sábado, 1 de novembro de 2014

Nordeste cresce mais — mas impacto no PIB ainda é pequeno

Usuários do Bolsa Família em Salvador buscam informações sobre bloqueio inexplicado do benefício em 2008

A vitória acachapante de Dilma Rousseff no Nordeste – com 71,69% dos votos válidos no segundo turno, contra 28,31% do candidato Aécio Neves – colocou em destaque o peso do programa Bolsa Família na escolha dos eleitores. A região tem o maior número de famílias cadastradas no programa, cerca de sete milhões, e seu desenvolvimento econômico na última década tem sido uma das principais bandeiras petistas. Durante a corrida presidencial, em especial nos Estados nordestinos, o partido valeu-se do discurso de fim do Bolsa Família para amedrontar eleitores, caso escolhessem os candidatos de oposição. Contudo, apesar do impulso que o programa deu à economia do Nordeste, cujos Estados tiveram crescimento muito maior do que o Sudeste — de 3,6% até maio, ante 0,4% — o avanço ainda não consegue elevar de forma significativa a participação da região no Produto Interno Bruto (PIB) do País. Dados do último levantamento sobre o PIB das regiões, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a participação nordestina avançou apenas 0,4 ponto porcentual no total da riqueza gerada no País entre 2002 e 2011. O desenvolvimento da região está longe de ser homogêneo e fruto de uma política consistente de governo. Ele está concentrado de forma desigual nos locais mais próximos ao litoral. “É uma região que tem bolsões de riqueza, diferente do que acontece em outras regiões, como Sul e Sudeste”, explica o economista Mansueto Almeida. Quando se analisa o PIB per capita, o desenvolvimento bradado pelo PT não se sustenta. Em 2000, a riqueza gerada por cada habitante da região representava apenas 35% daquela criada no Sudeste. Em 2011, último dado disponível, a relação passou para apenas 36,6%.“Esse crescimento maior não foi nada de excepcional. É um processo de convergência muito lento", afirma. O professor de Economia da Universidade Federal do Ceará, Roberto Tatiwa Ferreira, observa ainda que, por ser economicamente menor, a região Nordeste tende a sentir um impacto maior a cada empresa instalada, quando comparada com a mesma situação em outras regiões do País. “Vamos tomar como exemplo uma situação em que, no Nordeste, haja cinco empresas, e no Sudeste, 100. Na hipótese de chegarem dez empresas no Nordeste e dez no Sudeste, iguais, ao mesmo tempo, o impacto é completamente diferente. Em termos absolutos, o peso disso no Nordeste é maior porque vai ter um salto em valor muito diferente do que no Sudeste, onde a concorrência é maior”, explica. Segundo ele, isso se dá pelo que economistas chamam de efeito de alcance ou "catch up". Ferreira reconhece que as políticas públicas têm influenciado a dinâmica do Nordeste — e não se refere apenas a programas sociais, mas também aos projetos ligados à infraestrutura. “O Bolsa Família tem uma contribuição, mas não é a maior. Ele eleva o poder de consumo de uma determinada classe, mas o crescimento maior se deve a políticas públicas na área de infraestrutura e pela própria dinâmica industrial, que tem observado o movimento e tem migrado ou aberto subsidiárias na região”, explica. O economista Alexandre Rands, da consultoria Datametrica, explica ainda que uma das causas para o crescimento do Nordeste é que houve uma queda de retorno por educação, ou seja, diminuiu o acréscimo salarial por cada ano a mais de estudo, apesar de o número de nordestinos com curso superior ter avançado de cerca de 400.000 em 2000 para 1,4 milhão em 2014. Ele avalia que o avanço salarial dos menos qualificados, num compasso que não é justificado pela melhoria da escolaridade, ajudou a impulsionar o crescimento. “Numa população com menos pessoas qualificadas, esse retorno por educação tende a se igualar. Isso foi um dos fatores que fez o crescimento do Nordeste ser maior”, comenta. Apesar de o PT ter conquistado a grande maioria dos votos no Nordeste, não houve um programa específico do governo para desenvolver a região. Pelo contrário, Ferreira diz ainda que projetos como o Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) acabaram sendo mais relegados nos últimos anos. "Já existiu um plano de desenvolvimento estratégico para o Nordeste. Está faltando conseguirmos formar essa questão do planejamento para o País e a região. Poderia haver um planejamento que aproveitasse melhor as particularidades e tentasse integrá-las com as outras regiões", diz. Alvos de escândalos de corrupção, a Sudene e a Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) perderam muito o seu papel e sua força nos últimos anos. Segundo Ferreira, se as superintendências deixaram de ser veículos de desenvolvimento, é preciso que o governo estabeleça uma espécie de colegiado que faça propostas e alimente um plano nacional e regional de desenvolvimento. "E a gente sabe que um dos grandes gargalos que enfrentamos é o de mão de obra qualificada. Então teríamos que ter investimento direcionado nessa área. A educação de que o Sudeste precisa é diferente da que a do Nordeste precisa. Aqui precisamos de uma conversa maior com os municípios, uma conversa de educação mais básica", explica.

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