domingo, 26 de janeiro de 2014

MÉDICO MILITAR NEGA PARTICIPAÇÃO EM NECRÓPSIA QUE ATESTOU SUICÍDIO EM TORTURADO

O médico Hargreaves Figueiredo Rocha, de 82 anos, aposentado do Exército  negou na sexta-feira, em audiência pública conjunta da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão da Verdade do Rio, na sede do Arquivo Nacional, que tenha participado da necrópsia do preso político Severino Viana Colou, que, segundo depoimentos, foi torturado e morto pela Polícia do Exército em 1969. Hargreaves trabalhava no Hospital Central do Exército na época e seu nome consta como um dos responsáveis pelo exame.
O laudo da necrópsia atesta que Colou, que era policial militar da Guanabara, havia se suicidado por enforcamento usando a própria calça, mas depoimentos de ex-presos nas auditorias militares apontam para a ocorrência de tortura. O médico aposentado afirmou desconhecer o motivo de seu nome aparecer no documento. O laudo traz rubricas na lateral que serão submetidas a um exame grafotécnico para que possam ser identificadas. "Esse documento está completamente equivocado. Não sei porque meu nome está aí. O meu Exército era outro. Nunca tive que fazer nada que fosse contra a minha ética profissional", disse Hargreaves. Ele disse que poderia acionar a Justiça por causa da citação no documento, que classificou também de "falso". O médico negou que tenha feito necrópsias no hospital e disse que trabalhava na clínica médica e na pediatria. "Meu trabalho era pacífico. Não tinha nada a ver com isso". Outros agentes do regime foram convocados para depor, mas não compareceram. Celso Lauria, capitão do Exército na época e encarregado de um inquérito policial militar que investigou o grupo terrorista VAR-Palmares, apresentou um atestado médico, e o então sargento Euler Moreira justificou a ausência alegando que já tinha uma viagem programada e paga. Ainda na parte da manhã, foi ouvido o ex-líder do grupo terrorista VAR-Palmares, Antônio Roberto Espinosa, preso com Maria Auxiliadora Lara Barcelos e Chael Charles Schreier, morto sob tortura também na sede da Polícia do Exército, na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro. O trio foi preso em uma casa no bairro Lins de Vasconcelos, após ser denunciado pelo proprietário da casa que alugava. Os três tentaram resistir à prisão, mas não conseguiram fugir. Na prisão, Antônio conta ter sofrido com Chael e Maria Auxiliadora torturas físicas e psicológicas de diferentes tipos, como agressões, choques elétricos e sessões no pau de arara. "Meu pênis chegou a ser amarrado a um arame, que era puxado por um militar que corria e eu tinha que seguir". Contra a namorada, os suplícios eram principalmente de cunho sexual, com frequentes agressões verbais e xingamentos. Com 25 anos na época, Maria era mantida nua na cela e os militares chegaram a usar uma tesoura com que ameaçavam cortar seus mamilos. Ela se suicidou dois anos depois no metrô de Berlim, cidade alemã onde estava exilada. Ao ser torturado, segundo Antônio, Chael recebeu uma coronhada de pistola que quebrou seu maxilar. O jornalista afirma acreditar que o golpe que matou o companheiro foi uma pancada de fuzil contra o tórax. O preso foi levado para o Hospital Central do Exército, mas o general Galeno Penha Franco se recusou a declará-lo morto na unidade. Um laudo foi feito a pedido do militar, e nele foram registrados todos os ferimentos da tortura, mas, mesmo assim, o Exército declarou que a causa da morte foi um ataque cardíaco em decorrência dos ferimentos causados na troca de tiros. O corpo foi levado para São Paulo, para se enterrado de acordo com rituais judaicos da família de Chael, dentro de um caixão lacrado e acompanhado por agentes. Ao chegarem à sinagoga, no entanto, os militares foram barrados da cerimônia por não serem judeus, e, dentro do templo, uma junta médica fez secretamente uma nova autópsia, que constatou a tortura. O caso ganhou repercussão internacional e foi capa da revista Veja na época.

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