou o crime está no próprio e-mail?
No e-mail, Fagali sugeriu, entre outras coisas, que Aloysio acionasse o Banco Mundial para angariar recursos para a Linha 4-Amarela do Metrô. “Para a linha 4, acredito ser possível um aditamento ao contrato do Banco Mundial”, escreveu o consultor no e-mail. Em abril de 2008, no segundo ano da gestão Serra, o governo assinaria com o Banco Mundial, conforme sugerido pelo consultor, um aditamento de US$ 95 milhões ao contrato de US$ 209 milhões de 2002 para a construção da linha 4-Amarela do Metrô.
E daí? Esse aditamento contém alguma irregularidade? O que há de exótico em que alguém faça essa sugestão?
O dinheiro extra foi usado para obras de ampliação da linha e aquisição de equipamentos, como trens e trilhos. Responsável pela construção da Linha 4, o consórcio Via Amarela tinha entre seus sócios a Alstom. A multinacional francesa forneceu toda a infraestrutura dessa linha do Metrô, como sistema de alimentação de energia e sistemas de controle e de comunicação.
Era e é uma das gigantes do setor. A questão, de novo, é saber se, nesse processo, houve fraude.
O e-mail de Fagali ao tucano chegou às mãos da Polícia Federal por meio de uma ex-funcionária do consultor chamada Edna da Silva Flores. Ela foi secretária pessoal de Fagali entre 2006 e 2009 e prestou depoimento aos federais no dia 9 de outubro passado. Edna disse que “Fagali trocava e-mails com Aloysio Nunes acerca de licitações de metrô em SP”. Ainda em seu depoimento, a ex-funcionária de Fagali fala da amizade do consultor com outros políticos, como Serra. Segundo relatou Edna, Fagali era “muito amigo” do tucano. “Jorge Fagali Neto (…) viajou com Serra para o Japão com a finalidade de tratar de assuntos financeiros do metrô de São Paulo”, disse no depoimento anexado aos autos da polícia. O ex-governador diz que nunca esteve no Japão com Fagali.
Vocês acham mesmo que quem pretende fazer, para usar a palavra óbvia, sacanagem fica combinando essas coisas por e-mail? Tudo o que vai no texto é fato. Todos os fatos estão encadeados para sugerir que houve um grande conluio. Mas conluio em torno de quê?
Edna também relatou ao delegado a relação de Fagali com os irmãos Arthur e Sérgio Teixeira, também consultores apontados como intermediadores de propinas do cartel de trens. Sérgio já morreu e Arthur está indiciado sob suspeita de atuar ilegalmente para as multinacionais do setor metroferroviário. “Fagali tinha contato quase diário com Sergio Teixeira e Arthur Teixeira.”
Não entendi o “também consultores”. Então os Teixeira são consultores, mas Fegali é lobista, é isso? Para usar o “também”, ou Fegali também é consultor, ou os Teixeira também são lobistas.
Em outra parte do inquérito, há um relatório não assinado, mas escrito em abril deste ano pelo ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, em que Aloysio é citado como sendo próximo de Teixeira. No mesmo relatório, o ex-diretor da empresa alemã sugere que o chefe da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin, Edson Aparecido, foi destinatário de propina. Aparecido chama a acusação de “absurda”.
E pronto! Estamos de volta às cartas de Everton, aquele que confessa ter combinado a denúncia com o chefe do Cade, que pediu a proteção “do partido” e até um emprego. Vocês acharam o crime? Reitero: esse e-mail é parte do inquérito conduzido pela Polícia Federal. O chefe da Polícia Federal é José Eduardo Cardozo. José Eduardo Cardozo é aquele que depôs na Câmara e no Senado e que lamentou os vazamentos. É claro que se trata de uma declaração de guerra. E a campanha eleitoral, oficialmente, ainda nem começou. Tem tudo para ser uma das mais sujas da história. Aguardem pra ver. É assim que Gilberto Carvalho gosta. Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário: