quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Assassinato de piloto jordaniano pelos terroristas do Estado Islâmico une o mundo árabe em sentimento de raiva

Um sentimento uniu muitos dos clérigos, grupos étnicos e seitas conflitantes do Oriente Médio na quarta-feira (4): a repugnância gerada pela atrocidade mais recente da organização terrorista Estado Islâmico (EI), que queimou vivo um piloto jordaniano preso dentro de uma jaula. Na Síria, o governo denunciou o grupo que o vem combatendo há meses, mas os combatentes da Al-Qaeda, que se opõem tanto ao governo quanto ao Estado Islâmico, fizeram o mesmo. No Egito, a Irmandade Muçulmana e o governo finalmente concordaram em relação a uma coisa: a barbárie do grupo terrorista, pelo método usado para assassinar o piloto jordaniano, o tenente Muath al-Kaseasbeh. E no Cairo o grão-imã Ahmed al-Tayeb, líder do instituto Al-Azhar, fundado há mil anos, ficou tão enfurecido que pediu que os terroristas do Estado Islâmico sejam "mortos, ou crucificados, ou tenham suas mãos e suas pernas cortadas". A condenação feita pelo importante estudioso sunita foi ainda mais áspera que manifestações semelhantes dos líderes xiitas da região, em termos teológicos os adversários mais tradicionais do Estado Islâmico. 

De uma maneira que não tinha acontecido com as decapitações de reféns, a imolação de al-Kaseasbeh desencadeou em toda a região uma explosão de fúria e repúdio ao grupo terrorista Estado Islâmico ou, entre a maioria dos árabes, como "Daesh". Em uma região cronicamente em conflito e que deu ao mundo a expressão "o inimigo de meu inimigo é meu amigo", o Estado Islâmico de repente viu-se extremamente destituído de amigos. Com um assassinato espantosamente cruel, o Estado Islâmico uniu a maior parte da região contra ele. O sentimento de unidade contra o Daesh levou a cenas estranhas em toda a região. O rei Abdullah 2º da Jordânia, pego de surpresa em Washington quando o vídeo do assassinato foi divulgado, voltou para casa e, em vez de encontrar indignação por sua ausência, foi recebido como herói. Multidões lotaram as ruas em seu trajeto desde o aeroporto para aplaudir a decisão jordaniana de retaliar imediatamente com a execução de dois terroristas já condenados, ambos com vínculos com o Estado Islâmico.

Abdullah, que nunca foi conhecido como líder carismático, foi amplamente elogiado em casa por seu discurso intransigente em Washington, onde, em reunião com líderes do Congresso, disse que sua vingança faria as pessoas pensarem no filme "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood. O deputado republicano Duncan Hunter, da Califórnia, presente na ocasião, disse que o rei prometeu retaliar e "ir atrás dos vilões". O rei não perdeu tempo em concretizar sua ameaça, e antes mesmo de seu avião pousar ordenou a execução dos dois prisioneiros por enforcamento. O vídeo divulgado na terça-feira (3) da morte de al-Kaseasbeh, em que o Estados Islâmico prometeu matar outros pilotos de caças que bombardeassem posições do Estado Islâmico, teve como objetivo claro meter medo na Jordânia e levá-la a abandonar a coalizão liderada pelos Estados Unidos que combate os extremistas. Mas teve o efeito contrário entre muitos jordanianos, e o porta-voz do governo jordaniano disse que agora o reino vai aumentar sua participação no combate à organização terrorista. O pai do piloto, Safi Youssef al-Kaseasbeh, influente xeque tribal, tinha questionado antes a conveniência de a Jordânia estar combatendo o Estado Islâmico. Mas essas dúvidas desapareceram após a morte de seu filho. "Peço à comunidade internacional que dê o castigo justo aos grupos terroristas que não têm religião ou valores tradicionais", ele disse. "Acho que perdemos um piloto, mas ao mesmo tempo, de certo modo, o governo ganhou apoio coletivo, da Jordânia e de toda a região, para o combate aos extremistas", disse Adnan Abu-Odeh, ex-chefe do serviço de inteligência jordaniano. "O Daesh cometeu um grave erro. Quando você está enfraquecido, como eles estão, você tenta fazer seus apoiadores pensarem que você é forte, mostrando-se mais monstruoso. Mas desta vez eles foram longe demais". Na Síria, onde uma insurgência caótica travada há quatro anos favoreceu o surgimento do Estado Islâmico, tanto os partidários do presidente Bashar Assad quanto os que o combatem condenaram o ato, e seus defensores no exterior, também. O Irã, mais importante aliado do governo sírio e adversário da Jordânia, descreveu o assassinato do piloto como "inumano e anti-islâmico". A emissora de televisão Al Manar, pertencente a outro aliado do governo sírio, o grupo xiita libanês Hizbullah, o descreveu como "a mais sanguinária" das muitas atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico. O Qatar, que se opõe a Assad, condenou o assassinato, dizendo que "fere os princípios de tolerância" do islã. A Turquia, criticada por muitos na região por permitir que combatentes estrangeiros atravessem suas fronteiras para entrar na Síria, onde alguns deles ingressam no Estado Islâmico, uniu sua voz às críticas. O presidente Recep Tayyip Erdogan descreveu o assassinato como ato de "selvageria" que não tem lugar no islã, acrescentando: "Condeno e amaldiçoo a imolação do piloto jordaniano". Denunciando o Estado Islâmico como grupo terrorista "diabólico", o líder e grão-imã do Al Azhar, Tayeb, citou versos corânicos para mostrar que o islã proíbe a queima ou mutilação de inimigos de guerra. "Esse ato terrorista vil", ele disse em comunicado divulgado pelo Al Azhar, "exige castigo conforme o prescrito pelo Alcorão para os opressores ou destruidores na terra que combatem Deus e seu profeta: que sejam mortos, ou crucificados, ou que suas mãos e pernas sejam cortadas". Centro de estudos islâmicos, o Al Azhar se vê como paradigma de moderação e tolerância no mundo muçulmano sunita, e o comunicado não explicou a incongruência do fato de Tayeb prescrever alguns dos mesmos castigos medievais que os empregados pelos extremistas. Os principais líderes árabes reagiram à imolação de maneira categoricamente diferente de sua reação à longa sequência de decapitações de reféns que a precederam. Isso pode ter se devido em parte ao fato de que, segundo muitos comentaristas disseram na quarta-feira, queimar uma pessoa viva é proibido no islã, sendo visto como castigo que só pode ser aplicado por Deus, no inferno. Já as decapitações têm histórico longo no islamismo. Apesar de todo o ultraje, alguns na Síria e fora dela lamentaram a ausência de um nível semelhante de revolta diante das centenas de milhares de pessoas mortas na guerra civil síria. A Human Rights Watch e outras organizações que acompanham o conflito observaram que os ataques lançados pelo governo sírio contra cidades com bombas de barril matam muito mais civis que os extremistas, por mais que os métodos do grupo militante possam ser depravados e voltados a chamar a atenção.

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