quarta-feira, 10 de junho de 2015

COMPRA DE AVIÕES DA EMBRAER COM FINANCIAMENTO DO BNDES ESTÁ SENDO INVESTIGADA PELO FBI

Cristina Kirchner testa sistema de diversão de vôo; advogado que denunciou o caso, preços pagos foram "exorbitantes"
Documentos inéditos obtidos por BRIO mostram que a compra de aviões Embraer pela Austral Lineas Aéreas é investigada pelo FBI e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, além de SEC (Securities and Exchange Commission). Há suspeitas de sobrepreços de US$ 60 milhões e pagamentos de propina a um ex-ministro Argentino. O financiamento do BNDES foi articulado por um assessor informal da administração Kirchner, nunca nomeado oficialmente. Pilotos da Austral chegaram a ir ao ministro do Planejamento para criticar a compra. Ouviram como resposta: "É um negócio entre Lula e Cristina", como relata Emilia Delfino, especializada em cobertura judicial e sub-editora de Política do Diário Perfil, de Buenos Aires. 
Compra na mira do FBI
Fazia 13 meses que Ricardo Jaime havia fechado o contrato com a Empresa Brasileira de Aeronáutica SA (Embraer), seu último grande ato como Ministro dos Transportes da Argentina. A aquisição de 20 jatos E-190 para Austral Lineas Aéreas, uma empresa controlada pela Aerolíneas Argentinas, foi oficializada em 21 de maio de 2009. Em julho daquele ano, Jaime renunciou ao gabinete da presidente Cristina Fernández de Kirchner. O político tinha se tornado o emblema de corrupção durante o mandato do ex-presidente Néstor Kirchner, e por isso virou alvo de dezenas de processos judiciais, o que não impediu que participasse nas negociações para o contrato com a Embraer, que superou US$ 729 milhões e conseguiu se materializar, porque o BNDES financiou 85% da transação. Jaime vinha negociando com brasileiros desde maio de 2007. Ele já não era um homem forte do governo em 7 de junho de 2010, quando a Justiça Federal fez uma busca na casa de sua filha Julieta, em um bairro da província de Córdoba. Procuradores federais, policiais estaduais e federais revistavam a casa em busca de evidências para o principal processo criminal contra Jaime: o de enriquecimento ilícito. O crescimento dos ativos do ex-funcionário era considerado inexplicável e logo viria à tona um outro escândalo que envolveria o BNDES e a Embraer. Enquanto revistavam a propriedade, Jaime não pensou duas vezes e tentou esconder algumas provas. O policial Miguel Ángel Maidana o pegou em flagrante e exigiu que devolvesse o que havia roubado. Mais tarde, esse caso valeu a Jaime sua primeira condenação judicial, por subtração de provas. Jaime é o principal suspeito de ter negociado um acordo com a Embraer e BNDES acusado de irregularidades, juntamente com seu assessor "honorário" Manuel Vázquez. Juntos, eles negociaram o contrato que gerou suspeitas de superfaturamento entre US$ 3 e US$ 5 milhões por avião. Mesmo se considerado o valor menor, o total atingiria US$ 60 milhões, equivalente ao que o Estado argentino gasta por ano com as políticas de ciência e tecnologia ou na formação de professores. O acordo só foi possível graças à liberação de dinheiro do BNDES. Na Argentina, o caso veio à tona em setembro de 2009 depois de um artigo do diário La Nación, revelando as suspeitas de superfaturamento dos aviões. O advogado Ricardo Monner Sans, que preside a Associação Civil Anticorrupção, entrou com um processo penal contra as autoridades. E assim iniciou-se uma investigação judicial, hoje nas mãos do juiz federal Sergio Torres. O juiz argentino expediu vários mandatos de busca na Aerolíneas Argentinas e em escritórios do governo envolvidos no contrato com a Embraer, além de ordenar uma perícia contábil no empréstimo do BNDES que garantiu a transação. Nos documentos obtidos nesta reportagem, ele deixa claro que investiga "fraude contra a administração pública". Segundo o juiz, a compra dos aviões se deu "através de um Banco Nacional Brasileiro". Até o momento nenhum funcionário deu explicações para a Justiça. Monner Sans apresentou sete petições ao juiz Torres, mas não teve acesso ao processo, por causa de uma regra que impede denunciantes que não são diretamente afetados pelo caso de acessar o conteúdo do inquérito. "Parece que o segredo serve aos grandes negócios do poder e os juízes preguiçosos, lentos, para dizer de uma forma elegante", diz o advogado. "Uma das sugestões que eu fiz é que se a SEC sabe de tudo porque, como foi feito em outras oportunidades, o juiz não viaja para os Estados Unidos e o Brasil para ver como se originou esse negócio, que teve o pagamento de sobrepreços absurdos. É essencial continuar insistindo em ter acesso aos elementos de prova que a SEC tem", resumiu o advogado denunciante. Para o advogado, a Justiça argentina também deve investigar o banco brasileiro. "Se o BNDES não tivesse colocado uma parte significativa nas chamadas cartas de crédito, não poderia funcionar a economia do contrato. Ou seja, o BNDES também tem de ser investigado por esse contrato. O banco não poderia ignorar o que estava acontecendo", acrescentou Monner Sans. Dois anos após a denúncia criminal, o caso se ramificou para os Estados Unidos. Em 2011, a Embraer apresentou a investidores de Wall Street os resultados da empresa para o terceiro trimestre daquele ano. Nesse documento, a empresa incluiu um parágrafo solitário na página nove intitulado "Outros eventos", no qual confirmou que estava sendo investigada pela Securities and Exchange Commission (SEC) por "possível violação Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras nos Estados Unidos". Apesar de ser brasileira, a Embraer pode ser investigada nos Estados Unidos por ter ações negociadas na Bolsa de Nova York. A notícia da investigação da SEC foi divulgada em 2013 e rodou o continente, desde os EUA até o Brasil e a Argentina. Imediatamente, a agência estatal de notícias Telam — controlada pelo governo de Cristina Fernández de Kirchner — enviou uma nota atribuída à Embraer negando qualquer ligação da Argentina com a investigação da SEC. ''A Companhia refuta categoricamente as alegações sobre qualquer irregularidade no processo de venda dos aviões para a Austral Linhas Aéreas", diz o comunicado de imprensa. Não era verdade. Em junho de 2014, Mary Ellen Warlow, Diretora do Escritório de Assuntos Internacionais do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, enviou o documento para a Justiça argentina, obtido com exclusividade por BRIO. É a primeira vez que se confirma a investigação internacional sobre o caso. Nesse documento, os Estados Unidos admitem que o "Departamento de Justiça, o Federal Bureau of Investigation (FBI) e a Securities and Exchange Commission dos Estados Unidos atualmente investigam a Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) por possíveis violações da lei dos Estados Unidos, incluindo o direito de Corrupt Practices Act Exterior (FCPA), por alegados subornos para Don Ricardo Jaime, o ex-ministro de Transportes da Argentina. A FCPA proíbe o pagamento ou promessa de pagamento, qualquer coisa de valor a funcionários públicos estrangeiros em troca de obter ou manter negócios". No documento, o Departamento de Justiça argumenta que "os Estados Unidos foram informados que a autoridades de fiscalização (Ministério Público) e judiciais investigam Jaime por supostamente receber pagamentos de suborno da Embraer e de outras empresas". A agência dos EUA faz referência inclusive à principal acusação contra Jaime, por causa do suposto enriquecimento ilícito, em que o ex-funcionário está próximo do julgamento oral e público. Jaime foi processado em meados de abril de 2014. Os Estados Unidos esperaram apenas dois meses antes de o Departamento de Justiça enviar o pedido de cooperação para a Justiça Argentina. A base jurídica para essa troca de informações e provas entre os países é a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros. "Para avançar a investigação nos Estados Unidos, as autoridades solicitam os documentos recolhidos durante a investigação argentina", lê-se no documento. "As autoridades norte-americanas entendem que Jaime aprovou a compra dessas aeronaves na sua qualidade de ministro (sic) dos Transportes. Além disso, as autoridades americanas acreditam que Manuel Vázquez, um assessor de Jaime, participou nas negociações com a Embraer, diretamente ou através de sua consultoria, a Controles e Auditorias Especiais Argentina SA (Caesa)". O caso permanece aberto com a SEC, o FBI e o Departamento de Justiça. O Departamento de Justiça pediu que as autoridades da Argentina remetam por meio do adido do FBI na embaixada de Buenos Aires os documentos, computadores pessoais e de escritório, e-mails, informações e depoimentos de testemunhas, listas que identifiquem nomes de taxas e condições emprego de todas as pessoas, contratadas pela Embraer, que tenham sido investigados ou estejam envolvidos em qualquer esquema de suborno na Argentina. Os americanos pedem ainda outros itens apreendidos nas buscas nas residências e escritórios de Jaime e Manuel Vázquez, assim como tudo o que tenha sido apreendido na Argentina sobre a venda das aeronaves Embraer para Austral, ou informações relacionadas com subornos aceitos por Jaime Vázquez. De acordo com as autoridades dos Estados Unidos, a Embraer não manteve registros dessas transações com Jaime e Vázquez, conforme exigido pelas leis daquele país, mas BRIO descobriu e-mails, documentos e conversas que demonstram a participação ativa do ex-ministro e de seu conselheiro espanhol nas negociações com a empresa brasileira. Consultada por BRIO, cinco anos depois, a Embraer disse que "sobre supostos pagamentos indevidos, a questão está sob investigação no Brasil e nos Estados Unidos. Por isso, a Embraer não está apta para fazer comentários adicionais sobre qualquer aspecto do caso. Quanto aos preços de aeronaves, tais informações são registradas por obrigações de confidencialidade, de modo que a sua divulgação não é permitida", garantiu a companhia em um e-mail. Aerolíneas Argentinas, por outro lado, não quis dar sua versão dos fatos. BRIO consultou a companhia argentina sobre sua versão dos acontecimentos, mas a empresa nunca deu uma resposta. Nos últimos meses, o presidente da empresa, Mariano Recalde, estava envolvido com a sua campanha para o prefeito da Cidade de Buenos Aires. Nos balanços da companhia aérea, de 2009, a empresa defende a compra da Embraer e salienta que ela envolveu a modernização da frota com tecnologia de ponta. 
O negócio de nossas vidas.
Entre 2008 e 2009, as autoridades argentinas viajaram várias vezes para a planta da Embraer, mas existem registros públicos de apenas uma viagem, em abril de 2009, quando três funcionários negociaram o empréstimo com o BNDES por meio da Embraer. Além de Jaime, também estiveram presentes nessas reuniões o então presidente da Aerolíneas Argentinas-Austral, Julio Alak, e o então ministro do Planejamento, Julio De Vido. Todos foram figuras centrais nos governos do casal Kirchner. Na Aerolineas Argentinas, Julio Alak atuou primeiro como representante do governo argentino no conselho da empresa durante a gestão da empresa espanhola Marsans. A própria presidente Cristina Fernández de Kirchner o convocou para a tarefa em março de 2008. Após a nacionalização da empresa, tornou-se seu presidente. Alak é de La Plata, na província de Buenos Aires, a cidade onde nasceu e foi criada Cristina Fernandez de Kirchner e onde a mãe, Ofelia Wilhelm, ainda vive, quando não se hospeda na residência presidencial. La Plata é um dos berços do poder político na Argentina, bastião peronista por excelência. Alak foi prefeito da cidade por quatro mandatos consecutivos, entre 1991 e 2003. Julio De Vido acompanha os Kirchner desde os governos de Néstor K. na província de Santa Cruz. Era um de seus homens de confiança e um dos cérebros do modelo kirchnerista. Ele foi um dos responsáveis pela aprovação da aquisição da aeronave por meio de uma compra direta e não permitiu um processo de licitação em busca de outras ofertas que melhorassem o preço. Pelo menos dois sindicatos expressaram reservas e críticas à compra da Embraer. A Associação de Pessoal Técnico Aeronáutico (APTA) solicitou um estudo técnico-operacional sobre o tipo de aeronave que seria mais adequada para as dimensões do mercado de aviação argentino. É o tipo de estudo que é realizado antes de uma licitação para estabelecer os parâmetros vantajosos e rentáveis. Aerolineas Argentinas nunca lançou um estudo desse tipo para justificar a compra da Embraer e outras aeronaves, como a Boeing ou Airbus. A compra direta das aeronaves financiadas pelo banco brasileiro se deu no âmbito de um acordo político entre os governos da Argentina e do Brasil. Meses antes de ser concretizada, quando os pilotos da Austral se reuniram com o ministro De Vido, e disseram que comprar 20 aeronaves seria um exagero, o ministro respondeu: "É um negócio entre Lula e Cristina". No Aeroparque Jorge Newery, em Buenos Aires, onde ocorre a maioria das descolagens e aterrissagens dos vôos da Austral, há tantos aviões que três choques foram registrados por falta de espaço. No entanto, o contrato não teria sido finalizado se não fosse pela participação de um facilitador informal. Nessa mesma viagem estava presente Manuel Vázquez. Depois de fechar o negócio, ele pegou um vôo privado em um Lear Jet para voltar a Buenos Aires. O excesso de champanhe Pommery era evidente, admitiu ao BRIO um dos companheiros de viagem. Vázquez estava exultante. "Acabamos de fechar o negócio de nossas vidas", vangloriou-se durante o vôo. Manuel Vázquez assinava como "embaixador" do Governo nas reuniões do conselho da Aerolineas Argentinas e participava em negociações com a Embraer e BNDES. Isso é evidenciado por uma troca de e-mails entre o então assessor do Ministro dos Transportes e funcionários da Embraer, obtida por BRIO. O poder dado a Vázquez foi tal que o presidente da Aerolineas Argentinas, Julio Alak, chamava-o por telefone para saber mais sobre o curso das negociações com a Embraer, segundo relato de um ex-funcionário do governo que testemunhou essas situações. Em 10 de maio de 2007, dois anos antes de fazer a compra dos 20 aviões E-190, Manuel Vázquez convidou o presidente da Embraer para se encontrar com o então presidente Kirchner na Casa Rosada, sede do governo argentino. No dia anterior, Vázquez tinha feito o convite por telefone ao gerente regional de vendas da Embraer, Alex Glock, mas oficializou o pedido em uma carta escrita em inglês. Ele assinou como "assessor para assuntos estrangeiros" do Ministro de Transportes. Após essa carta, Vázquez visitou a sede da Embraer, em nome do governo argentino, segundo e-mail enviado pelo gerente regional de vendas da Embraer exatamente dois meses após a carta-convite. "Estamos encantados com seu interesse. No entanto, recusamos o convite neste momento porque nós estamos usando nossos canais de comunicação diretos através do Governo em Brasília. Eu gostaria de agradecer a você e se manter em contato, de boa fé, que resultará em oportunidades futuras", escreveu o brasileiro, com uma pitada de desconfiança. Com o tempo, os esforços deram resultados. Em outra troca de e-mail, de 25 de agosto de 2008, o novo diretor regional de vendas da Embraer, Reinaldo Krugner, escreveu a Jaime e a Vázquez sobre o sucesso de uma reunião de representantes argentinos com funcionários da empresa brasileira. "Frederico F. Curao nos disse que a reunião em Brasília saiu muito bem. Estamos à sua disposição para nos reunir em Buenos Aires, se vocês preferirem. Se não, vamos nos encontrar novamente na Embraer como planejado", escreveu o brasileiro. Krugner voltou a se comunicar com os argentinos em 5 de novembro de 2008. Desta vez, ele escreveu para Julio Alak e Pablo Chini, então gerente de Planejamento Estratégico da Aerolineas Argentinas, com cópia para Manuel Vázquez. O e-mail atesta novamente como se deu a negociação com a Embraer: o acordo foi enviado para a Aerolineas Argentinas após o pato com Jaime e Vázquez. Escrevendo aos "queridos Julio e Pablo", o gerente regional de vendas da Embraer anexou um arquivo PDF com a proposta para a venda dos E-190 e pediu para manter a ligação com Vázquez, como se o assessor de Jaime trouxesse na manga a garantia do negócio. "Eu gostaria de informar que o acordo de confidencialidade foi enviado nesta manhã para o Sr. Manuel Vázquez, que ontem à noite deu-nos as informações necessárias para preparar o documento. Considerando que foram apresentados pelo Secretário Jaime como seu conselheiro iria pedir o seu compromisso de continuar este processo com o Sr. Vázquez com o objetivo de obter com urgência a assinatura do documento", escreveu Krugner. Vázquez foi investigado como o suposto testa de ferro do ex-secretário de Transporte, foi processado e está prestes a ir a julgamento. Há também a suspeita de que sua consultoria Controles y Auditorías Especiales S.A. (CAESA) foi utilizada para canalizar subornos. O promotor federal que realizou a investigação por enriquecimento ilícito é Carlos Jaime Rívolo. Em seu escritório no quinto andar dos tribunais federais da Capital Federal, ele explicou que "o processo judicial também originado por uma reportagem investigativa na qual se afirmava que Jaime, que assumiu o cargo de secretário de Transportes, em 2003, tinha chegado ao poder com um patrimônio zero, quase um patrimônio líquido negativo, mas seu modo de vida e suas condições não refletiam isso. O inquérito pôde determinar mais tarde que ele enriqueceu ilicitamente. Começamos a investigar o que chamamos de "satélites" de Jaime: seus familiares mais próximos que funcionavam como laranjas. Suas filhas, sua ex-esposa e sogros. E Manuel Vasquez", disse o promotor em uma entrevista ao BRIO. "O que nós determinamos é que a capacidade de produção de dinheiro dessas pessoas era nula, mas elas tinham uma enorme quantidade de bens que estão relacionados com a figura e a chegada ao poder de Ricardo Jaime", disse Rívolo. "Seus ativos realmente excediam quase 12 milhões de pesos — mais de 1,3 milhões em dólares oficiais na Argentina —, bens que ele podia ter obtido legalmente". Isso significa que o ex-funcionário não conseguiu justificar para a Justiça os bens que obteve enquanto era funcionário do governo, entre 2003 e 2009: um avião Lear Jet no valor de U$S 4.000.000,00 — o mesmo avião em que Vázquez voltou a Buenos Aires depois de assinar o acordo com a Embraer —, um iate de US$ 1,4 milhões, oito casas, um spa, terrenos nas províncias de Córdoba e Santa Cruz, e um hotel no Brasil. Seu irmão Daniel, sua ex-esposa Silvia Reys, empresários, Vázquez e seu filho, Julian, também foram processados como cúmplices do ex-ministro. Suas três filhas, como encobridoras. O relacionamento de Jaime com Vázquez tinha uma característica suspeita. O assessor trabalhava "de graça" para o Estado argentino. Vázquez foi designado oficialmente por Jaime como conselheiro honorário. Essa decisão nunca foi notificada pelo ministro para a área de Recursos Humanos, por exemplo. Mas, com essa designação, Vázquez poderia aparecer para fazer negócio com empresários, observa Rívolo. A Justiça comprovou através dos 25.000 e-mails apreendidos que Vázquez usou o cargo de consultor no Estado para fazer negócios privados. Teria sido, também, o meio para coletar subornos de empresas estrangeiras de transporte que firmaram acordos com o governo. Rívolo recorda que, durante sua investigação, explorou a relação estreita entre Jaime e o Brasil. "A partir de documentação que apreendemos apareceu um documento de um imóvel na cidade de Jurerê Internacional, que estava em nome de uma de suas filhas. Além disso, seu irmão Daniel estava vivendo no Brasil. Entre os e-mails de Vázquez havia trocas com Daniel Jaime, onde Vázquez escreveu sobre a possibilidade de trabalhos no país. Ele exigiu um pagamento ou salário pelos negócios que não teriam sido realizados. No Brasil também apareceu um barco, um iate, cujo testa de ferro é Manuel Vázquez. O assessor estava envolvido na transação do barco. Foi autorizado a retirar o barco. A pedido da Justiça Argentina, o iate foi identificado pela prefeitura de Angra dos Reis. Hoje atribuímos ele a Jaime, como um de seus ativos", diz o promotor. "Acreditamos que Jaime tinha o poder de decisão e dava o aval para levar adiante os acordos ilícitos, mas Jaime desenhava a estratégia. Para a promotoria, está provado que Manuel Vázquez era testa de ferro de Jaime", garantiu Rívolo. Há mais conexões entre Jaime e o Brasil. Silvia Reyss, ex-esposa de Jaime, tem uma pousada em Angra dos Reis, apesar de não ter capacidade financeira para isso, segundo as investigações. Rívolo conta que Silvia comprou um carro Honda e o colocou no nome de Pedro Agustín Román Martínez, uma pessoa indigente que trabalhava em um estacionamento. Ela pagou cerca de 3.000 pesos — por volta de 300 dólares — para o mendigo assinar os documentos do carro. "Acreditamos que Jaime tomava a decisão e dava a aprovação para realizar os ilícitos, mas Vázquez desenhava a engenharia. Para a promotoria está provado que Manuel Vázquez era testa de ferro de Jaime", assegura Rívolo. O promotor investigou vários casos de corrupção na Argentina e diz que um dos mecanismos mais comuns para simular o pagamento de subornos a funcionários públicos é a contratação inexistente de empresas de consultoria ligada ao funcionário, como no caso de Vázquez. As empresas fornecedoras do Estado simulam que contratam essas firmas para serviços inexistentes e o dinheiro negro chega depois aos funcionários que lhes deram negócios com o Estado. O problema, segundo diz, é que os 25.000 e-mails apreendidos não podem mais ser usados como prova na Justiça. A apreensão dos e-mails de Vázquez gerou a abertura de seis casos relacionados com fatos de corrupção, mas o Tribunal Federal decidiu que os e-mails eram inválidos por ter havido um erro na forma como foram preservados durante a perícia. "Felizmente, isso não afetou o caso de enriquecimento ilícito. Esses e-mails foram evidência significativa para esses casos e permitiu-nos compreender a dinâmica dos negócios que Vázquez manejava e a estrutura que incluía Jaime. Também mostrou a contatos Vázquez com o poder ", diz Rívolo. Os e-mails também contam a história de como o assessor informal negociou o acordo com o BNDES. Pouco antes de assinar o contrato, em janeiro de 2009, Manuel Vázquez escreveu para o chefe de Marketing Estratégico e o gerente regional de vendas da Embraer. No e-mail obtido por BRIO, Vázquez escreve em "portunhol" para agradecer a intermediação com o BNDES. "Molto brigado peas suas ligacaes. Pelas diferentes conversas que estuve con o perssoal do BNDES é precisso que a Embraer mande uma carta o BNDES expricando a operacao con o goberno argentino. O banco nao tem problema algum em fornecer os fundos que sejam necesarios para fechar a operacao. A persoa que voces tem que contactar é Sergio Leite Schmit o mail é sfilho@bndes.gov.ar. Por favor uma vez que tenghan feito e entregado a nota ao BNDES, tenhan a gentileza de avisarnos pois inmediatamente deberemos entrar en contatto con o BNDES para incuar as gestoes necesarias para a obtencao de credito. Un abraco. Manuel Vázquez". As condições obtidas por Vázquez para o financiamento são consideradas privilegiadas, de acordo com especialistas argentinos. O BNDES financiou a compra pela empresa argentina com um prazo de 12 anos e um juro anual de 7,45%. A empresa deveria depositar os pagamentos de crédito de seis em seis meses. Em 2009, ano em que foi fechado o contrato com a Embraer, havia duas formas de financiamento para comprar o E-190: através de instituições de crédito e sociedades de arrendamento mercantil da Europa, ou pelo sistema brasileiro formado pelo BNDES, a Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SEBC) e o Ministério da Agricultura. Naquele ano, 35% das vendas foram financiadas por esse sistema, incluindo o contrato com a Argentina. O economista Dante Sica é o mais reconhecido brasilianista no país. Ele é o chefe da consultoria Abeceb, que aconselha empresas e instituições na gestão de negócios, análise econômica e política pública. Em entrevista ao BRIO, Sica disse que a presença do BNDES na Argentina foi marcada pela mudança na participação de empresas brasileiras na América Latina nos anos 2000. Para ele, o "BNDES tornou-se uma importante fonte de financiamento para que o avanço das empresas brasileiras na região". O economista, que foi Ministro de Indústria, Comércio e Mineração da Argentina durante o governo de Eduardo Duhalde, o antecessor de Kirchner, resume que "a maior parte da participação do BNDES na Argentina focou em infraestrutura." Ele fala no passado porque os empréstimos bancários brasileiros e investimentos dos grandes construtores do Brasil caíram acentuadamente nos últimos quatro anos. Camargo Correa, Odebrecht e OAS, entre outros, foram os principais beneficiários dos acordos entre BNDES e Argentina. O economista Guillermo Nielsen trabalhou na equipe do ex-ministro da Economia, Roberto Lavagna, durante a gestão de Nestor Kirchner. Foi Secretário de Finanças e desempenhou um papel ativo nas negociações da dívida da Argentina com o FMI em 2005. Ao BRIO, Nielsen explicou que os laços entre o BNDES e o kirchnerismo se fortaleceram durante um período em que a Argentina estava em dívida com o Clube de Paris. O relacionamento frio com a Europa fechou qualquer possibilidade de investimentos com essa parte do mundo, mas abriu o caminho para o Brasil. Foi assim que o BNDES passou a financiar obras públicas de infraestruturas em toda a Argentina. Sica concorda com o diagnóstico de Nielsen. "Na Argentina ainda há uma restrição para a entrada de financiamento externo. O Brasil apareceu como uma espécie de financista de última instância e o BNDES era o instrumento". Para Sica, "nenhum empréstimo do BNDES só é aprovado pelo banco, deve haver uma aprovação política, do ministro do Desenvolvimento ou da própria Presidência do Brasil". O acordo entre a Argentina, o BNDES e a Embraer, portanto, foi uma exceção no país, uma vez que a maioria dos fundos foram para infraestrutura. Jaime e seu conselheiro informal foram a garantia do acordo, mas em 2015 a Embraer e o governo argentino ainda fazem negócios: foram comprados dois novos E-190 para a frota da Austral, que agora tem 22 aeronaves no total. Vázquez trabalhou até dois meses após a assinatura do contrato com o BNDES e a Embraer. Pouco depois do acordo, Cristina Kirchner alterou o comando da Aerolíneas Argentinas. Alak assumiu o cargo de Ministro da Justiça e Mariano Recaldo, um jovem advogado trabalhista, filho do deputado Héctor Recalde, foi premiado com a presidência da empresa. Recalde nomeou em julho de 2009 um novo gerente financeiro da companhia estatal, o economista Axel Kicillof, que mais tarde se tornaria o ministro da Economia de Cristina Kirchner. Havia passado dois meses da assinatura do contrato com a Embraer e Kicillof teve que fazer um relatório financeiro sobre a conveniência do negócio. No relatório que escreveu para o Conselho de Administração e ao Comité de Fiscalização da Aerolineas Argentinas, Kicillof aprovou a compra, mas reconheceu que os preços estavam altos. O então gerente financeiro justificou que a Argentina pagou um preço mais elevado por causa de três características feitas sob medida para a Austral: a configuração especial do cockpit, o treinamento dos pilotos e futura manutenção das aeronaves, que nesse contrato teria sido pago antecipadamente. Kicillof deixou a porta aberta. Ele pediu um relatório técnico com "preços comparativos de pelo menos três fabricantes de aeronaves reconhecidos internacionalmente para verificar os valores". E enfatizou a necessidade de estudar os preços comparativos de equipamento adicional – no seu relatório chamados de "acessórios". A Aerolineas Argentinas nunca enviou um relatório semelhante à Justiça. 
Sobrepreços
O contrato negociado por Jaime e Manuel Vázquez foi assinado pelo então presidente da Aerolineas Argentinas-Austral, Julio Alak, e o presidente da Embraer, Mauro Kern Jr. BRIO teve acesso a uma cópia do contrato, que ficou guardado nos arquivos do Ministério do Planejamento e Infraestrutura, a cargo de Julio de Vido. A Austral deveria receber as 20 aeronaves E-190 em um prazo de 11 meses. Os dois primeiros aviões chegaram a Buenos Aires em setembro de 2010. Seis anos após a assinatura do contrato, BRIO descobriu pela primeira vez o que realmente foi pago por cada avião. Os valores eram mantidos em segredo até agora. Os números são ainda mais caros do que se imaginava. O custo final da operação é de US$ 729.819.083,00. Apenas os dois primeiros jatos custaram cerca de US$ 35,5 milhões, um valor que já está na mira judicial. Os preços foram aumentando até que o vigésimo saiu por US$ 37,4 milhões. Essa subida se deveu a variações econômicas, segundo os peritos oficiais. A perícia oficial pedida pela Justiça demonstra que o preço pago foi maior do que o esperado: "A revisão e análise da documentação (...) leva à conclusão de que o montante pago NÃO corresponde ao resultado aritmético anteriormente indicado no contrato e na carta convênio". As mudanças só foram possíveis com aditivos ao contrato original. Em testemunho à Justiça, o perito contratado pela defesa da Austral disse: "Claro que o preço de base de cada aeronave foi assinado em janeiro de 2009 (US$ 34.995.866), mas o acordo estipulava que o preço final deveria conter uma fórmula de reajuste que deveria ser fixada no momento da entrega e faturamento de cada avião". Além disso, de acordo com as críticas feitas por especialista da indústria na Argentina, o contrato não seguiu as regras utilizadas na aviação executiva no mundo. Para além das condições de financiamento, a regra do setor aéreo é dar "descontos ocultos" de entre 15% e 25% através de créditos financeiros, conforme detalhado em um documento interno de um gerente da Aerolíneas Argentinas chamado Carlos Vázquez, que não tem parentesco com Manuel Vázquez. Esses tipos de "descontos" são concedidos através do financiamento da compra, ou seja, quando o financiamento é garantido o preço tende a baixar. Esses descontos são oferecidos pelas companhias aéreas e não pelos bancos, segundo Carlos Vázquez. De acordo com a perícia oficial, a Argentina só recebeu um "desconto oculto " de 5,12% nos E-190. Para a Aerolineas Argentinas, isso significou um desconto de US$ 1.790.000 por aeronave, de um total de US$ 71,6 milhões. Se o governo de Cristina Kirchner tivesse obtido um "desconto" de 15%, como estimaram alguns especialistas nas negociações, teria salvado mais de US$ 140 milhões. Na verdade, há um antecedente de um desconto dado pela Embraer de cerca de 20% para a Argentina em 1999, como registrado nos relatórios de Carlos Vázquez na Justiça. Em meio à investigação por alegado superfaturamento e suborno pagos a autoridades, a perícia descobriu um fato que não pode passar despercebido. Quando os especialistas analisaram as demonstrações financeiras da Austral, o analista contratado pela defesa, Luis Alberto Mohamed, teve que explicar por que a Embraer havia devolvido dinheiro para o cliente, a Austral-Aerolineas Argentinas. O tribunal quis saber por que a brasileira transferiu US$ 9.487.649 milhões para a conta da companhia aérea, aparentemente sem explicação. A defesa apresentou uma explicação para esses pagamentos, que deixou mais dúvidas do que certezas entre os investigadores. "Tendo antecipado 17 cartas de crédito de US$ 7 milhões cada, o que excede o valor de 15% da compra final, a diferença foi reembolsada para a Austral através de transferência bancária uma vez que a operação foi fechada", disse o representante da empresa. Essas 17 cartas de crédito significaram 16,3% da compra total. A Embraer, em seguida, teve que devolver uma diferença de 1,3%. Isso significou que a brasileira transferiu os quase US$ 10 milhões para sua cliente, a Austral, depois da entrega dos 20 E-190. Esse ponto também coloca o BNDES na mira. O banco financiou a compra de cada aeronave. O crédito bancário deveria ser entregue quando a fabricação de cada avião terminava. O dinheiro do BNDES era garantido para a Argentina e, em seguida, era pago à Embraer, mas parte do empréstimo pode ser justamente o valor de retorno investigado na Justiça. Ainda não há dados suficientes para chegar a uma conclusão, disseram fontes judiciais a BRIO. Enquanto a investigação contábil prosseguiu, outros números não fecharam. A Aerolíneas Argentinas teve outra oportunidade para prestar esclarecimentos. Quando a empresa enviou a documentação necessária para o relatório de auditoria, "esqueceu" de incluir um crédito especial de US$ 900 mil por avião pagos por "peças de reposição, equipamentos de apoio em terra e ferramentas" para futuros acordos. Esse é um dos pontos mais controversos. As reposições foram contratadas para compras que ainda não haviam sido feitas. O juiz pediu para a empresa esclarecer se a manutenção foi feita em qualquer um dos aviões entregues. A resposta está na lista de espera. Apenas no início de 2015 as aeronaves entraram na etapa de inspeções. As suspeitas não param por aí. O autor da denúncia, Monner Sans, pediu ao tribunal para comparar o preço pago pela Argentina com os valores pagos pelas companhias aéreas de outros países. E ele enfatizou que a Aerolíneas Argentinas comprou 20 aviões, o que deveria ter gerado um desconto. O advogado juntou ao processo a revista Aircraft Commerce, que em junho de 2009 dedicou uma edição inteira à Embraer. De acordo com a publicação, divulgada dias após a assinatura do contrato com a Aerolineas Argentinas-Austral, a preço do E-190 era de US$ 37,5 milhões mas a Taca companhia aérea de El Salvador negociou a um preço de US$ 31,5 milhões por aeronave. E só havia comprado dois aviões. Em 2009, a Embraer vendeu 443 jatos 190 na América do Norte, Europa, Ásia, América Latina, e, em menor quantidade, no Oriente Médio, África e Oceania. Por isso, o autor da denúncia insiste que o juiz argentino investigue outros preços pagos. Só para citar alguns exemplos, os E-170, que foram oferecidos para a Argentina por US$ 31,4 milhões cada, saíram por US$ 20 milhões para a empresa Republic Airline. Monner Sans disse ao BRIO que também contou na Justiça que em 2007 o casal Kirchner ouviu o presidente da Bolívia, Evo Morales, dizer que não queria comprar um avião Embraer por US$ 27 milhões. "Disse ao juiz Torres para enviar um ofício para Taca e perguntar como negociou com a Embraer para demonstrar com mais clareza esta questão", diz o advogado. Finalmente, há a suspeita de sobrepreços em itens adicionais adquiridos pela empresa Argentina. De acordo com o contrato entre as empresas, o preço base da aeronave E-190 foi acertado em US$ 30.555.280, mas os "equipamentos opcionais" custaram outros $S 4.440.586. Total por avião: US$ 34.995.866. O valor do equipamento opcional foi o que desatou a polêmica na Argentina. Entre os US$ 4,4 milhões de equipamentos opcionais, a Embraer oferecia desde "impulso de decolagem em 10 minutos" e "vento de popa a 15 nós" até impressoras e coletes salva-vidas, trocadores para bebês e duplo assento para as aeromoças. No total, os equipamentos adicionais contaram com 52 itens e custaram mais de US$ 88 milhões. Também estão incluídas tomadas elétricas, "poltronas elite", extensão do cinto de segurança de até dez lugares, radar meteorológico com detector de turbulência, o sistema de advertência e de alerta de pista, cilindro de oxigênio para a tripulação e gerador de oxigênio para passageiros, filtro de água e cockpit reforçado, entre outros. O sistema Panasonic de entretenimento de voo, de acordo com o contrato obtido por BRIO, custou US$ 814.848 por aeronave. Inclui filmes, jogos e música. São os únicos aviões que possuem esse serviço na Aerolineas Argentinas. Os usuários agradecem. O Estado pagou mais de US$ 16 milhões para os passageiros da Austral assistirem a filmes que muitas vezes duram mais que o tempo de voo, já que a Austral realiza apenas viagens dentro da Argentina e algumas cidades de países vizinhos, como Montevidéu, no Uruguai. O voo mais longo é de cerca de quatro horas. O advogado Ricardo Monner Sans se centrou nesse detalhe para resumir suas suspeitas. "Se Austral teve de competir com os voos internacionais, os equipamentos para entretenimento fariam sentido. Mas aqui vai ser uma superluxo que abre mais perguntas sobre a corrupção", diz o advogado Ricardo Monner Sans ao BRIO. O denunciante considerou que a Aerolineas Argentinas optou por pagar um preço "exorbitante" para o serviço de entretenimento, que elevou o preço da aeronave desnecessariamente. Dois especialistas no setor aéreos concordam com a análise. A verdade é que o acordo entre a Embraer e a Argentina quase não deu certo. Em 20 de abril de 2009, exatamente um mês antes da assinatura do contrato, o então vice-presidente da Aerolineas Argentinas, Héctor María García Cuerva, recebeu um e-mail enviado por Martin Barrantes, então gerente de Assuntos Legais da companhia. Gerentes e alguns dos sete sindicatos que atuam na Aerolineas Argentinas e na Austral argumentavam que os preços da Embraer eram excessivos. Foram acusados de serem agentes da Boeing e tentarem barrar a compra por interesses econômicos com esse outro fabricante de aeronaves. Carlos Vázquez — aquele gerente da Aerolíneas que partilha o nome com o assessor espanhol de Jaime — foi reconhecido, em documento oficial, pelo Ministério da Infraestrutura e Planejamento como um "especialista em temas de aviação". Foi ele quem mais se opôs à aquisição de aeronaves Embraer e deixou seu descontentamento claro no e-mail que enviou ao então presidente da estatal, Alak; ao vice, Garcia Cuerva; ao gerente de Assuntos Jurídicos, Barrantes; e outras autoridades da empresa. Carlos Vázquez escreveu um "Relatório sobre o preço dos aviões da Embraer" com a lista detalhada de suas objeções à aquisição dos aviões. Entre suas objeções, o gerente Vázquez diz que "a composição do preço final inclui como um componente que soma ao valor final (do avião) os valores das concessões como o Special Credit e o rateio do simulador (de voo)". A Embraer informou para a empresa argentina que isso ocorria porque havia "aumentado o montante a ser financiado pelo BNDES". Carlos Vázquez disse a seus superiores que "a resposta da fabricante brasileira não se ajusta com a realidade, e que de nenhuma maneira os créditos podem ser adicionados ao preço da aeronave. O que, sim, se costuma fazer em determinados casos é conceder o valor das concessões e, eventualmente, oferecê-los em peças de reposição ou treinamento". O preço final a que chega a Embraer (subtraindo as concessões) está aproximadamente 10% sobre os valores normais de venta da aeronave em questão", afirmou Carlos Vázquez. Para o gerente, o E-190 deveria custar cerca de US$ 29,5 milhões por aeronave, enquanto o E-170 ficaria em torno de US$ 26,4 milhões, em valores de janeiro de 2009. "Recomenda-se negociar os aviões a valores como os que foram indicados e, no caso de não receber uma resposta satisfatória, não realizar a operação de compra, ainda mais considerando que o valor de aquisição de um Airbus A 319 é de US$ 35 milhões, sendo que se trata de uma aeronave de muito mais valor de mercado e, obviamente, de melhor performance operativa". Outro e-mail enviado por Martín Barrantes a García Cuerva descreve a tensão interna nos dias anteriores à assinatura do contrato com a Embraer. Héctor María: "De acordo com as conversas telefônicas tidas nesta manhã com os funcionários e advogados da Embraer, não é possível assinar o contrato. O preço fixado pela Embraer não foi aceito por nós – a gerência jurídica da Aerolíneas Argentinas. Finalmente, deveríamos frisar que a Embraer não aceita incluir uma cláusula que sujeite o contrato à obtenção de financiamento do BNDES".
O BNDES na Argentina
A maioria dos investimentos brasileiros durante os governos Kirchner foram aquedutos, gasodutos e obras de envergadura como a hidrelétrica de Garabi, no rio Uruguai, ou a Estação de Tratamento de Água no Tigre e Berazategui, na província de Buenos Aires (que o banco brasileiro financiou com US$ 370 milhões). No entanto, o sistema acabou falhando. Os governadores de várias províncias conseguiram acordos com o governo do Brasil, mesmo durante o último mandato de Lula, para o financiamento de obras por meio do BNDES. Os negócios foram fechados, as propostas foram feitas e ganharam as licitações grandes construtoras brasileiras em parceria com uma empresa local, mas várias dessas obras nunca começaram. O Banco Central da República Argentina (BCRA), que depende do governo nacional, nunca assinou as garantias de empréstimos e o BNDES nunca desembolsou os valores. O BNDES e grandes construtoras brasileiras perderam negócios importantes na Argentina e vários governadores — muitos aliados do kirchnerismo — viram suas aspirações de grandes obras frustradas. O governador de San Juan, José Luis Gioia, tinha tudo acordado com Lula para a construção do túnel de Água Negra. O BNDES financiou com US$ 20 milhões um estudo complexo para a realização de um túnel bio-oceânico que vai atravessar a cordilheira dos Andes, conectando San Juan com o Chile, mas o Banco Central negou as garantias e o financiamento não foi adiante. O governador da província de Mendonza, Francisco "Paco" Pérez, conseguiu, depois de várias viagens ao Brasil, o financiamento do BNDES para que a OAS construa uma de suas principais ambições: a represa hidrelétrica Los Blancos. Graças ao acordo com o banco, a brasileira ganhou a licitação. O governador ainda está esperando os avais do Banco Central e que o Governo Nacional comprometa o resto dos fundos. O banco concedeu US$ 750 milhões, mas precisam do dobro. A construção da barragem hidroeléctrica Chiuhido I, na província de Neuquen, é outro caso controverso do BNDES na Argentina. É a obra mais ambiciosa no território da Patagônia, exigida pela lei local, por conta da necessidade de conter o crescimento do rio e a inundação constante e catastrófica da área. Chiuhido I exige um investimento de cerca de US$ 1.5 bilhão, dos quais US$ 729 milhões seriam financiados pelo BNDES. A licitação foi vencida por um consórcio entre a OAS, que garantiu o crédito do banco, e as empresas argentinas CPC e Electroingeniería, de dois empresários próximos ao governo. A megaobra ficou sob suspeita quando um grupo de deputados do partido oposicionista Coalición Cívica acusou na Justiça Federal a licitação de ser direcionada e causar sobrepreço O governo de Neuquén negou as acusações, mas existe uma investigação aberta desde 2010 a cargo do juiz federal Ariel Lijo. Após as alegações de corrupção, o BNDES retirou o financiamento e a OAS abandonou o projeto. Em 2014, o projeto foi vencido em nova licitação por um consórcio russo. O processo judicial sobre Chiuhido continua aberto. Em março de 2015, o juiz Lijo enviou um pedido ao BNDES para obter explicações sobre "a estrutura de apoio financeiro oferecido". O banco deverá detalhar os valores e as condições de pagamento, taxas de juros, taxas de administração e tudo relacionado com a operação de crédito. Dados que, no Brasil, ficam sob sigilo.

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