sexta-feira, 13 de março de 2015

Chefes da máfia dos caça-níqueis e traficante internacional tinham contas sigilosas no HSBC, na Suiça

Pelas contas secretas do HSBC na Suíça, passou dinheiro do crime organizado. Aílton Jorge Guimarães, conhecido como Capitão Guimarães e apontado com chefão do jogo do bicho e da máfia dos caça-níqueis no País, está na lista dos correntistas do banco. Radicado no Brasil na década passada, o colombiano Gustavo Durán Bautista, braço-direito do traficante Juan Carlos Abadia, chefe do Cartel del Norte del Valle, na Colômbia, também aparece com um dos donos de conta numerada, que garante anonimato a seus donos. Os dois fazem parte da lista de 8.667 brasileiros que tinham ao menos US$ 7 bilhões depositados na instituição financeira entre 2006 e 2007. A relação foi vazada por um ex-funcionário da filial do banco em Genebra. A presença de recursos do crime organizado repete uma tendência verificada nas investigações dos correntistas internacionais do HSBC, conhecida como SwissLeaks. A apuração já identificou entre os donos de contas numeradas traficantes de diamantes e armas e operadores ligados a ditadores. Entres os citados, está Frantz Merceron, acusado de ser responsável por conduzir dinheiro do ex-presidente do Haiti, Jean Claude “Baby Doc” Duvlaier, acusado de roubar US$ 900 milhões antes de fugir de seu país. Condenado a 47 anos de prisão por corromper magistrados para liberar componentes de máquina de caça-níquel apreendidos, Guimarães continua solto. Bautista está preso no Uruguai desde 2007. Naquele ano, ele foi detido em flagrante quando desembarcava de um helicóptero com mais de meia tonelada de cocaína. Nessa época, ele tinha US$ 3 milhões depositados na Suíça. 

                                           Capitão Guimarães na sede da Policia Federal

Aílton Guimarães Jorge, mais conhecido como Capitão Guimarães, tem 73 anos e é tido como um dos chefões do jogo do bicho e da máfia dos caça-níqueis no Brasil. Embora tenha sido condenado a 47 anos de prisão pela 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, continua solto graças a recursos movidos por seus advogados. Ex-oficial do Exército, citado como torturador no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Guimarães foi preso em abril de 2007, durante a Operação Furacão, que desbaratou uma quadrilha que corrompia magistrados para que eles liberassem componentes de máquinas caça-níqueis apreendidos pela Receita Federal. Na mesma operação, também foram presos advogados, agentes da Polícia Federal, outros bicheiros e três desembargadores. Entre eles estava José Ricardo Regueira, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Na lista de correntistas brasileiros do HSBC na Suíça, os nomes de Guimarães e Regueira aparecem como sendo de correntistas. O capitão, identificado nas planilhas do banco como “comerciante”, abriu sua conta no dia 1º de novembro de 1989 e a encerrou em 20 de setembro de 2003. Em 2007, no entanto, ele ainda figurava como cliente ativo da instituição. A conta de Regueira, por sua vez, foi criada em 15 de fevereiro de 1989 e fechada pouco mais de um ano depois, em 30 de março de 2000. Em 2007, ele também aparecia como correntista do HSBC na Suíça. Nos registros do banco, no entanto, não é possível encontrar qualquer dado sobre o volume de dinheiro que essas contas um dia armazenou. Capitão Guimarães foi agente da repressão entre a primeira metade dos anos 1960 e a segunda dos anos 1970. Ele era oficial da arma de Intendência e servia tanto na 1ª Companhia Indepentente da Polícia do Exército na Vila Militar quanto no Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), o centro de tortura do regime militar na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Em 16 de outubro de 1969, Capitão Guimarães participou da operação que matou o estudante paulista Eremias Delizoicov, membro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), na Rua Toropi, Vila Kosmos, subúrbio do Rio de Janeiro. A carreira de militar de Guimarães sofreu um revés nos anos 1970, quando foi flagrado liderando uma quadrilha de militares, todos de órgãos de repressão, e policiais que extorquia contrabandistas. O então capitão chegou a ser preso e processado, mas o processo foi anulado porque alguns réus provaram que haviam sido torturados nos interrogatórios. Pressionado, Guimarães pediu demissão do Exército em 1981, quando já explorava pontos do jogo do bicho em Niterói e São Gonçalo. A entrada do oficial na máfia do jogo foi apadrinhada pelo então chefe da contravenção, Angelo Maria Longas, o Tio Patinhas. Em pouco tempo, valendo-se dos conhecimentos herdados da administração militar, Guimarães organizou o jogo. Cuidou da divisão territorial, da modernização do esquema de extração e chegou ao topo da organização. No bicho, Guimarães manteve a última patente no Exército. Em busca de popularidade, presidiu a escola de samba Unidos de Vila Isabel e, logo depois, a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), onde, até hoje, exerce forte influência. Capitão Guimarães ainda é apontado como o “dono do jogo” num território de dimensões gigantescas: de Niterói ao Espírito Santo. 

                                             O colombiano Gustavo Durán Bautista 

Em 20 de agosto de 2007, a Polícia Federal fez uma operação em cinco estados e prendeu nove pessoas suspeitas de integrar a quadrilha internacional de tráfico de drogas chefiada pelo colombiano Gustavo Durán Bautista, braço-direito do também colombiano e também traficante Juan Carlos Ramírez Abadía, do Cartel del Norte del Valle. Segundo as investigações, Bautista usava uma empresa exportadora de frutas sediada em Juazeiro (BA) para mandar entorpecentes à Europa, especialmente para a Holanda. Tido como dono de um fortuna avaliada em aproximadamente US$ 100 milhões, Bautista morava numa casa de luxo no bairro do Morumbi, em São Paulo, tinha três fazendas e fazia uso de aviões e helicópteros particulares com frequência. Pouco antes da operação da Polícia Federal, no entanto, ele foi preso na cidade uruguaia de Salto, que fica distante 500 quilômetros de Montevidéu, com cerca de meia tonelada de cocaína. O flagrante ocorreu numa pista de pouso, quando ele desembarcava de um helicóptero. Por conta de seu endereço residencial, em São Paulo, Bautista aparece na lista de brasileiros que têm contas numeradas na Suíça. Por sua nacionalidade, é também listado nas planilhas que reúnem os colombianos. Em ambas, a informação é a mesma: sua conta foi aberta no dia 22 de abril de 2005 na Crossroad Investing Inc. Em 2007, havia US$ 3 milhões depositados nela. A rotina de Bautista numa das prisões de segurança máxima do Uruguai atrai a atenção da mídia local. Em 2010, o jornal “El Pais” noticiou com destaque que o cartel de Bautista havia tentado resgatá-lo. Segundo a publicação, dois homens chegaram de carro à penitenciária e, mostrando credenciais da Interpol, disseram que tinham “uma ordem para levar Durán Bautista” dali. Dois dias depois, o traficante prestaria um depoimento na Justiça. Os agentes penitenciários que estavam de plantão responderam dizendo que não haviam recebido nenhum comunicado oficial, mas se dispuseram a contatar seus superiores. Enquanto a checagem era feita, os dois homens entraram no carro e desapareceram. No Brasil, Bautista responde a sete processos na Vara de Execuções Fiscais da capital paulista. Todos eles tratam do não pagamento de IPTU. Na Vara de Execuções Fiscais do Estado de São Paulo, o colombiano tem mais um processo: por não ter pago IPVA e ITCD (imposto de transmissão causa mortis). Na Justiça Federal, Bautista ainda responde a duas ações penais. Na de 2007, referente à operação da Polícia Federal, ele é acusado de tráfico de drogas. Na outra, que data de 2012, de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos ou valores. De acordo com o advogado João Manoel Armôa, que representa Bautista na Justiça Federal de São Paulo, seu cliente está preso há cerca de sete anos no Uruguai e responde pelos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico. Armôa acredita que seu cliente terá de cumprir pelo menos mais sete anos de cadeia. Só depois, explicou o advogado, ele responderia no Brasil pelos crimes de que é acusado. "Qualquer decisão de extradição para o Brasil só poderá acontecer depois que ele cumprir a pena no Uruguai. E ele não deve sair tão cedo da prisão", afirmou. Sobre a conta no HSBC suíço, Armôa disse não ter como tratar dos motivos que seu cliente teria para remeter e manter o dinheiro no país europeu. Ele não reconheceu nem negou a existência dos US$ 3 milhões que constam como sendo de Bautista nas planilhas do HSBC suíço. O advogado confirmou a informação de que Bautista ainda é alvo de uma ação penal na Espanha, mas destacou que ainda não há condenação contra ele naquele país. Em 2010, a imprensa uruguaia chegou a levantar a hipótese de que o colombiano seria extraditado para a Espanha. Seu colega Abadia, tido como um dos maiores traficantes do mundo, foi pego no Brasil em 2007 e extraditado para a Colômbia. Ter uma conta numerada na Suíça não pressupõe, a princípio, nenhum crime. Não só a legislação suíça permite que elas sejam abertas como também a brasileira. Segundo o Banco Central, os brasileiros têm total liberdade para abrir contas e remeter dinheiro ao exterior. Eles, no entanto, são obrigados a declarar esse movimento à Receita Federal e ao próprio Banco Central, que todos os anos elabora um censo de brasileiros com contas no Exterior. Fere a lei quem não segue essa regra, incorrendo, pelo menos, nos crimes de evasão de divisas, sonegação fiscal e, possivelmente, lavagem de dinheiro. Por suspeitar da origem dos recursos dos correntistas do HSBC Suíço, a Receita e a Polícia Federal já investigam o caso. Segundo especialistas, dois perfis de correntistas fazem uso de contas numeradas: aqueles que querem evitam expor suas fortunas, como celebridades, e os que querem esconder valores obtido de forma ilícita. Neste grupo estão sonegadores, terroristas e traficantes. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse ontem que se reuniu com o embaixador da França no Brasil, Denis Pietton, e pediu a colaboração de seu país para que o Brasil tenha acesso aos dados dos clientes brasileiros que possuíam contas secretas no HSBC suíço em 2007. Sem definir um prazo exato, Cardozo destacou que espera que as informações cheguem “em alguns dias” e se disse disposto a investigar todos os brasileiros listados nos documentos do banco de Genebra. O caminho escolhido pelo governo brasileiro foi recorrer aos franceses — e não aos suíços — porque foi para eles que o ex-funcionário do HSBC Hervé Falciani entregou a base de dados sobre as contas numeradas. "Estive nessa reunião com o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. O embaixador francês foi muito solícito e nos disse que o pedido de documentos deve ser enviado a um juiz de instrução na França e que certamente seria concedida a autorização para termos acesso aos dados e recebermos tudo. Será um caminho rápido, de alguns dias. Embora não seja possível dizer exatamente quando chegam os dados". Se for necessário, o ministro não descarta ir a Paris para acelerar o processo. "Todos esses fatos devem ser apurados com muito rigor. Mas precisamos, em primeiro lugar, ter acesso oficial às informações. Só assim será possível investigar no âmbito criminal, por meio da Polícia Federal, e no âmbito fazendário, com a Receita Federal", disse ele. Até agora, a França já repassou informações a países como Grécia, Espanha, Bélgica e Argentina. Segundo Cardozo, um acordo de cooperação judicial com a França deverá facilitar o acesso aos dados. O Brasil, por outro lado, não tem nenhum tratado do tipo com a Suíça, que não costuma fornecer informações bancárias com facilidade e que enxerga em Falciani um criminoso. Líderes dos principais blocos partidários indicaram ontem os nomes de seus representantes que vão compor a CPI do Swissleaks, a comissão parlamentar criada para investigar envolvimento de brasileiros em suposta lavagem de dinheiro em contas secretas no HSBC na Suíça. Pelas contas do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), só falta a indicação de um representante do bloco do PMDB-PSB para a instalação da CPI, o que deve ocorrer na próxima semana. O bloco governista (PT-PDT-PP) indicou os senadores Paulo Rocha (PT-PA), Fátima Bezerra (PT-RN), Regina Sousa (PT-PI) e Ciro Nogueira (PP-PI). O bloco PSDB-DEM destacou os senadores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). Randolfe, autor do requerimento de criação da comissão, participará da investigação em nome do bloco formado pelo PSOL, PPS, PSB e PCdoB. O bloco PTB-PSC-PS-PRB indicou Blairo Maggi (PR-MT). Caso o PMDB e PSB se recusem a nomear um representante para a comissão, a responsabilidade da indicação passa a ser do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). 


O HSBC informa que o caso está relacionado ao Private Bank da Suíça. O HSBC reforça que o Global Private Banking (‘GPB’) e, em particular sua subsidiária na Suíça, passaram por uma transformação radical nos últimos anos e vêm colocando em prática padrões de primeira classe e também relacionados à compliance com os órgãos reguladores e transparência fiscal. Nos últimos anos, o Private Bank da Suíça reduziu o número de contas em quase 70% e tem agora uma equipe de compliance de mais de sete mil colaboradores, mais de duas vezes o que tinha em 2011. 

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