segunda-feira, 27 de abril de 2015

UM ARTIGO MUITO IMPORTANTE DE LUIS MILMAN, DOUTOR EM FILOSOFIA - OS TOTALITÁRIOS E O FIM DE UM CRIME

Há uma lógica perversa e contínua na prática comunista desde o seu surgimento no século XIX. O Manifesto Comunista de 1848, as atas dosatuais Foro de São Paulo e Forum Social Mundial, assim como adecretocracia da Venezuela e sua tentativa de implantação no Brasil, com a edição do Decreto dos Conselhos Populares (2014), bem como a sempre alardeada ameaça de fixar um controle “democrático” da mídia, reproduzem o modelo de captura das relações humanas, em todos os níveis, do estado controlado pelo partido. No Manifesto, Marx e Engels partiam da noção logicamente opaca de luta de classes. A análise sine ira do marxismo,calcada apenas na lucidez e no bom senso, muitas vezes instiga mugidos de altercação em hordas de ruminantes intelectuais da esquerda, mas não se deixa abater pela algaravia. Distantes do discernimento, imunizados contra o debate de ideias por uma crosta ideológica, aqueles que clamam pela salvação de certas clientelas eleitas - os pobres, os negros e os gays-, que apregoam o surgimento de novos tipos de famílias homoafetivas e que elevam a degradação lumpemproletária à condição de cultura, não são capazes, sequer, de encarar o fato de que o que se predica de um membro de uma classe não pode ser predicado da classe. Por exemplo, a classe dos proletários oprimidos não é oprimida, assim como a classe das mulheres vesgas não é vesga. Classes são constructos lógicos e qualquer tipo de realismo metafísico que apliquemos a elas esboroa-se, juntamente com paradoxos, para os quais os geniais Marx, Engels e Lênin não atentaram porque não entediam nada de lógica formal e viviam de uma sentimentalidade pseudocientífica agarrada a abstrações. Marx, que se deteve tanto na crítica da economia de seu tempo, faz parte da pré-história em termos de lógica de primeira ordem e teoria econômica. Isto é fato. Somente indivíduos como Valter Pomar, Marco Aurélio Garcia, Frei Beto, Leonardo Boff e Tarso Genro insistem em defender a existência de uma teoria do valor-trabalho e permanecem como herdeiros do troço abstruso de Hegel, a dialética, com a qual fazia ginásticas mentais o austero Caio Prado Júnior, um de seus grandes adoradores brasileiros. Fossem eles capazes de pequena dose de reflexão, dedicar-se-iam mais à exegese de seu próprio cânone, daquele mesmo conjunto de textos da escola marxiana, cujo objetivo era analisar os fundamentos socioeconômicos da sociedade industrial do século XIX e projetar, ao modo historicista, as inevitáveis quedas do capitalismo e ascensão da sociedade sem classes dos produtores livres. Esta base profético-historicista ruiu, porque sustentada em uma falsa economia e em uma falsa sociologia. Colocadas de lado as fabulações de fanáticos e oportunistas de esquerda, é fato que a análise exigível da teoria marxiana revela que a ciência revolucionária dos comunistas é não apenas falível, como seria de se compreender de uma hipótese de economia política, mas insustentável. O conceito de classe é oco e se depreende - porque jamais foi definido pelo próprio Marx- que o autor de O Capital estava fazendo uso de uma noção vulgar de agregado, ao qual pertenceriam indivíduos portadores de uma propriedade comum. No caso, dos proletários, aqueles que possuem força de trabalho, são empregados e remunerados quando a vendem; no caso dos burgueses, aqueles que detêm a propriedade dos meios de produção, as fábricas ou a terra e que compram a força de trabalho. Entre os dois agregados haveria uma tensão, um conflito, ao longo da história. A aplicação do conceito de dialética às coisas e à história é de responsabilidade de Hegel, mas pode ser rastreada até mesmo às formulações de Maniqueu e dos primeiros gnósticos. A elevação hegeliana da dialética à dinâmica do ser-em-si-para-si e a sua entificação como movimento inerente à história, como logos encarnado nela (o Princípio de Heráclito), provoca a desestruturação da possibilidade de pensar, porque rompe com os compromissos com a lei da não-contradição e do terceiro excluído. Vejamos, num exemplo, como seguidores de Marx fazem o elogio do obscurantismoo, na esperança de desvendarem o mistério da realidade: "a dialética é a ciência que mostra como as contradições podem ser concretamente (isto é, vir a ser) idênticas, como passam uma na outra, mostrando também porque a razão não deve tomar essas contradições como coisas mortas, petrificadas, mas como coisas vivas, móveis, lutando uma com a outra em e através de sua luta (Henri Lefebvre, Lógica Formal-Lógica Dialética, trad. Carlos Coutinho, 1979, p. 192). Temos aqui a essência da agressão aos princípios lógicos, a elevação de uma mítica à condição de ciência, que seria capaz de desvendar o atrito de alegadas contradições "vivas", constituintes do próprio ser, neste caso, da sociedade dividida que se encontra em permanente conflito, configurado, ao longo da história, em distintas relações de produção. Em verdade, mero escrutínio racional devasta a precariedade deste fetiche solene, que parte do princípio segundo o qual qualquer coisa "nega" a si mesma para produzir uma terceira coisa, a síntese das anteriores. Dose pequena de lógica é suficiente para denunciar esta aventura como irracionalista. Uma sentença do tipo p e não p não pode servir de base para construção de qualquer teoria, porque assim teríamos de aceitar que a toda a afirmação e a infirmação de p é verdadeira, o que é um absurdo, mesmo em termos de lógicas não-clássicas, como a paraconsistente. A ideia hegeliana não passa de um espantalho materializado por Marx e colocado no campo da “economia politica”. Marx, aliás, não era apenas um cientificista; era também um sentimentalista que se apegava a abstrações e desprezava os fatos. Por isso, recorreu ao fetiche da luta de classes para elaborar sua filosofia da história com base no materialismo que ele chamou de dialético. Para ele, em sua forma materialista, a dialética explica a forma do devir no fluxo do movimento (O Capital). Nem vou me deter na ideia pífia de matéria da qual Marx partiu. Ele tinha lá sua filosofia corpuscular da matéria, a mesma que Demócrito apresentou, mas introduziu a concepção segundo a qual esta matéria primitiva se tornava matéria socialmente relevante, se humanizava, uma vez transformada pela ação do homem. A história tem sua matriz nesta descoberta, a de que o homem, na busca por objetivos de subsistência e sobrevivência, transforma a matéria e cria a si mesmo e os modos de produção cada vez mais sofisticados, os últimos em relação aos que os precederam. Na onda de que tudo se movimenta e qualquer coisa contém a sua negação, ele propôs o sistema que alegadamente explicaria a consumação de todo o processo desta criação, a história, no qual o modo de produção capitalista seria extinto. A implantação da utopia, ainda tão esperada por comunistas de todos os matizes, foi intentada mais do que uma vez no século XX e só resultou em desgraça. Se analisarmos, descontando a linguagem de disfarce, o texto dilmiano do Decreto dos Conselhos Populares ( derrubado, em tempo, no Congresso), vemos que ele tentou reeditar a noção de subverter o ordenamento político e jurídico do país. Mais atentamente, o tal Decreto revelava-se como plano de aplicação de propostas comunistas e, neste sentido, filiava-se ao Manifesto, porque não era um programa de metas a serem atingidas para que se preservasse a dignidade e a liberdade dos indivíduos, mas um plano que descortinava os métodos de transformação da sociedade pela via do controle exclusivo do estado pelo partido. O que se descortinava, no Decreto, era o uso proposital de uma novilíngua para fins de captura de todos os ativismos numa rede que enlaçava as demandas de minorias ao dirigismo estatal. Só não vê quem não quer: havia uma filiação do Decreto aos textos fundadores do comunismo. Consideradas as devidas mediações de ordem histórica e os métodos de obtenção de uma hegemonia cultural antiburguesa, de acordo com o registro gramsciano, tudo o que se move em sociedade, economia e cultura deve ser sistematizado pelo modelo dirigista do partido, no caso o PT. A nova hegemonia evidenciava seu parentesco com o Manifesto Comunista, porque, como este, pretendeu plantar, a um só tempo, a crítica da política e da economia capitalistas e as ações que farão a transfiguração dos marcos da sociedade neoliberal. O Manifesto de Marx e Engels é tão transversal, a exemplo da Mensagem da Direção Central à Liga dos Comunistas (1850), como o é seu esbirro petista, na medida em que todos encadeiam a crítica à sociedade, na qual trabalhadores (e agora minorias oprimidas e segmentos da sociedade civil) são vitimizados. E passam a agir sob tutela do partido, deflagrando uma transformação sociocultural, a ser imposta com a utilização de todos os meios estatais disponíveis para instruir crianças e jovens neste humanismo planificado. O decreto é uma aberração; sua enunciação ideológica é destrutiva com relação à visão de mundo dita neoliberal (neologismo que, como sabemos, substitui o termo "burguesia"). Devemos ter em mente que, para Marx e Engels, importava tornar assíduas as ações políticas dos partidos comunistas a partir de compromisso a serem atingidos com metas definidas. O panfleto de 1848 e as diretrizes de ação daMensagem (1850) são, efetivamente, as fontes de inspiração do Decreto dos Conselhos e devemos analisá-lo desde a noção de transversalidade,segundo a qual todos os vetores da vida, seja ela privada ou social, se entrecruzam. Com ela, os petistas desejaram demarcar ações revolucionárias num todo abrangente, do qual nada escapa. Quando lemos os eixos orientadores, as diretrizes e os objetivos estratégicos do Decreto, deparamo-nos com uma planificação totalitária de ação política, cujo fim é exterminar o estado democrático de direito. Se Engels e Marx, em 1848 e 50, estabeleciam as distinções entre a ação comunista e as demais formas de ação política, com base na ideia de luta de classes, modulando-as às circunstâncias dos distintos países europeus, o Decreto dos Conselhos faz o mesmo, com a diferença de que nele, por razões estratégicas, estão camuflados, por meio de um falatório de aparência benigna, os objetivos já antecipados pelo Manifesto Comunista. Se antes o lema era estimular, junto aos trabalhadores a união política em torno de luta de classes, agora a pretensão dos petistas é a de organizar os "movimentos sociais" em torno da ideia de participação popular na administração pública. Trata-se de mera manobra linguística, que distorce e se apropria de uma bandeira aparentemente atrativa para o consumo das massas, pouco informadas com respeito à etiologia destes direitos. Quando, com olhar calmo, examinamos essa etiologia, nos damos conta de que os espertos autores do Decreto são os mesmos que conduziram a Petrobrás ao desastre econômico pela via do dirigismo de partido e da corrupção sistêmica. Eles estão comprometidos com uma modalidade dirigista de subtração de direitos democrático-constitucionais, que têm no princípio da representação, na transparência no trato com a coisa pública, na distinção entre partido e estado, na preservação da liberdade individual e na proteção da autonomia dos indivíduos, os seus princípios fundantes. Ora, nenhum marxista pode conformar-se com uma declaração como essa, cujo conteúdo é incompatível com uma visão totalitária das relações humanas. Os redatores do Decreto dos Conselhos, os gestores políticos da Petrobrás, os articuladores de nossa política externa secreta, são, enfim, marxistas-leninistas e, por isso, desafiam a todos aqueles que se preocupam com os direitos políticos liberais, com o ordenamento jurídico-constitucional, com uma interpretação outra que não seja a de institucionalização de garantias individuais em sociedades democráticas e com a transparência na gestão da coisa pública. Sociedades constitucionais simplesmente não podem conviver com um partido que se mete a regulamentar tudo na vida das pessoas e não se concilia com a ausência da ética derivada da tradição judaico-cristã e do direito natural. Marxistas jamais produziram uma teoria ética e sempre relativizaram a axiologia por parâmetros da luta de classes. Por isso, para eles, o crime, tal como definido na lei das democracias constitucionais, não é, de fato, crime, mas, muitas vezes. forma de ação política revolucionária, um meio dos quais se utilizam quando lhes é conveniente e que se legitima na ideia de varrer da história a injustiça inerente ao capitalismo. O conceito de participação popular, que perpassou o Decreto de Dilma Roussef, era o instrumento por meio do qual um ainda iludido petismo pretendeu estabelecer uma rede totalitária de controle da vida social. Era o primeiro estágio teórico-legislativo da tirania que tornaria palatável o convívio com a fraude e a corrupção no estado e em todos os níveis sociais. Neste sentido, era resultante do ideário comunista ativo dos nossos governantes, que hoje, não por acaso, enfrentam a fase mais aguda de esgotamento de seu projeto de poder. Mas, a sociedade brasileira, finalmente, cansou. Ela quer vê-los expulsos do comando de um país que, por doze anos, governaram com corrupção deliberada e desavergonhada, improviso administrativo e alinhamento com o obscurantismo. A nação, enfim, grita: “Fora PT".

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