sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Baía de Guanabara continua um mar de lama e lixo, poluição persiste após 3 bilhões de gastos


Houve um tempo em que a Praia de Tubiacanga, na Ilha do Governador, tinha areia limpa e era um bom local para um mergulho. Hoje o cenário é bem diferente: a areia é um lamaçal, coberto de lixo de todo tipo. E o mar tem águas fétidas, repletas de esgoto. Por causa da lama, do esgoto e do lixo, os pescadores só podem ir para o mar quando a maré enche. São 8,46 milhões de fluminenses que moram em áreas de 15 municípios no entorno da bacia do que, há cinco séculos é chamado de Baía de Guanabara. Decorridos 20 anos da assinatura dos contratos de financiamento do maior programa de saneamento da baía, apenas um quarto do esgoto gerado por moradores da região passa por tratamento em estações. A cada segundo, chegam ao mar aproximadamente 18.400 litros de esgoto doméstico sem qualquer tratamento — três vezes mais em relação à capacidade das oito estações construídas e reformadas desde 1998. Os cálculos foram feitos pelo engenheiro sanitarista Adacto Ottoni, consultor de Meio Ambiente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), a partir de dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos, da Cedae e de informações do engenheiro Francisco Filardi, ex-assessor executivo do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG). Duas décadas de PDBG consumiram R$ 2,79 bilhões de dinheiro público — em valores atualizados, segundo a Secretaria estadual de Fazenda e incluindo os R$ 468,6 milhões ainda devidos aos financiadores —, sem que nenhuma meta fosse cumprida, nem de percentual de esgoto, nem de abastecimento de água ou de gestão de lixo. A principal delas era tratar 58% do esgoto lançado na baía em 1999. Hoje, as estações que deveriam aliviar o mar da carga orgânica operam, em média, com metade da capacidade projetada. O programa, que atravessou sete governos, a partir da gestão de Nilo Batista, ainda tira o sono de auditores da Japan International Cooperation Agency (Jica), que financiou o projeto, junto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em relatório de junho de 2013, a Jica é contundente: classificou como “insatisfatório” o programa, a pior entre as quatro graduações possíveis. Disse que “o volume de redução de poluentes não ultrapassou 70% do nível planejado”. E que, apesar de estações de tratamento secundário terem sido construídas, a quantidade de esgoto tratado permaneceu em cerca de 30% do previsto. Em meio a renovações de promessas visando aos Jogos de 2016, especialistas avaliam que o caminho para uma baía — que vai sediar as competições de vela — mais limpa ainda é tortuoso. O Tribunal de Contas do Estado fez 42 inspeções no PDBG — a última em 2013. Encontrou irregularidades abundantes, como “incompatibilidade entre serviços estimados e executados”, “cronograma físico-financeiro desatualizado” e “projeto básico inconsistente”. Numa inspeção em 2006, contabilizou 305 contratos vinculados ao programa. Do total, 268 haviam sido concluídos e 17, rescindidos. Vinte ainda estavam em andamento. A Cedae considera que são despoluídos 9.862 dos 19.853 litros gerados por segundo. A empresa usa como base a geração diária de 200 litros de esgoto per capita (a projeção usada pelo técnico do Crea é de 250 litros) e inclui a parcela que vai para o emissário submarino de Ipanema (3.300 litros por segundo). O estudo referendado pelo Crea, porém, excluiu todos os moradores da Zona Sul atendidos pelo emissário, que funciona desde 1977, só considerando, nas projeções de 1994 e 2014, a população cujo esgoto segue para a baía. O presidente da Cedae, Wagner Victer, reconhece que o PDBG enfrentou erros primários, mas alega que a gestão atual colocou em operação as estações de Alegria (2009), Sarapuí (2011) e Pavuna (2014). 

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