quarta-feira, 2 de abril de 2014

FASCISMO DE ESQUERDA INVADE UMA AULA NA SÃO FRANCISCO, INTIMIDA PROFESSOR, IMPÕE-SE PELA FORÇA BRUTA E SE QUER ARAUTO DA LIBERDADE

Invadi Reitoria quatro vezes na USP.

Invadi espaço do Crusp ocupado pela área administrativa da universidade.
Fiz miguelito — quem era ou é do ramo sabe do que se trata.
Apanhei.
Quase me lasquei bonito aos 16 anos.
Mas nunca fiz o que vocês verão abaixo. Nunca! Esses brucutus que se querem libertários não sabem o preço da liberdade. Não sabem o que é se arriscar por ela. Não estão preparados para a divergência.
O busílis é o seguinte.
O professor de direito administrativo Eduardo Lobo Botelho Gualazzi, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP, dava na segunda-feira, dia 31 de março, uma aula em que criticava os regimes socialistas. Antes disso, consta, teria tornado público um texto em que defende o regime militar instaurado em 1964 no País.
Não conheço o texto, mas é muito provável que eu não concorde com Gualazzi hoje e é certo que não teria concordado com ele aos 18 anos. Agora, como antes, entendo que a palavra é a melhor expressão da divergência e que o tema poderia ter sido objeto de debate dentro da sala da aula.
Mas não! Esse grupo — não sei se com o apoio do Centro Acadêmico 11 de Agosto — resolveu simular cenas de tortura na porta da sala de aula e, em seguida, a invadiu. Convoquei muita greve na USP, deixo claro. Batia à porta. Pedia licença ao “mestre” — a orientação era para que chamássemos o professor de mestre — para falar. Se ele permitisse, muito bem, dávamos o recado; se não, então agradecíamos, pedíamos desculpa pela interrupção e saíamos. Não procedíamos daquele modo porque o País era uma ditadura e estávamos ainda a nove anos das eleições diretas. Procedíamos daquele modo porque entendíamos que certas conquistas da civilização deveriam permanecer fosse qual fosse o regime. Bem, vejam o vídeo com a barbárie. Volto em seguida.
Retomo
Um leitor manda-me o seguinte trecho, atribuído a um dos invasores, que estaria no primeiro ano: “Esse professor distribuiu antes da aula um texto para alunos explicando por que ele defendia a ‘revolução’ de 1964 e como isso foi bom para o Brasil. Então nos reunimos para fazer um escracho contra ele. Antes de entrar, fizemos um pequeno teatro de uma cena de tortura e entramos dentro da sala. O professor foi muito agressivo, empurrou alunos. Ele perdeu as estribeiras, quis expulsar os estudantes de dentro da sala, mas começamos a batucar e ele saiu muito nervoso”.
O que foi que esse rapaz aprendeu sobre civilidade, contraditório, divergência? Santo Deus! Trata-se, nada menos, de uma faculdade de direito, onde se aprende, é lição básica, que um dos pressupostos de um regime de liberdades públicas e individuais é que todos têm o direito a um advogado — se a pessoa não puder arcar com um, às suas expensas, o estado se encarregará de fazê-lo. Um defensor público, diga-se, cuidou do caso até de um dos réus do mensalão — aliás, foi o mais bem-sucedido na Corte.
Reitero: não se trata de concordar ou não com a tese de Gualazzi. Por razões teóricas, históricas e até sentimentais, é possível que eu discorde profundamente dele, mas estou certo de que não é assim que se fazem as coisas.
Cabe a pergunta óbvia: esse grupo se tornou agora o Comitê de Censura da São Francisco? É ele que vai definir o limite do que pode e do que não pode ser dito em sala de aula? Esses ignorantes truculentos conseguirão, finalmente, realizar o que nem o golpe militar conseguiu: eliminar, também no conteúdo, a chamada liberdade de cátedra?
É claro que essa gente, vê-se pela idade dos que tiram o capuz, não participou da luta pela redemocratização do país; é claro que essa gente só age de modo tão covarde porque sabe que não haverá consequências; é claro que essa gente só é tão bruta porque sabe que lhes vão conceder a licença para ser truculenta, embora ela própria não conceda a quem considera adversário nem mesmo o direito de falar. É claro que essa gente só age desse modo porque tem claro que o máximo risco que corre é humilhar os outros.
“Ah, Reinaldo, o ancião de 52 anos, quer ensinar a meninada a fazer a militância!” Eu não quero ensinar nada. Segundo o meu entendimento de democracia, também os idiotas e os ignorantes têm direito a voz e voto. Mas civilidade e senso de limites independem, em larga medida, do que se pensa. E só passa a ser função do que se pensa quando o que se tem em mente é um regime totalitário. Faço uma pergunta que o agora neoesquerdista Caetano Veloso fez àqueles que o impediram de cantar a música “É proibido proibir” num festival em 1968: essa gente é diferente dos fascistas que invadiram, naquele ano, o teatro e espancaram os atores da peça Roda Viva? Também esses “jovens” muito velhos estão matando agora o velhote inimigo que morreu anteontem.
Vejam lá o que diz o rapaz. O futuro advogado não acredita no valor da palavra e do debate. Ele aposta é  no escracho. Acha que, se os “inimigos” estiverem sendo humilhados, na força bruta, silenciados, então é sinal de que a luta avança. Ninguém contou a esse cara que, se e quando a sua ideia triunfar, com todos os inimigos eliminados, então os vitoriosos começarão a fazer a caçada e a “cassada” entre si — porque esse é o destino fatal de todas as revoluções que impõem a sua verdade silenciando as demais: do Terror francês à Coreia do Norte é assim.
A crise é mais geralA crise do pensamento é mais geral. Eu vivi, infelizmente, a crise do pensamento marxista no Brasil, nos anos 80, para a qual o petismo concorreu de maneira importante — e mais ainda os grupelhos que estavam incrustados na legenda e acabaram, depois, ganhando vida própria.
Enquanto o marxismo foi, no Brasil, um domínio do “Partidão”, do antigo PCB, conservava-se certa noção de história — ainda que eu, trotskista então, achasse a turma equivocada. Mas também nós éramos viciados na literatura específica; havia um amor genuíno pela teoria, por mais equivocada que ela me pareça hoje, 34 anos depois.
O gosto pela formação foi substituído pelo voluntarismo. Eu conheço a cara de paisagem de muitos “esquerdistas” da academia quando se cita um texto de referência daquela que deveria ser a especialidade deles. Não se lê mais nada, não se estuda mais nada, não se pesquisa mais nada. Em vez disso, rosna-se e pragueja-se em nome da “justiça”.
Uma barbaridade como essa deveria mobilizar os professores, o Conselho Universitário, a direção da universidade, o Centro Acadêmico — que, consta, e temo que seja verdade, apoiou esse ato de violência.
Sinto-me envergonhado, a tal vergonha alheia, ao assistir a esse vídeo. Fico um tanto constrangido até de escrever a respeito. Qual é o grau de tolerância dessa turma para as idéias das quais discorda?
Como lembrei certa feita, “Liberdade é, apenas e exclusivamente, a liberdade dos que pensam de modo diferente.” E emendei então:“A frase já foi um clichê na boca de esquerdistas que se opunham ou à ditadura ou a supostos consensos que, na democracia, não eram do seu agrado. Poderia ter sido dita pela liberal-libertária Ayn Rand, mas a autora é a comunista Rosa Luxemburgo. Confrontava Lênin, que mandou às favas a Assembleia Constituinte. No seu equívoco, Rosa tinha a honestidade dos ingênuos, mas revoluções são conduzidas pelo cálculo dos cínicos. A liberdade perdeu. A múmia de Lênin fede. Seu cadáver ainda procria.”
Mas sabem como é… Aquele rapaz deve pensar assim: “Eu acho esse professor fascista. Para provar que eu não sou, então invado a aula dele e o proíbo de falar”. E ele não vê nada de errado em seu raciocínio. Ele se considera um humanista.
Se há professores felizes com o que viram — e certamente há —, uma advertência óbvia e lógica: vocês entraram na fila do escracho; ainda chegará a vez de vocês. E pode ser que não haja ninguém mais para reclamar, para lembrar o pastor Niemöller. Por Reinaldo Azevedo

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