sábado, 7 de maio de 2016

Juiz da Operação Satiagraha diz que Lava Jato segue a lei e não força delações



No último dia 23 de março, o desembargador Fausto De Sanctis discursou sobre os meandros do crime de lavagem de dinheiro para uma platéia de sete funcionários do Congresso dos Estados Unidos, em Washington. O convite partiu do assessor parlamentar Joe Pinder, um veterano do Comitê de Serviços Financeiros da Casa, que havia se impressionado com um livro do brasileiro que encontrou no acervo da biblioteca do Congresso americano. Fausto De Sanctis, que hoje julga crimes previdenciários no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ganhou notoriedade no início dos anos 2000 ao prender por crimes financeiros banqueiros, diretores de empreiteiras, políticos e traficantes internacionais. Enquanto De Sanctis ensinava os burocratas americanos, no Brasil seu colega Sérgio Moro, juiz federal do Paraná, se ocupava de uma lista com nomes de políticos apreendida na sede da empreiteira Odebrecht. Era fase Acarajé, da Operação Lava Jato. Poucos dias depois, Sérgio Moro divulgou para a imprensa a gravação de uma conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. A legalidade da divulgação foi contestada e Moro teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal Federal. Moro conheceu ali o lado mais amargo das críticas. Fausto De Sanctis sabe bem o que é isso. Recebeu aplausos por prender criminosos do colarinho branco, mas também conviveu com pesados ataques e teve cinco das suas principais operações anuladas em tribunais superiores. "Hoje o momento é outro", diz.
Folha - Qual sua análise sobre a Operação Lava Jato?
Fausto de Sanctis - A Lava Jato só foi possível no momento em que o Judiciário passou a valorizar o combate à corrupção. A grande mudança no país foi a mudança de postura jurisprudencial. Hoje a jurisprudência é totalmente diferente de uns anos atrás. A jurisprudência é favorável à uma interpretação que leva em consideração os reclamos da sociedade, a necessidade de punição daqueles responsáveis por corrupção e ao mesmo tempo é uma jurisprudência que consagra os direitos individuais e a ampla defesa. Há um tempo atrás a jurisprudência estava muito focada na proteção do violador da norma e ficava desguarnecida a sociedade, que é a vítima.
Quando foi que isso mudou?
O gatilho foi a manifestação popular, a indignação da população que acabou refletindo no poder. A população cobrando do Judiciário e das instituições uma postura diversa do que vinha tendo até então. Acho que essa é a grande mudança. Tanto é real que a grande mudança jurisprudencial foi a possibilidade da prisão já na condenação em segundo grau. Isso está sendo uma revolução dentro do poder Judiciário. Uma atitude totalmente díspar do que vinha tendo o Supremo Tribunal Federal há pouco tempo.
Mas há acusação de excessos cometidos na Lava Jato.
Eu não posso dizer que houve excessos na Lava Jato, mas eu tive postura de proteção de provas produzidas para a proteção dos investigados e de terceiros mencionados. Interceptações telefônicas jamais, na minha vara, quando eu fui titular, seriam um objeto de divulgação. Agora isso tudo naquele momento. Hoje o momento é outro, o Judiciário tem outra postura com relação a tudo isso. Tanto é que as próprias delações premiadas estão divulgadas. O teor das delações premiadas. O Judiciário tem permitido isso. Então é um momento diverso. Eu entendo que as provas que são por natureza sigilosas deveriam ser mantidas como tal.
Então o senhor é contra a divulgação de delações e escutas telefônicas?
Eu sou a favor da publicidade das decisões judiciais depois que a prova for produzida, até para a proteção de todos os envolvidos, inclusive de terceiros que nada tem a ver com os fatos. Agora, colocar o processo na imprensa? Eu acho que isso pode arranhar muito a reputação de pessoas inocentes. Eu acho que não seria esse o caminho. Eu já respondi um procedimento administrativo por apenas ter divulgado uma sentença judicial (na Operação Satiagraha). Eu respondi o procedimento administrativo que foi arquivado agora em março pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Veja como mudou o Judiciário.
O que o senhor pensa sobre o instituto da delação premiada?
Eu sempre usei a delação premiada, muitos doleiros fizeram delação premiada (nos meus casos). É que não era falado. A jurisprudência de hoje consagrou a delação premiada enquanto no passado ela estava sendo discutida quanto à sua constitucionalidade ou legalidade. Ela é um instrumento que não se basta por si só. As delações eram feitas antes e foram muito contestadas, muitas foram revertidas. A delação premiada é um instrumento legítimo, é um instrumento útil, é um instrumento ético, é um instrumento estratégico para as partes. Dificilmente a jurisprudência vai considerar isso ilegal porque o próprio Supremo está homologando as delações que são feitas pelo Ministério Público e a defesa.
As operações anteriores sofriam mais resistência se comparadas à Lava Jato?
Era um outro momento. Era um momento de protagonismo das varas especializadas e pouca compreensão da atuação do crime econômico. O criminoso financeiro e econômico era beneficiado pelo sistema de alguma forma. Ou pela nulidade, ou pela prescrição ou pelas decisões favoráveis ao criminoso, uma interpretação absoluta do direito de defesa em detrimento da sociedade sem haver um equilíbrio. Então eu acho que era um outro momento, um momento de desbravamento e era pouco compreendido pelo sistema, principalmente pelo Poder Judiciário.
O senhor acha seus casos teriam outro resultado se acontecessem hoje?
Eu acho que sim. Muito do que foi decidido lá atrás está sendo decidido hoje e está sendo referendado pelo próprio Supremo. O que mudou? Mudou talvez a vontade de fazer diferente, de atuar diferentemente.
Alguns advogados acham que há um excesso de prisões preventivas, sobretudo na Operação Lava Jato. O que o senhor pensa sobre isso?
Tem 133 mandados (de prisão) cumpridos na Lava Jato. Diversas prisões que estão sendo mantidas. São coisas que um tempo atrás eram impensáveis que as pessoas ficassem presas por mais de cem dias. Cento e poucos dias era o limite do limite. Hoje você vê prisões acontecendo e manutenções dessas prisões, o que não acontecia realmente até um momento atrás. Talvez o Poder Judiciário esteja assumindo o papel que tenha que assumir. O papel de dar uma resposta proporcional ao crime organizado, à gravidade dos fatos e ao crime organizado que está por trás desses fatos.
A defesa dos réus da Lava Jato dizem que seus clientes foram mantidos presos para forçar uma delação. O que senhor pensa disso?
Existem delações premiadas que ocorreram e que estão ocorrendo na Lava Jato de pessoas que não estão presas. Houve 49 acordos de delação premiada ao passo que houve 133 prisões. Parece que as prisões não estão sendo feitas para a delação. Outra coisa: as delações premiadas são feitas por pessoas adultas, são pessoas que sabem o que estão fazendo e são orientadas por advogados. Eu acredito que meu colega Sérgio Moro tem tomado decisões técnicas e diferencia prisões preventivas e seus requisitos de uma delação premiada. Agora, o sistema é recheado de benefícios para aquele que colabora com a Justiça. Se o poder Judiciário garante direitos para aquele que não colabora, quanto mais para aquele que colabora. Então colaborando com a Justiça a possibilidade de a pessoa ser solta é muito grande. Isso não significa que foi preso para ser solto ao delatar. Significa que uma vez delatando não teria mais razão para o Judiciário desconfiar daquela pessoa.
O senhor admite que houve falha em seus processos que fizeram com que eles fossem anulados?
A interpretação se houve falhas ou não é de cada um. No procedimento que havia na primeira instância não havia falhas, mas pode ser que eu tenha errado.
Por que seus casos não tiveram resultado parecido com o da Lava Jato?
Eu não posso dizer o que levou essa ou aquela pessoa a decidir diferente de mim. Eles decidiram diferente. Eu não me arrependo do que eu fiz porque tudo que foi feito foi com absoluta convicção, baseado na lei, na minha interpretação da lei, da Constituição e nas provas que foram produzidas e que bastaram por si só para as tomadas de decisões que eram necessárias ao meu ver.
Como o senhor analisa este momento atual do país?
É um momento muito rico em termos políticos e jurídicos. Jurídicos por conta de uma certa certeza com relação a não mais tolerar a impunidade. Existe hoje uma reflexão do papel das instituições. Eu não estou vendo nenhum extremismo. Existem posições definidas, mas no geral a sociedade está amadurecida e está num processo do ápice da democracia.
O senhor considera que há crime de responsabilidade?
Eu não me debrucei sobre isso, mas o julgamento é político. É claro que deve haver um reconhecimento do crime, mas não é um reconhecimento ao nível da Justiça. Porque se fosse para ter um reconhecimento ao nível da Justiça isso seria julgado pelo Supremo com os limites e os condicionamentos que os magistrados têm que ter. Não é assim. Você não tem políticos que se dão por suspeitos porque pertencem ao mesmo partido ou ao partido da oposição. Então você não tem elementos que garantem a imparcialidade que seria de um julgamento jurídico. Não é um julgamento jurídico e estão querendo fazer disso um julgamento jurídico. É um julgamento político, cabe ao Congresso exclusivamente decidir e o Judiciário não tem que entrar nesse mérito. Quem vai fazer esse julgamento é o Congresso Nacional.
O senhor vê alguma ilegalidade no processo?
O Supremo já abordou isso e, pelo o que eu tenho observado, o procedimento está sendo seguido a risca o que o próprio Supremo definiu. Eu não vejo ilegalidade, eu não vejo nada antidemocrático. Só existiria golpe se houvesse ruptura do sistema e em nada ele esta sendo rompido. O procedimento está sendo seguido a risca do que foi decidido pelo Supremo com base na Constituição Federal.

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