quinta-feira, 14 de julho de 2016

Marcos Bernardi recebe um mandato e uma missão, tem um dever a cumprir, agora ele é advogado


Recebi um convite que me honrou e compareci nesta quarta-feira, às 14 horas, na sede da OAB-RS, em Porto Alegre, para servir como padrinho na entrega da carteira da Ordem para o agora advogado pleno Marcos Bernardi. Em 2001 eu estava como chefe de gabinete de um vereador na Câmara Municipal da capital gaúcha, e me esforçava muito em dar um forte caráter oposicionista à administração petista ao mandato que parlamentar para o qual eu trabalhava. Eu era praticamente sozinho em uma Câmara onde os vereadores disputavam a primazia de agachar ao petismo. Cada qual queria ser mais serviçal. E esse foi um dos motivos porque o PT se eternizou durante 16 anos na prefeitura de Porto Alegre. Um belo dia, enquanto estava no meio do trabalho, recebi o telefonema de uma filha dizendo que a luz havia sido cortada pela Companhia Estadual de Energia Elétrica em minha casa. Havia esquecido de pagar a conta. Sai correndo até o centro da cidade para fazer o pagamento e pedir a imediata religação do serviço. No balcão de atendimento da CEEE perguntei ao funcionário qual era o suporte legal para a companhia estatal gaúcha de energia elétrica cortar a luz de um consumidor em atraso. Ele disse que não sabia. Pedi que chamasse o gerente. Então este veio e me disse que havia um suporte legal, sim. Pedi a cópia da "lei" que dava à CEEE o "direito" de cortar a luz de um consumidor em atraso. Ele me trouxe uma "resolução" da diretoria da estatal. Perguntei quantas pessoas eram atendidas por dia naquele local. Eram em torno de 1.200 pessoas diariamente com contas cortadas. Sai dali indignado. Voltei ao gabinete na Câmara e perguntei ao vereador como se escrevia uma petição judicial. Ele me disse: primeiro, a qualificação do autor; segundo, a exposição dos fatos; terceiro, o elencamento do "direito", as leis e suportes legais dando apoio no caso; quarto, o pedido legal. Embora fosse completamente leigo em Direito, comecei a coletar toda a legislação sobre serviço essencial, desde a Constituição, passando pelo Estatuto de Defesa do Consumidor, passando pela Lei de Greve (que define o que é serviço essencial) e pelas decisões do Supremo, STJ, Tribunais de Justiça estaduais. E a seguir passei a redigir um mandado de segurança com pedido de liminar em meu favor, para que a estatal CEEE ficasse impedida de cortar futuramente a luz na minha casa em caso de eventual novo atraso de pagamento. No meio desse trabalho apareceu no gabinete um jovem estudante de Geografia, Marcos Bernardi, atuante militante de causas populares. Passamos a trabalhar em conjunto na elaboração desse mandado de segurança. Levamos quase um mês na elaboração daquela petição. Quando ficou pronta, pedi que um advogado CC no gabinete a assinasse e protocolei no Foro Central de Porto Alegre. Em pouco tempo ganhei a liminar. Isso entusiasmou a mim e a Marcos Bernardi, e então tivemos a idéia de estendermos isso à população geral de Porto Alegre, na grande maioria pessoas pobres, miseráveis, sem qualquer chance de obter defesa. Como chegarmos a essas pessoas? Passamos então a redigir 5.000 panfletos semanais em folhas de papel A4, impressas dos dois lados, relatando casos e dizendo ao povo que ele tinha direito de não ter suas contas de água e luz cortadas (água em Porto Alegre é fornecida por outra estatal, o DMAE, que é municipal). Os panfletos eram distribuídos em pontos de ônibus do centro da cidade. Nas linhas que saem dali iam as pessoas que chegavam em no máximo uma hora nos fundões da cidade, ao norte, leste e sul. Em pouco tempo enormes quantidades de pessoas chegavam ao gabinete do parlamentar trazendo as carteiras de identidade e as contas de luz. Eu e Marcos Bernardi as qualificávamos, rapidamente relatávamos o caso, e imprimíamos o mandado de segurança que era ajuizado no mesmo dia. A demanda se tornou tão grande na Câmara que foi preciso a administração da Casa colocar bancos de madeira ao longo da parede do corredor do gabinete do vereador. Todos os primeiros mandados de segurança tiveram indeferidos os pedidos de liminares. Os próprios mandados foram rejeitados. Ficamos desorientados. O advogado CC do gabinete dizia que tínhamos errado, que deveríamos ter ingressado em juízo com uma cautelar inominada com pedido de liminar. Não concordamos (éramos atrevidos) e resolvemos insistir no caminho que tínhamos adotado. Recorremos em dezenas de casos ao Tribunal de Justiça. Como mandados de segurança paralisam gabinetes de magistrados, precisam ser respondidos em prazo máximo de 48 horas, os gabinetes dos desembargadores sentiram logo o efeito daquela enxurrada de recursos. Então começaram a sair as decisões concedendo as liminares, com as devidas críticas aos juízes de primeiro grau que não atendiam aos mandados e permitiam o congestionamento dos gabinetes no segundo grau. A partir dali, começamos a ajuizar mandados de segurança no plantão judiciária, e saímos dali, em meia hora, no máximo uma hora, com as liminares nos mandados de segurança obtidas, com ordens para as empresa estatais para promoverem imediatamente o restabelecimento dos serviços de água e/ou luz, sob pena de prisão dos dirigentes dessas estatais. Paralelamente, todos os sucessos eram amplamente divulgados por meio de newsletter enviada diariamente, pela Internet, para mais de 30 mil e-mails. A tal ponto chegou que, no dia 7 de setembro, conseguimos uma liminar coletiva para a religação de luz em mais de 120 casas do conjunto residencial popular Chapéu do Sol, na Estrada da Serraria, em Porto Alegre. Tudo isso era amparado por um suposto Movimento Nacional Contra o Corte Ilegal de Água e Luz, inventado por nós. Funcionou até o vereador ser pressionado pelo governo por causa do prejuízo que estávamos causando. E assim os pobres e miseráveis de Porto Alegre perderam uma dupla de defensores. Relembrei isso ontem, na sede da OAB, com Marcos Bernardi e seus familiares e com o presidente da Ordem. Então disse a Marcos Bernardi que aquele era um momento muito importante, porque ele estava sendo investido de um mandato de representação do povo, e de um dever, ao qual não poderá mais escapar. Agora Marcos Bernardi já tem prerrogativa legal para produzir e impetrar mandados de segurança em defesa dos que não têm defesa, contra os desmandos do Poder. Certamente vocês ouvirão falar dele.

Um comentário:

Unknown disse...


Vítor Vieira, não tenho outras palavras a dizer: tua impetuosidade me fazem fortaleza. Nunca deixei de lutar. Nem mesmo em meu processo contra o Estado, pela minha aposentadoria ser ceifada pela proporcionalidade em razão da EC41/2003. Hoje, anos decorridos, desde o evento em 2001, já publiquei o livro Assédio Moral - Acidente Laboral, fiz minha apelação em demanda (em causa própria) contra as atrocidades que vivenciei pelo PT. E agora abraço uma causa, justa, digna para que não aconteça com outros o que vivi dentro do Hospital Beneficência Portuguesa junto com minha mãe que foi a óbito em 02/05/2016. Um forte abraço de quem sempre muito te admira. Tchilla Panitz Stark