quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Bandido que delata bandido continua bandido

Tudo, caros brasileiros, é bastante singular em nosso país. Correspondentes internacionais que aqui trabalham apontam essas singularidades, especialmente aqueles vindos de democracias mais antigas. Acham, por exemplo, um exotismo que exista uma impressionante estrutura destinada a vazar investigações sigilosas. “Mas não são sigilosas?” E daí? É claro que nem conseguem comparar com seus países de origem porque um estado organizado para ser criminoso não é evento corriqueiro. Um deles fez uma comparação: “Uma coisa é haver um ‘Garganta Profunda’ [ele se refere a Watergate] que chega a virar personagem; outra é haver uma legião de gargantas profundas competindo entre si”. Pois é… Sem contar a pororoca, coisa nossa. A jabuticaba, já me ensinou Lucas Mendes, não é. Essa é outra ilusão do nosso particularismo. Qual é o ponto? De vazamento em vazamento, a imprensa vai construindo a sua própria narrativa, composta de fragmentos. Na ânsia de contar uma história coerente, vai se esquecendo de certas coisas básicas. Uma delas é escancaradamente evidente: não são bandidos apenas os acusados por delatores premiados — na hipótese de que também denunciem coisas verdadeiras. Os acusadores também o são. Ou será que, ao fazer um acordo, fazem também uma conversão moral? Ora… Até onde se sabe, ao fazer uma delação, é preciso apresentar provas ou indícios que a tornem verossímil. Mas aí cabe a pergunta: também isso não pode ser devidamente arranjado? Não estou pondo em dúvida a eficácia do estatuto da delação, não. Apenas acho que precisa ser disciplinado para que não nos tornemos reféns de uma segunda máfia: a dos delatores. Ou por outra: é a decência que tem de usar os que resolvem delatar seus comparsas, não o contrário. Leiam o que foi publicado sobre a acareação entre Renato Duque, o principal homem do PT na operação do petróleo dentro da Petrobras, e Augusto Mendonça. Pergunto: você confia em Duque? Eu não! Pergunto de novo: você confia em Mendonça? Eu não! Nesse segundo caso, eu não confiaria nem que fosse criminoso, como ele é. Duque faz uma pergunta pertinente: se quisesse repassar propina para o PT da parte que lhe caberia na safadeza, por que precisaria do outro? “Ah, então, o petista Duque é inocente?” O quê??? Eu acho que não! Só aponto uma questão que, com efeito, não tem resposta lógica. De resto, Mendonça já corrigiu a sua delação mais de uma vez — outra particularidade das delações por aqui: vão sendo ajustadas à medida que outras vão sendo feitas. Mendonça diz também que um tal Tigrão fazia o transporte do dinheiro. Duque indagou quem daria grana a alguém com esse apelido, dada a delicadeza da sem-vergonhice negociada. O tal “Tigrão”, até agora, não foi identificado. Nesta quarta, Mendonça afirmou que, na verdade, o Tigrão não era um, mas três pessoas… É estranho. É evidente que Duque é uma das chaves desse negócio todo. A sua delação premiada chegou a ser dada com certa. Se foi feita, até agora não se sabe. Eu estou aqui a apontar algumas pontas que realmente parecem soltas e que serão devidamente exploradas por advogados de defesa. É desnecessário dizer que tudo isso acabará parando num tribunal superior — em princípio, no caso dessa turma, no STJ, e, a depender da particularidade, até no STF. Recibo de pagamento de propina, isso dificilmente haverá. Salvo o caso em que se evidenciarem movimentações por offshores e empresas fantasmas, as provas testemunhais terão de compor um conjunto de indícios e de circunstâncias que convençam os juízes. Os fragmentos que vêm a público apontam para histórias que ficam no meio do caminho, sem resposta. Em outros tempos, e foi assim mesmo!, com mais mão de obra, a imprensa ficava menos refém de vazamentos e fazia a própria investigação. Hoje em dia, a disputa é para ver quem descola como fonte o procurador ou o delegado da PF com mais acesso ao conjunto da apuração. O resultado, a cena final, ainda está muito distante. Tomara que não venham surpresas desagradáveis pela frente. É fundamental que a gente não se esqueça de que ladrão que rouba ladrão continua a roubar o que originalmente pertencia a outrem. E que bandido que delata bandido pode estar também a serviço da… bandidagem. O nosso papel é desconfiar. Por Reinaldo Azevedo

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