domingo, 24 de agosto de 2014

JATINHO DE EDUARDO CAMPOS E MARINA SILVA ERA PRODUTO DE CAIXA DOIS DE CAMPANHA

Documentos obtidos com exclusividade por ÉPOCA revelam que o jatinho usado na campanha por Eduardo Campos e Marina Silva pertencia oficialmente ao grupo paulista AF Andrade. No papel, a AF Andrade, de usinas de açúcar, era dona do Cessna Citation, prefixo PR-AFA, quando o jato caiu em Santos, na semana passada – embora tenha dito que o vendeu a um usineiro pernambucano. Comparando-se o que diz a papelada e o que dizem os envolvidos, chega-se à conclusão de que Eduardo e Marina faziam campanha num avião fantasma. Ninguém admite ser dono do Cessna, ninguém admite ter bancado as despesas com o jatinho – e ninguém declarou qualquer informação sobre o uso do avião à Justiça Eleitoral. Para a PF, que investiga o caso, esse conjunto de evidências aponta, até agora, para fraude à Justiça Eleitoral e crimes financeiros e tributários na operação de aluguel – ou venda – do avião. Os papéis estão com a Polícia Federal e a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac. Os dois órgãos investigam quem são os responsáveis pelo desastre – a Aeronáutica investiga as causas dele. A identificação dos donos do avião é imprescindível para que as famílias das vítimas possam entrar com pedidos de indenização na Justiça. Os responsáveis responderão também a processos movidos pelo Ministério Público.  O comitê presidencial do PSB também pode ser acionado. No limite, a candidatura de Marina Silva poderia ser impugnada por fraude eleitoral. Esse enorme passivo jurídico está por trás, ao menos em parte, da resistência dos envolvidos  em fornecer informações à imprensa e aos investigadores. O principal documento do conjunto é uma carta da Cessna Finance Export Corporation (leia abaixo), encaminhada no dia 19 de agosto (terça-feira) à Anac. Assinado por um vice-presidente da empresa, Robert Hotaling Jr, e endereçado ao superintendente de aeronavegabilidade da Anac, Dino Ishikuro, o documento diz que a aeronave prefixo PR-AFA é de propriedade da Cessna, mas era operada desde o dia 1º de dezembro de 2010 pela AF Andrade. Por fim, a Cessna informa que não autorizou qualquer transferência do leasing – expediente financeiro por meio do qual a AF Andrade diz que pretendia quitar a compra do avião, avaliado em quase R$ 20 milhões. Outro documento que compromete a versão do grupo AF Andrade é o extrato do seguro do avião. Ele foi firmado entre a AF Andrade e a Bradesco Seguros no dia 06 de agosto, uma semana antes do desastre aéreo. O contrato, de acordo com o extrato, tinha validade até o dia 06 de agosto de 2015. A apólice tinha R$ 979 mil como valor máximo. No caso de morte de passageiros e tripulantes, a indenização individual é fixada em R$ 55,9 mil. Para ressarcir despesas com pessoas e bens no solo, o limite estipulado foi de R$ 221 mil. Uma das parcelas do seguro, no valor de R$ 2.287,65, vencia justamente no dia 13 de agosto. Estava em nome da AF Andrade. Na segunda-feira, dia 18, o advogado da AF Andrade, Ricardo Tepedino, encaminhou uma carta à Anac. Nela, ele afirma que, no dia 15 maio de 2014, o empresário João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho apresentou uma proposta à AF Andrade para que uma empresa – que seria indicada posteriormente – assumisse o leasing com a Cessna. Lyra Filho é um usineiro pernambucano. Era amigo de Eduardo Campos. Lyra Filho assumiria a “custódia” e se responsabilizaria pelas despesas do avião até o dia 16 de junho. Tepedino informa também que, após o dia 15 de maio, os “interessados” forneceram à AF Andrade os recursos necessários ao pagamento de parcelas do leasing devidas à Cessna. Ele não diz quanto foi pago – nem quem pagou. Procurado por ÉPOCA, Tepedino disse não saber quem pagou seu cliente. No ofício, Tepedino afirma que Lyra Filho apresentou como “arredentárias” as empresas pernambucanas BR Par Participações S.A e Bandeirantes Pneus, “controladas pelo Sr. Apolo Santana Vieira”. Tepedino diz que, após o dia 16 de junho, a transferência do leasing da Cessna para as empresas pernambucanas ainda não se consumara. Apesar disso, afirmou, a aeronave continuou sob o domínio das empresas pernambucanas, mesmo sem qualquer cobertura contratual. “Circunstância que, como se vê, estendeu o termo final da proposta até o momento da queda da aeronave”, diz. ÉPOCA pediu a Tepedino uma cópia da carta assinada por Lyra Filho em maio, assim como comprovantes da transferência de dinheiro necessário para a AF Andrade quitar parcelas do leasing. “Desculpe, mas os documentos ainda não foram entregues às autoridades e, antes disso, não os exibiremos à imprensa”, disse ele: “O avião não chegou a ser transferido do nome da AF, pois sofreu o acidente antes que a Cessna aceitasse ou rejeitasse as empresas pernambucanas". Por lei, a operação deveria ter sido comunicada à Anac. Não foi. O empresário Lyra Filho é herdeiro de usina de álcool em Pernambuco, enteado do ex-deputado federal Luiz Piauhylino  e proprietário de quatro empresas. Uma delas, a JCL, é uma factoring que já foi multada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. Apolo Vieira aparece como sócio em empresas do ramo de pneus, hotelaria e comércio. Vieira é réu, desde 2009, num processo sobre a importação ilegal de pneus. De acordo com o Ministério Público Federal, o esquema em que Vieira está envolvido causou prejuízos de quase R$ 100 milhões à Receita Federal. ÉPOCA procurou a campanha do PSB à presidência da República com perguntas sobre o uso da aeronave PR- AFA. Entre outros questionamentos, perguntou se a chapa fizera pagamentos para usar a aeronave, se arcara com as despesas de manutenção e se declarara tais despesas na prestação de contas eleitoral. Na prestação parcial, referente ao mês de julho, não há citação às empresas BR Par e Bandeirantes. ÉPOCA perguntou, ainda, quantas vezes a candidata Marina Silva voou no avião e se ela tinha conhecimento sobre quem arrendara a aeronave. O PSB não respondeu aos questionamentos. De acordo com a legislação eleitoral, uma empresa não pode fazer doações de bens ou serviços sem relação com sua atividade fim. Por isso, uma empresa do ramo sucroalcooleiro, como da AF Andrade, não poderia emprestar um avião. Se o alugasse, teria de comunicar a Anac. “A Anac não foi informada sobre nenhuma cessão onerosa da aeronave”, informou em nota. Para o especialista em direito eleitoral Bruno Martins, se o Tribunal Superior Eleitoral chegar à conclusão de que houve omissão nas informações prestadas pela chapa, pode haver uma desaprovação das contas. “Em último estágio, pode haver até mesmo a impugnação da candidatura”, afirma.

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