sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A rede de "acarajés quentinhos" de Marcelo Odebrecht


E-mails trocados entre os executivos Roberto Prisco Ramos e Hilberto Alves Silva Filho, ligados do Grupo Odebrecht, evidenciam um esquema de distribuição de recursos que a Polícia Federal acredita envolver dinheiro sujo oriundo do Petrolão do PT. Os investigadores identificaram uma intensa troca de mensagens entre Prisco e Hilberto em que eles discutem a entrega de "acarajés". Para a Polícia Federal, a iguaria baiana é uma senha para camuflar a farta movimentação de dinheiro. A troca de mensagens começou em outubro de 2013, quando a Operação Lava Jato ainda não tinha sido deflagrada e envolve o príncipe das empreiteiras, Marcelo Bahia Odebrecht, preso desde junho do ano passado por suspeitas de atuar ativamente no esquema de corrupção que sangrou os cofres da Petrobras e distribuiu propina a políticos e ex-funcionários da estatal. Nas conversas, Odebrecht é citado como "Bahia". No dia 24 de junho de 2014, por exemplo, Roberto dá a senha para Hilberto: o "Bahia" havia dado ordens para uma nova "partida de acarajés". Na conversa, Prisco Ramos diz ao interlocutor, carinhosamente chamado de "tio Bel": "O Bahia me disse que ia combinar com ocê (sic) outra partida de acarajés, mas, independente disso, eu vou precisar de mais 50 para esse fim de semana; você me consegue para 6a Feira, por volta as 12:30, entregues no mesmo lugar? Abraço agradecido R".

Em depoimento à Polícia Federal, a secretária de Marcelo Odebrecht, Maria Lúcia Tavares, apontada como responsável pela contabilidade paralela do empreiteiro, apresentou uma versão fantasiosa para o termo acarajé identificado nas mensagens eletrônicas. Disse que "as baianas em Salvador vendem pequenas porções para aperitivo, em caixa, e então cabia (a ela) providenciar essas entregas a pedido de Hilberto". Por essa narrativa, os acarajés - em porções de 50 - seriam supostamente remetidos de Salvador para o Rio de Janeiro e chegavam "quentinhos". Em um dos e-mails em poder dos investigadores da Lava Jato, Roberto Prisco Ramos pede para Hilberto "50 acarajés dos 500" e alguma "bahiana (sic) de confiança" no Rio de Janeiro. Queriam, segundo a Polícia Federal, quitar uma das parcelas da transação em dinheiro vivo. "Claramente os investigados aparentam conversarem por código, no qual o primeiro cobra parte da dívida de que um tem com o outro. Destaca-se que trata-se de comida perecível e que seria completamente inviável pessoa estocar tal alimento sem que o mesmo perca suas propriedades alimentares", ironiza a Polícia Federal, que completa na sequência: "espera-se que Marcelo Bahia Odebrecht possa prestar esclarecimentos relevantes sobre sua rede de distribuição de 'acarajés' e sobre as menções ao codinome Feira espalhadas em seu celular e replicadas por seus funcionários em planilhas e anotações". Mais uma mensagem em poder dos investigadores, datada de janeiro de 2014, poucos meses antes do estouro da Operação Lava Jato, escancara a "rede de acarajés" dos executivos ligados à Odebrecht. Neste e-mail, Roberto pede que Hilberto providencie a entrega de mais "50 acarajés". Na resposta, Hilberto diz que a entrega está programada e que "seus acarajés chegaram quentinhos". Na extensa troca de mensagens eletrônicas, dinheiro é sempre referido como acarajé. Em mais uma conversa, de dezembro de 2014, quando boa parte dos maiores empreiteiros do País já estavam atrás das grades - ainda não havia ordens de prisão cumpridas contra executivos da Odebrecht ou da Andrade Gutierrez na época - Hilberto cobra a secretária Maria Lúcia por mais acarajés a serem repassados a Prisco Ramos. "Nosso amigo ele está precisando comer acarajés", reclama. A 23ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada na segunda-feira, trouxe à tona mais indícios do envolvimento de Marcelo Odebrecht no escândalo do petrolão e escancarou o pagamento de propina do conglomerado no Exterior. Documentos em posse da força-tarefa do Ministério Público comprovam que existia uma planilha de pagamentos ilícitos feitos pela Odebrecht, com destinatários como "Feira", uma referência ao marqueteiro João Santana, e JD, em alusão ao ex-ministro da Casa Civil, o bandido petista mensaleiro José Dirceu. Segundo os investigadores, novas evidências apontam que Marcelo Odebrecht detinha o controle do caixa de propina do grupo e conhecimento amplo do uso de offshores para o depósito de dinheiro a corruptos. Na 23ª fase da Lava Jato, as suspeitas são de que Hilberto Mascarenhas Alves Silva Filho e Luiz Eduardo Rocha Soares, que já foram ligados ao Grupo Odebrecht, e Fernando Miggliaccio da Silva, atuavam nos pagamentos no Exterior por ordem da companhia. Os dois últimos teriam sido retirados do País após buscas e apreensões na Odebrecht em junho de 2015, data da fase da operação que levou o herdeiro do Grupo Odebrecht para a cadeia.

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