segunda-feira, 23 de maio de 2016

Fernando Henrique Cardoso diz que PMDB precisa mostrar que tem como liderar o País


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que o desempenho do presidente interino, Michel Temer, nos próximos meses, será crucial para determinar se o PMDB terá condições de liderar o País à frente de um novo bloco de poder, como petistas e tucanos fizeram antes dele. Para o líder do PSDB, a recessão na economia e a fragmentação política do Congresso limitam as possibilidades do novo governo, e o futuro do PMDB dependerá da maneira como Temer lidar com essas dificuldades. "Ele pode dar sinais para a economia, mas vai demorar para colher o fruto", diz Fernando Henrique Cardoso, que lança nos próximos dias o segundo volume do seu "Diários da Presidência" (ed. Companhia das Letras), com memórias do biênio 1997-98. Na opinião do ex-presidente, o PMDB "tem capacidade para fazer o Estado funcionar", mas ainda não demonstrou "capacidade de apontar o rumo" para o País.
Folha - Ao descrever pressões que recebia do PMDB por cargos em seu governo, o sr. diz a certa altura dos seus diários que elas estavam "cheirando mal". Qual era o problema?
Fernando Henrique Cardoso - Eu fiquei irritado com a pressão, que achei muito grande, desproporcional. Queria manter a autonomia de escolha do presidente frente aos candidatos, aos partidos. Consegui no primeiro mandato, relativamente.
É mais difícil para Temer lidar com esse tipo de pressão?
Eu tinha mais força pessoal, e legitimidade, porque fui eleito. Segundo, eu tinha uma agenda, um objetivo que justificasse a aliança política. A grande diferença é que não havia um sistema partidário tão fragmentado como o atual. E você podia fazer uma maioria um pouco mais consistente no Congresso. Essa fragmentação vai continuar.
Como isso afetará o governo?
A nomeação do novo líder na Câmara (André Moura - PSC-SE), réu no Supremo Tribunal Federal, é fruto disso. PSDB e PT foram os dois partidos que até aqui conseguiram liderar o processo político sem ter maioria, com apoio do PMDB. A maioria sempre foi formada por uma massa useira e vezeira em utilizar o aparelho do Estado, como esse novo centrão de que estão falando agora.
O PMDB é diferente?
O PMDB não é isso. É um partido que tem capacidade para fazer o Estado funcionar. Agora está tentando ter uma certa capacidade de apontar o rumo. Fizeram um programa (o documento "Uma Ponte para o Futuro"). É uma novidade, porque implicaria na transformação do PMDB em um partido com aspiração para liderar o País.
Acha o projeto viável, diante da composição do novo governo e de seus primeiros passos?
Este governo nasceu por decisão do Congresso, de acordo com a Constituição. Temer foi eleito como vice, tem legalidade. Mas não tem apoio popular. Não pode descuidar desse ponto de partida, porque o processo de impeachment ainda não acabou. Tem que ser cuidadoso, inclusive nas nomeações. Ele é mais amarrado a essas circunstâncias do que eu era, ou do que o ex-presidente Lula.
Significa que o novo governo também ficará paralisado?
Vai depender do que ele fizer com a crise econômica e a crise moral. Ele precisa emitir sinais de que levará o país a um caminho melhor na economia e que dará prestígio à Operação Lava Jato. Ele não terá tempo de resolver os problemas da segurança, da educação, da saúde, do transporte. Pode dar sinais para a economia e a infraestrutura, mas vai demorar para colher o fruto. Você não pode cobrar deste governo o que ele não pode dar. É um governo de transição. Se ele chegar a 2018 começando a botar em ordem esses pontos, é o que historicamente precisa fazer.
As pessoas que apoiaram o impeachment pensando que as coisas iam mudar no dia seguinte não ficarão frustradas?
A população é suficientemente realista para não pedir o impossível. Ela não saiu na rua gritando: "Viva Temer". Saiu gritando: "Fora, Dilma". As pessoas não têm uma expectativa tão elevada assim para se sentirem frustradas.
O que achou do ministério?
Eles são bons operadores políticos. Na economia, montaram uma equipe consistente. Não sei dizer como é a capacidade gerencial dos vários ministérios, porque não conheço. Mas não acho que se possa dizer que está tudo perdido logo na partida. A situação é que é muito difícil.
Temer terá condições de fazer a reforma da Previdência?
Vão chorar por não terem ajudado a aprovar lá atrás no meu governo, quando a idade mínima para as aposentadorias caiu por um voto. Talvez já exista maturidade para obter algum avanço. O motor da reforma tem que ser a busca de um sistema mais equânime, que pode trazer uma situação fiscal melhor como consequência. Não podem dizer que estão fazendo isso só porque o Tesouro está mal.
O novo governo representa uma guinada conservadora?
Ele nasceu no Congresso, e o Congresso hoje é mais conservador, porque a sociedade ficou mais conservadora. É importante para o PSDB não entrar nessa. Temos que ser sociais-democratas nas relações entre sociedade, mercado e Estado, e liberais no comportamento, aceitando a diversidade. Mas a sociedade não pensa assim, e tem que dar a batalha nesse sentido.
Com três ministros e ex-integrantes do seu governo no comando do Banco Central, da Petrobras e do BNDES, os tucanos têm como se dissociar do governo se algo der errado?
O partido está comprometido, mas não é o núcleo do poder. O poder é do PMDB, que legitimamente vai buscar protagonismo. Vai querer ser o motor do próximo passo. Por enquanto, tínhamos PT e PSDB. Agora, talvez o PMDB queira. Vai depender de quem tiverem na eleição presidencial de 2018. Tudo passa pelo personagem, quem é o candidato, como é que fala, se vai captar o sentimento do futuro... Sabe Deus.

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