terça-feira, 22 de março de 2016

No Planalto, Dilma faz discurso de militante: 'Não vai ter golpe'


A presidente Dilma Rousseff voltou nesta terça-feira a dar curso à estratégia petista de atacar o juiz federal Sergio Moro - e, deixando de lado o decoro que a função de chefe de Estado exige, adotou abertamente um discurso de militante do Partido dos Trabalhadores, além de transformar o Planalto em um palanque. Dilma chegou a dizer ao microfone a frase "não vai ter golpe", transformada em mantra pelos movimentos de esquerda que insistem em comparar indevidamente um mecanismo previsto na Constituição ao golpe militar de 1964. A presidente ainda abriu os microfones do governo federal a um grupo de juristas chapa-branca dedicado a desferir ataques na cruzada petista contra o magistrado à frente da Operação Lava Jato. Eles também se levantaram contra o Ministério Público Federal e a campanha dez medidas contra a corrupção e repudiaram o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil ao impeachment de Dilma. Ao fim das quase três horas de discursos, Dilma afirmou que não há razão para o processo de impeachment em curso no Congresso Nacional e rechaçou a possibilidade de renunciar ao cargo. Ela disse que há em curso no País "uma conjuração que ameaça a normalidade democrática" e uma "ruptura institucional forjada nos porões da política". "Eu me dirijo a vocês com a consciência tranquila de não ter praticado qualquer ato ilício a caracterizar crime de responsabilidade", disse a presidente. "Não cometi crimes para interromper o meu mandato. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui vítima dessa injustiça uma vez na ditadura e lutarei para não ser vítima de novo em plena democracia. Nesse caso não cabem meias palavras: o que está em curso é um golpe contra a democracia. Eu jamais renunciarei". Sem citar Moro, Dilma afirmou que o País precisa de juízes "sensatos, serenos e imparciais", ainda que tenham suas convicções partidárias. "A justiça brasileira fica enfraquecida e a constituição, rasgada, quando são gravados diálogos da presidente da República sem autorização do STF. Gravações que não dizem respeito ao objeto das investigações maculam imagem e invadem privacidade". A presidente ainda afirmou que o governo está "mobilizando a sociedade em mais uma campanha pela legalidade", em referência à campanha liderada por Leonel Brizola após o golpe militar. A ofensiva do Executivo sobre o Judiciário ficou evidente na semana passada, quando Dilma acusou Moro de violar a Lei de Segurança Nacional ao suspender o sigilo de um grampo telefônico contra o ex-presidente e quase ministro Lula, no qual ela foi flagrada oferecendo ao antecessor o termo de posse antecipado para uso "em caso de necessidade" - uma espécie de salvo conduto contra pedidos de prisão. Dilma chegou a dizer na sexta-feira que, no Exterior, "quem grampeia presidente da República vai preso". No mesmo dia, a Ordem dos Advogados do Brasil decidiu apoiar o impeachment da presidente no Congresso Nacional. Mais de quinhentos juízes divulgaram carta de apoio a Moro. Ele também foi apoiado pelo Ministério Público, pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil. Entre os apoiadores de Dilma havia nesta terça-feira professores universitários, estudantes de Direito que militam no PT, juízes, ex-magistrados e advogados - inclusive Alberto Toron, que defendeu na Lava Jato o empreiteiro-delator Ricardo Pessoa, dono da UTC, e agora advoga para Fernando Bittar, apontado como laranja do ex-presidente Lula no sítio de Atibaia (SP). Em dezembro, Dilma já havia arregimentado e levado ao Palácio do Planalto um grupo de juristas simpatizantes para encontrar argumentos contra o processo de impeachment. Dilma assistiu ao desfile de discursos chapa-branca ao lado dos ministros José Eduardo Cardozo (AGU) e Eugênio Aragão (Justiça). Cardozo disse que a Advocacia-Geral da União vai provocar o Supremo Tribunal Federal para que a corte defina "limites de atuação" de procuradores, juízes e policiais em relação ao sigilo telefônico nas investigações. Militantes do PT, da UNE e de movimentos sociais interromperam os discursos com gritos como "não vai ter golpe" e "A OAB apoiou a Ditadura". Dilma também recebeu notas de apoio de diferentes entidades. O ato político foi transmitido ao vivo pelo canal oficial do governo, NBR TV. Moro não foi citado nominalmente, mas chamado de "juiz do principado de Curitiba" e comparado a um Führer - título associado ao líder do nazismo Adolf Hitler. Eles acusaram o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba de cometer crime, "arrombar a legalidade", e ainda pediram a prisão de Moro. "Se ele não está com um problema psicológico, ele é um criminoso. Se não tem que ir para o manicômio", disse o professor Marcelo Neves, da Faculdade de Direito de Brasília (UnB): "Nem juiz federal nem um ministro do STF estão acima da lei e da Constituição". Neves disse que "às vezes é constrangedor" apoiar governos populares com integrantes envolvidos em escândalos de corrupção, mas disse que apontaria ilegalidades de uma ditadura judicial e do Estado policial no Brasil. Ex-juiz federal e ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), disse que crescem dramaticamente no País forças fascistas na busca de "um Führer, um protetor". Ele citou o golpe militar de 1964 e emendou: "Ontem as forças armadas, hoje a toga supostamente imparcial e democrática". Dino afirmou que "os abusos de um juiz contaminam a ordem jurídica". "Poder judicial não pode mandar carta para passeata. Se procurador ou juiz quiser fazer passeata que peça demissão. Não use a toga para fazer política porque isso acaba por destruir o poder judiciário", disse. O governador maranhense, que por anos criticou desmandos do clã Sarney em seu Estado, também minimizou o combate a corrupção e disse que esse foco é uma estratégia de luta política no País e serve para "esconder os verdadeiros problemas nacionais". "A maior corrupção que pode existir numa sociedade é a desigualdade a injustiça social. Aqueles que pretendem situar que apenas a corrupção no Estado deve ser combatida pretendem, na verdade, proteger seus privilégios de classe, de carta e de testamento". O diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, disse que acelerar o processo de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados ajudaria a tornar mais lento o processo disciplinar por quebra de decoro contra o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu na Operação Lava Jato perante o Supremo. Ele afirmou que as pedaladas fiscais não justificam o impeachment e que os "bancos públicos receberam valores muitos maiores do que os pequenos atrasos por queda na arrecadação". "Para sermos coerentes, teríamos que afastar em torno de dezesseis governadores", ponderou Cavalcanti: "Estamos num tempo em que os golpes não são dados pelas forças armadas, os golpes são com artifícios jurídicos". No ato político desta terça-feira, Toron disse que as "autoridades que deveriam zelar pela aplicação do Direito e dos valores constitucionais descumprem perversamente mandamentos claros" e usam o princípio da proporcionalidade para "arrombar a legalidade": "É o que o juiz do principado de Curitiba tem feito. Vemos o próprio juiz do processo dando a público coisas que deveriam por força de lei serem mantidas em sigilo". Assim como Toron, a juíza Gláucia Foley, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, criticou a campanha do Ministério Público "Dez medidas contra a Corrupção". Para ela, as propostas são "retrocessos em conquistas constitucionais". "Não se combate a corrupção corrompendo a Constituição", disse a magistrada simpatizante do governo Dilma.

Um comentário:

Jorge disse...

Realmente não vai ter golpe; já teve: a eleição fraudulenta ( fora a corrupção)