segunda-feira, 9 de março de 2015

Associação de procuradores critica Renan e sai em defesa da Janot. Ou: A corporação e a República

Vamos lá, leitores! Vamos cuidar de detalhes e nuances, como sempre. Eles fazem a diferença, não? É claro que Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, fez uma ameaça nem tão velada a Rodrigo Janot, procurador-geral da República, conforme apontei aqui no dia 5. Disse o senador: “Nós estamos agora com o procurador em processo de reeleição para sua recondução ao Ministério Público. Quem sabe se nós, mais adiante, não vamos ter também que, a exemplo ao que estamos fazendo com o Executivo, regrar esse sistema que o Ministério Público tornou eletivo”.

Pois é… Não faz sentido o presidente do Senado expressar a sua discordância sobre a forma como se escolhe o procurador-geral quando o MP decide pedir que se abra um inquérito para investigá-lo. Fica parecendo retaliação. E é retaliação! Também deixei claro aqui que, à diferença do que sugere o senador, o órgão não é obrigado a ouvi-lo para um simples pedido de investigação — em caso de denúncia, sim.
Pois bem: A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) reagiu à fala de Renan e manifestou, em nota, “irrestrito apoio ao procurador-geral da República na condução das investigações da Operação Lava Jato”. Nem poderia ser diferente, certo?
Ao Globo, Alexandre Camanho de Assis, presidente da associação, afirmou:“Não tememos absolutamente nada. Os 1,2 mil procuradores da República pelo Brasil têm uma única motivação, que é fazer cumprir a lei. Se temos uma investigação em curso sobre corrupção e lavagem de dinheiro e alguém vem propor uma CPI do MP, só podemos inferir que seja por diversionismo, em uma tentativa de desviar a ótica do país daquilo que realmente está sendo investigado”.  Que eu saiba, ninguém falou em CPI.
Atenção!
Que fique registrado de novo: Renan fez uma ameaça quando é investigado. É inaceitável, e a fala merece o repúdio de qualquer pessoa decente. Que fique registrado de novo: a reclamação do presidente do Senado, que queria ser ouvido previamente, não procede. Está claro? Está claro. Mas vamos nos aprofundar um pouco.
A ANPR se manifesta porque Janot é um dos seus. Mas se manifesta também porque essa entidade, que é de caráter sindical, se outorgou — sim, auto-outorga — o direito de eleger o procurador-geral da República. É ela que elabora a lista tríplice, com base numa eleição promovida entre seus filiados, e entrega à Presidência da República.
O parágrafo 1º do artigo 128 da Constituição define a forma de escolha do procurador-geral da República, a saber:
“O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.”
Alguém leu a palavra “eleição” ou a expressão “lista tríplice” ali? Não, né? Mais: caro leitor, não se deve confundir MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO COM MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. O primeiro é mais amplo e abrange:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
O procurador-geral — no momento, Janot — é chefe de todos eles. Assim, se é para fazer uma eleição direta para escolher esse chefe, que seja feita, então, entre todos os membros do MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Mas não é o que ocorre. Quem vota para elaborar a lista tríplice são só os membros do Ministério Público Federal, reunidos justamente na ANPR, que é uma entidade de caráter sindical, corporativo.
Ah, claro! Como Renan é quem é, falou o que falou, e eu poderia me dispensar de tratar do assunto de maneira tão ampla. Mas aí este blog não seria este blog. Repudio a fala do presidente do Senado e a sua súbita preocupação com a forma como se escolhe o procurador-geral. Se ele se incomoda com isso agora, eu já tratei do assunto no dia 24 de abril de 2013. E eu não tinha, como não tenho, pendenga nenhuma com o Ministério Público. Muito pelo contrário: quando abordei essa questão, eu estava criticando justamente a PEC 37, que queria tirar do órgão o poder de investigar.
Este blog tem as suas escolhas: claras, conhecidas, nunca ambíguas. Mas não abre mão de dizer tudo. Com ou sem Renan, a forma de escolher o procurador-geral da República tem de mudar. Afinal, não se trata de um problema corporativo. Por Reinaldo Azevedo

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