quinta-feira, 16 de abril de 2015

Petrolão faz multinacionais reverem abordagem de corrupção no Brasil

O escândalo de corrupção multibilionária que inundou a Petrobras não poderia ser mais diferente. Com dinheiro alegadamente tendo sido desviado para mais de 300 contas bancárias suíças e lavado através de tudo, desde postos de combustíveis até obras de arte, o maior esquema de corrupção no país é tão complexo que depois de um ano de investigações as autoridades estão apenas começando a compreender seu funcionamento. Enquanto o escândalo mais recente chocou tanto brasileiros quanto investidores estrangeiros, a evolução da corrupção no Brasil nas últimas décadas é, na realidade, uma prova de progresso, dizem analistas. À medida que a Polícia Federal e o Ministério Público ganharam cada vez mais autonomia e influência desde o fim do regime militar, em 1985, os esquemas de corrupção estão tendo que criar métodos cada vez mais sofisticados para conseguir sobreviver. "Dez anos apenas atrás, a corrupção era tão corriqueira que as pessoas nem tinham medo de ser flagradas", comenta o professor de direito André Camargo, do Insper. Mas, enquanto a Operação Lava Jato pode ser vista como vitória na batalha do Brasil contra a impunidade, ela também serve como o aviso mais claro até agora às multinacionais que operam no Brasil e em outros mercados emergentes sobre a importância do cumprimento das leis. As empresas estrangeiras presentes no Brasil sempre sofreram pressões para pagar subornos para acelerar processos regulatórios ou financiar o pagamento de propinas através de serviços de consultoria terceiros, simplesmente para competirem com atores locais. Contudo, como mostra o caso da Petrobras, os riscos de ser flagradas nunca estiveram tão altos quanto hoje, diz o advogado britânico Edward Jenkins, que dá assessoria a empresas que se expandem para o Brasil ou o Caribe. O escândalo da Petrobrás já envolve mais empresas estrangeiras que qualquer outro na história brasileira; a Rolls-Royce e a holandesa SBM Offshore são acusadas de pagar propinas para conseguir contratos com a empresa petrolífera. A Keppel e a Sembcorp Marine, de Cingapura, também são acusadas de participar no esquema de pagamento de propinas por contratos com a Sete Brasil, fornecedora para a Petrobras de sondas para a exploração petrolífera. A Rolls-Royce disse que tomará as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das leis, a SBM Offshore anunciou estar cooperando com a investigação, e a Keppel e a Sembcorp negaram participação em qualquer esquema de corrupção. Enquanto mercados emergentes como Brasil, Índia e China empreendem esforços maiores para enfrentar transgressões corporativas, os EUA e Reino Unido também aumentam a pressão em casa, reforçando a Lei americana contra Práticas Corruptas no Exterior (FCPA) e a Lei do Suborno britânica. Um fato crucial é que há mais cooperação entre os mercados desenvolvidos e em desenvolvimento. "O conselho que dou a empresas estrangeiras é: ajam segundo as normas de seu país de origem, senão vocês vão se queimar feio", diz o advogado Jenkins. Mas seguir esse conselho no Brasil é algo que é mais fácil falar que fazer. Embora a performance do país nos índices globais de corrupção não seja das piores -a Transparência Internacional situou o Brasil à frente da China e Índia em seu ranking de 2014 e no mesmo nível que a Itália –, a desobediência generalizada às normas é endêmica em todos os setores da sociedade. Estudos como a pesquisa Americas Barometer mostram que os brasileiros enxergam a corrupção e o desrespeito às normas em seu país como sendo piores do que indicam os rankings internacionais. Outras evidências relatadas também revelam o desrespeito amplo pela lei e a ordem. Um exemplo é um estudo feito pelos acadêmicos americanos Raymond Fisman e Edward Miguel sobre multas por estacionamento irregular, mostrando que os diplomatas brasileiros superam os de qualquer outro país da América Latina em matéria de violações de seus direitos de estacionamento em Nova York. Um executivo de uma empresa européia presente no Brasil explica: "A corrupção está enraizada na cultura daqui e é algo muito difícil de mudar - é o 'jeitinho' brasileiro", aludindo ao hábito nacional de desviar-se das normas. Em sua forma mais inócua, o "jeitinho" é visto como uma característica positiva da cultura brasileira, na medida em que expressa a criatividade e informalidade que frequentemente são atribuídas ao legado mestiço do País e seus antecedentes ibéricos. Mas o conceito do jeitinho também abrange comportamentos antiéticos, como furar filas e práticas ilegais, como pais subornarem instrutores de direção para que seus filhos possam passar os exames. No caso das empresas, o jeitinho é especialmente perigoso quando se trata de orientar-se pela labiríntica burocracia brasileira e seu enredado sistema tributário (de acordo com o Banco Mundial, uma empresa média precisa dedicar 2.600 horas anuais de trabalho ao cumprimento das exigências deste último). Há intermediários que, em troca de uma taxa, ajudam as empresas a reduzir seu trabalho com papelada. Parte do valor desembolsado com frequência vai parar nas mãos de funcionários locais de órgãos governamentais. É um círculo vicioso no qual tantos indivíduos em posições de poder se beneficiam da burocracia do país que os esforços legítimos para reduzir a burocracia enfrentam resistência enorme. "Há mercados em que é humanamente impossível obedecer as regras, porque a burocracia criada é tão insuperável", diz o professor Camargo, do Insper. Esse tipo de "corrupção cotidiana" é o mais problemático para as empresas que atuam em mercados emergentes, escreveu Ravi Venkatesan, ex-presidente da Microsoft Índia, em artigo para a McKinsey sobre o combate à corrupção. Para as multinacionais, a única solução é investir mais em cumprimento das leis em países como o Brasil. De acordo com Venkatesan, muitas cometem o erro de reservar orçamentos para auditorias e revisões de cumprimento de leis que simplesmente são proporcionais à receita de suas subsidiárias no Exterior. Com o Brasil enfrentando o que pode ser sua pior recessão em um quarto de século, os gerentes de multinacionais no Brasil podem ter dificuldade em convencer seus escritórios centrais a investir mais no País. Contudo, à medida que mais empresas estrangeiras são sugadas para dentro do escândalo da Petrobras, está ficando claro que as multinacionais tampouco podem continuar a dar-se ao luxo de infringir as normas. "Estamos num ponto de inflexão para o Brasil", diz Mark Weinberger, presidente global e executivo-chefe da EY, provedora de serviços profissionais: "As empresas estão concluindo que nunca vale a pena seguir um atalho para poder competir por um projeto ou oportunidade de mercado específico, quando isso coloca seu nome em risco".

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