segunda-feira, 23 de março de 2015

Falta de vagas expulsa trabalhadores de cidade gaúcha


No auge da produção de seu polo naval, na década passada, Rio Grande atraiu dez mil operários de fora do Estado. Mas o sonho de trabalhadores como o mineiro Milton Guimarães e o baiano Wlisses Michel Gomes de fincar raízes na cidade está chegando ao fim: desempregados, os dois “trecheiros” — como são conhecidos os trabalhadores nômades que percorrem o país em busca de oportunidade em obras — já arrumam as malas para pegar a estrada. Agora, com as famílias. Desde novembro de 2013, quando as obras da P-58 foram concluídas, o nível de ocupação nos estaleiros de Rio Grande não pára de cair. De 24 mil trabalhadores diretos em janeiro daquele ano, o pólo naval emprega pouco mais de oito mil hoje, dos quais menos de dois mil são de outros Estados. A cidade tem hoje um contingente de três mil desempregados de fora do Estado, e de quatro mil que nasceram na cidade. O último baque foi a conclusão da P-66, em dezembro, que deixou Milton, de 30 anos, e Wlisses, de 37 anos, a ver navios. Na época em que Wlisses “desceu” para o Rio Grande, conseguir um emprego não demorava mais do que duas semanas. Com o aviso de um tio de que estava “jorrando” emprego no pólo naval, ele arrumou as trouxas e, um mês depois, trouxe a mulher e os filhos. Animado com a perspectiva de emprego farto pelos próximos 30 anos, como prometia a propaganda do governo, financiou casa, carro e moto. O operário trabalhou na montagem da P-55 e depois numa fornecedora de peças para a Engevix até ser contratado pela Ecovix para a construção da P-66. Hoje, percebeu que a vida estável que vinha levando era uma ilusão. "Dizem por aí que vão abrir oportunidades, mas até agora só apareceram dez vagas aqui, outras ali. Antes, abriam 200, 300 num dia só. Vou esperar acabarem as parcelas do seguro-desemprego e, se não aparecer nada até junho, terei que correr trecho de novo. A família, agora, vai junto", disse ele. O mineiro Milton, em Rio Grande desde 2013, completa: "Não queria ir embora. Trouxe a mulher e os filhos, porque achei a cidade boa. Agora, os preços explodiram. Estou pagando R$ 900,00 de aluguel e até para fazer uns bicos ficou difícil. No fim de março, entrego tudo e vou embora". O pólo naval de Rio Grande, localizada no extremo Sul do Estado, a 300 quilômetros de Porto Alegre, apareceu como uma miragem para uma região com a economia estagnada há pelo menos três décadas. A euforia pode ser resumida em um número: a frota de veículos na cidade mais do que dobrou em oito anos, passando de 42 mil carros e motos em 2006 para 107 mil no ano passado. Mas o empreendimento começou a dar sinais de instabilidade quando as encomendas da Petrobras — o único cliente dos estaleiros da região — começaram a rarear, na esteira da crise provocada pela Operação Lava-Jato. Logo que terminou a montagem da P-66, a presidente Dilma Rousseff e a então presidente da estatal, Graça Foster, foram a Rio Grande assinar os contratos de construção das plataformas P-75 e P-77 por meio de um consórcio entre Queiroz Galvão, Camargo Correa e Iesa (QGI). A previsão era para que as obras começassem no fim do ano passado, mas as investigações interromperam a transferência de recursos para as empresas e os projetos foram temporariamente suspensos. A Camargo Correa desistiu do negócio e a Inepar, controladora da Iesa, entrou em recuperação judicial. Restou a Queiroz Galvão, que ainda negocia modificações de preço no contrato. "Mas na Petrobras falar em aditivo de contrato parece um palavrão. Fica impossível executar o projeto", disse uma fonte. Segundo Benito Gonçalves, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Rio Grande, um acordo entre QGI e governo deve sair até o fim de abril: "Fazer uma nova licitação seria oneroso demais". Em outra frente, a montagem dos cascos da P-67 e da P-69, a cargo da Ecovix nos estaleiros Rio Grande I e II, também foi afetada pela Lava-Jato. A perspectiva é a contratação de 600 a mil operários a partir de abril para a “aceleração” dos projetos, interrompidos com a crise da Petrobras. Segundo a assessoria de imprensa da Ecovix, a P-67 está 92% concluída e deveria ser entregue em março, enquanto a P-69 tem status de 75%. O prefeito de Rio Grande, Alexandre Lindmeyer (PT), tenta transmitir tranquilidade: "Nosso desafio é provar que podemos abrir novos nichos de mercado fabricando plataformas para outros países ou apostando na construção de corvetas para a Marinha". O transportador Renan Gutterres Lopes, dono da Universal Turismo, já teve cem ônibus próprios e 80 alugados para o transporte de trabalhadores aos estaleiros. Hoje, a frota tem 35 veículos, e o investimento, de R$ 14 milhões, está longe de ser recuperado. Apreensivo, o empresário Paulo Fraga pensa em desistir. Dono de um restaurante — no qual fez obras de ampliação, contratou pessoal e melhorou a infraestrutura — diz que, se pudesse, vendia o empreendimento ao primeiro que aparecesse. Por qualquer preço: "Cheguei a tirar 300 almoços por dia, agora não passo de 160. Demiti funcionários e ainda tenho que amargar um calote de R$ 60 mil de empreiteiras que, com a crise, foram embora da cidade e deixaram as contas penduradas. Estou fazendo mágica. Voltar ao que foi em 2013, não volta mais", lamenta. 

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