quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Celular com criptografia vira moda entre ricos e apreciadores do sigilo

Em Genebra, um antigo integrante das forças especiais da marinha dos Estados Unidos, um oponente regular de Steve Jobs no xadrez, e um sócio cuja especialidade é a criptografia criaram uma empresa. O que eles estão fazendo ou representa uma ameaça à ordem de segurança internacional ou uma salvaguarda vital para seu futuro. Qualquer que seja a resposta, o dalai lama é um de seus clientes. O nome da Silent Circle talvez não seja muito conhecido, mas o celular que a empresa suíça criou –um aparelho que emprega uma versão modificada do sistema operacional Google Android e resiste a toda forma de escuta por conta de um sistema que cifra completamente os dados– está se tornando produto cobiçado entre os ricos, os poderosos e os apreciadores do sigilo. O primeiro Blackphone esgotou seus estoques iniciais em questão de semanas, quando foi lançado no ano passado. O segundo, que saiu um mês atrás, encontrou demanda igualmente alta, ainda que ele requeira que os usuários empreguem um conjunto de apps mais restrito do que costumariam, se desejam desfrutar plenamente dos benefícios de segurança. "Estamos substituindo o BlackBerry", diz Mike Janke, um dos cofundadores da empresa e ex-integrante das forças especiais da marinha norte-americana. Janke, que ainda exibe o físico característico de sua antiga profissão, mas agora envolto por uma camiseta polo que exibe o logotipo da empresa, parece um proponente improvável para um sistema avançado de criptografia. Três anos atrás, seu objetivo de criar uma grande fabricante de celulares voltados ao mercado empresarial pareceria risível. Mas, agora, 41 das 50 maiores empresas do ranking "Fortune 500" das maiores corporações dos Estados Unidos são clientes, segundo Janke, "assim como 90% do Senado norte-americano". A Silent Circle está explorando uma tendência mundial que conduz empresas, forças militares e espiões ao mesmo campo de batalha digital em um momento de imensa perturbação tecnológica. Companhias e indivíduos, a propriedade intelectual de uma empresa e a vida privada dos executivos, se misturam totalmente na linha de frente da geopolítica. Como resultado, as comunicações cifradas estão se espalhando por todo o mundo da tecnologia.
 

"A demanda por isso terá de crescer", diz Janke. "Aonde quer que eu vá –a qualquer hotel do mundo, na África do Sul, na Argentina, em Dubai – vejo homens e mulheres de negócios usando seus celulares, seus laptops, com o serviço wi-fi gratuito do hotel. Eles nem fazem ideia de o quanto aquilo que estão fazendo é inseguro". "Lembro-me de ver uma mulher ligando para Londres da África do Sul, para falar sobre resultados financeiros. A conversa atravessa pelo menos meio dúzia de países que certamente gostariam de ouvir", ele diz. Um dos cofundadores da Silent Circle é Phil Zimmermann, inventor do padrão mundial de codificação PGP. Outros sócios incluem Jon Callas, o enxadrista que projetou o sistema de segurança do sistema operacional da Apple. Telefonemas e mensagens enviadas de um Blackphone são cifradas nas duas pontas, o que significa que apenas os participantes têm acesso ao conteúdo. Todos os outros apps e recursos do aparelho são "trancados" – o Google conferiu à Silent Circle uma rara autorização para modificar o sistema Android a fim de permitir essa opção –, o que impede qualquer transmissão de dados não autorizada. Desenvolver uma tecnologia como essa não coloca os envolvidos em uma posição confortável. Depois das revelações de Edward Snowden, quando as companhias de comunicações e tecnologia correram para adotar segurança digital mais forte, os governos de todo o mundo começaram a reprimir aqueles que buscam levar comunicações cifradas às massas. Em novembro, Robert Hannigan, diretor do GCHQ, a agência de escuta eletrônica do Reino Unido, acusou as empresas que estão adotando esses sistemas de se tornarem "as redes preferenciais de comando e controle" para os terroristas. Os serviços de inteligência vêm alertando repetidamente do risco que enfrentam caso "fiquem no escuro" – ou seja, percam acesso aos dados que propiciaram tanto sucesso em seus esforços de combate ao terrorismo, crime e espionagem transnacionais, recentemente. Janke, que passou a carreira trabalhando com agências de inteligência, rebate esses argumentos sem hesitar. "A polícia e o governo têm cem outras maneiras de identificar um sujeito ou garota... Os alvos não necessariamente empregam comunicação cifrada para tudo, além disso. Podem ter um laptop. Um computador de mesa. Um tablet. Um cartão de crédito e um veículo. Tudo isso deixa traços digitais". Ao reprimir as comunicações cifradas, Janke argumenta, os governos podem reduzir a segurança de seus cidadãos ao apressar a aprovação de projetos de lei descuidados, como cederam à tentação de fazer para reagir aos assaltos a bancos praticados pela dupla Bonnie e Clyde nos anos 1930: "Isso é o que precisamos evitar, agora". Em um momento de crescente insegurança digital – com países como a China roubando vastas quantidades de propriedades intelectuais de empresas por meio de operações de hackers–, comunicações cifradas oferecem uma defesa muito necessária. O problema, porém, é que o veículo digital de fuga que a Silent Circle pode estar oferecendo a criminosos é quase perfeito, igualmente, se eles o usarem corretamente. Por exemplo, mesmo que a polícia ou Justiça intimem a companhia a fornecer informações, ela não "seria capaz de desovar" as comunicações dos clientes porque ela mesma não é capaz de decifrá-las. Janke afirma que a Silent Circle não hesitaria em desativar aparelhos de clientes caso a polícia a procure em situações de "vida ou morte". Mas isso deixa muita coisa em aberto. Será que ele autorizaria a desativação do celular de um cliente caso uma agência de inteligência o procurasse exibindo provas de que o aparelho estava em uso na Síria? "Não." Mas e se agência dissesse ter suspeitas sobre o usuário? "Não". "Estamos tentando ser completamente neutros, não queremos ser radicais de nenhum dos lados deste debate", ele diz. É uma linha difícil de manter. Como Janke mesmo se apressa a apontar, porém, a Silent Circle está longe de ser inimiga dos serviços ocidentais de espionagem. Fornece celulares ao Serviço Federal de Investigações (FBI). No Reino Unido, uma equipe de antigos soldados das forças especiais está vendendo o aparelho a agentes britânicos. "Nosso software já foi adquirido em 37 países... do lado político, recebemos críticas, mas do lado operacional, eles compram nossos produtos como se fossem pipoca". Janke diz que, em última análise, não serão os governos que inibirão a difusão de aparelhos cifrados como o Blackphone, mas o Facebook e as demais grandes empresas de tecnologia. "As pessoas gostam de falar da NSA (a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos), China, Rússia, GCHQ, mas permita-me afirmar que os maiores promotores de roubo de dados são as empresas de tecnologia. Todos os apps grátis sugam montanhas de dados de seu celular a cada hora, e fazem coisas atrozes com eles". As comunicações cifradas bloqueiam esse modelo de negócios: "A reação negativa virá das grandes empresas de dados. Essa é a nova guerra - o novo ouro que sai da terra não é o petróleo, mas os dados dos usuários".

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