segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Grécia expõe a fragilidade institucional da Zona do Euro; Thatcher previu o imbróglio numa magnífica atuação no Parlamento, em 1990. Assista a vídeo

O “não” venceu o plebiscito na Grécia, como vocês viram, e por boa margem: essa foi a escolha de 61,31% do eleitorado, contra 38,69% que disseram “sim”. Era “não” ou “sim” a quê? A um pacote de austeridade proposto pelo Banco Central Europeu para renegociar a dívida brutal do país. Esse pacote incluía corte de gastos e elevação de impostos. Parecia-me quase milagroso que, mesmo insuflada pelo próprio governo, a população reconhecesse que não há saída para o país a não ser um sacrifício adicional. Bem, mais uma vez, um milagre dessa natureza não aconteceu. Não havia boa escolha para os gregos. Mas a maioria escolheu o pior.

Alexis Tsipras, o porra-louca da Syriza, a frente de extrema-esquerda que governa o país, está feliz. Fez campanha pelo não. Vamos ver se vocês entendem a ironia: entre passar por incoerente e condenar o país à inviabilidade, ele preferiu o segundo caminho. E agora? Agora o homem já convidou os líderes europeus para uma conversa. Orgulhoso, bate no peito e diz que a democracia está sendo respeitada. Ele só se esqueceu de que há regimes democráticos nos demais países da Zona do Euro. A rigor, também suas respectivas populações deveriam ser convidadas a aceitar ou não o calote grego.
A resistência vem de todo lado, mas o epicentro está na maior economia da Zona do Euro e da União Europeia: a Alemanha. Angela Merkel até estava empenhada em uma nova rodada de negociações com a Grécia, mas aí Tsipras decidiu se comportar um típico bandoleiro de esquerda: propor o plebiscito. Entornou o caldo. Democratas-cristãos e sociais-democratas estão unidos e dizem um sonoro “não” ao “não” grego. O que fazer?
Não dá para saber. A Zona do Euro, de cujo acordo não há cláusula de expulsão, é a unidade monetária de 19 países que compõem a União Europeia, formada por 28. Também desse grupo ampliado, só se pode sair voluntariamente, segundo o Tratado de Lisboa, que emenda o de Maastricht. Da leitura de tratados um tanto confusos, entende-se que um Estado-membro até poderia ser expulso da UE, mas seria preciso o voto unânime dos países-membros, inclusive do candidato à expulsão. Convenham, não vai acontecer. Ainda assim, a hipótese se refere a estados que não respeitem os direitos fundamentais, não aos que dão calote.
A Grécia, com sua desordem financeira, fiscal e monetária está expondo algumas das fragilidades da União Europeia e da Zona do Euro. Criou-se uma unidade que só funciona desde que todos sejam voluntariamente disciplinados. Há, apelando a Karl Marx e com ironia, uma aposta no idealismo alemão. Os gregos vieram bagunçar o coreto.
Quem deve estar rindo lá no céu — ou, segundo alguns, no inferno — é Margaret Thatcher, né? Ela previu que a Alemanha ainda ficaria com o saco cheio de ter de conviver com pressão inflacionária e que os países pobres não teriam condições de competir com os demais.
Abaixo, há um vídeo magistral — e a transcrição do diálogo está aqui, na página da Fundação Margaret Thatcher, em que ela debate na Câmara dos Comuns por que se deve dizer “não” à Zona do Euro. O debate aconteceu no dia 30 de outubro de 1990. É claro que o Reino Unido também pode ser afetado pela crise grega, já que se trata de uma ilha apenas física, não econômica. Mas sofrerá muito menos porque não embarcou na união monetária. Thatcher não deixou..
Os problemas enfrentados agora pela Zona do Euro foram quase milimetricamente antevistos por Thatcher. Veja o vídeo. Na sequência, traduzo um trechinho.
Traduzo um trecho:
Perhaps the Labour party would give all those things up easily. Perhaps it would agree to a single currency and abolition of the pound sterling. Perhaps, being totally incompetent in monetary matters, it would be only too delighted to hand over full responsibility to a central bank, as it did to the IMF. The fact is that the Labour party has no competence on money and no competence on the economy—so, yes, the right hon.”
Talvez o Partido Trabalhista entregasse todas essas coisas [ela se refere ao que considera a soberania do Reino Unido] facilmente. Talvez concordasse com a moeda única e com a abolição da libra esterlina. Talvez, sendo totalmente incompetente na administração da política monetária, ficaria feliz em delegar toda a responsabilidade a um banco central [europeu], como fez em relação ao FMI. O fato é que o Partido Trabalhista não tem competência para lidar nem com dinheiro nem com a economia. Sim, é isso mesmo, excelência!”
Por Reinaldo Azevedo

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