sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Crise é tão grave que a Venezuela está comprando petróleo dos EUA



Uma plataforma petroleira está ociosa há semanas, por falta de apenas uma peça. Outra foi atacada por gangues armadas que fugiram com tudo que podiam carregar. Muitos trabalhadores do setor petroleiro dizem estar recebendo tão pouco que mal conseguem comer, e ficam de olho nos companheiros caso estes desmaiem de fome quando estão trabalhando no alto das estruturas. O setor de petróleo da Venezuela, cujas imensas reservas no passado recente alimentavam a revolução de inspiração socialista que foi implementada no país, bancando toda espécie de projeto, de habitação a escolas, está encolhendo de maneira desastrosa. E para agravar ainda mais a situação, o governo venezuelano se viu forçado a recorrer ao seu arquirrival, os Estados Unidos, em busca de ajuda. "Vocês os chamam de império", disse Luis Centeno, líder sindical dos petroleiros venezuelano, em referência ao termo usado pelo governo do país quanto aos Estados Unidos, "mas agora estão comprando petróleo deles". A decadência do setor petroleiro talvez seja o capítulo mais urgente da crise econômica venezuelana. O petróleo responde por metade da arrecadação do governo do país, e foi classificado pelo presidente Hugo Chávez, morto em 2013, como "instrumento do desenvolvimento nacional". A estatal de petróleo despejou seus lucros, que chegaram a mais de US$ 250 bilhões entre 2001 e 2015, em programas sociais, entre os quais importação de alimentos. Mas esses lucros evaporaram, com a má gestão e a queda nos preços mundiais do petróleo nos últimos dois anos. Agora, até mesmo as exportações subsidiadas de petróleo da Venezuela ao seu vital aliado, Cuba, estão sendo gradualmente descontinuadas, afirmam executivos de empresas de petróleo que continuam a operar na Venezuela, o que forçou Havana a recorrer à Rússia em busca de petróleo barato. Para o ditaor Nicolás Maduro - como para seu predecessor, Chávez -, a riqueza petroleira da Venezuela é parte essencial da identidade e da soberania da nação, proporcionando o peso financeiro necessário à realização das ambições regionais do país e possibilitando seu raivoso desafio aos Estados Unidos. Os Estados Unidos sempre foram um imenso mercado para o petróleo venezuelano. Mas agora que a estatal venezuelana de petróleo está tropeçando, se viu forçada a começar a importar petróleo norte-americano. Alguns meses atrás, os Estados Unidos começaram a exportar mais de 50 mil barris diários de petróleo cru leve à Venezuela, que o país utiliza para preparar o seu petróleo de exportação, se unindo a um punhado de fornecedores que se tornaram vitais para manter à tona o setor petroleiro venezuelano. Mas essa assistência é precária. A estatal venezuelana de petróleo, PDVSA, vem enfrentando dificuldades para pagar pelo petróleo estrangeiro. Alguns petroleiros aguardam por até duas semanas no porto até serem pagos por suas cargas, e ocasionalmente partem sem descarregar por falta de pagamento. Os problemas são apenas algumas das razões para que a produção de petróleo da Venezuela tenha hoje caído para 2,4 milhões de barris ao dia, 350 mil a menos do que no ano passado. Esse total é quase um milhão de barris diários mais baixo do que a produção do país quando Chávez tomou o poder, em 1998. A Venezuela sofre com a escassez de alimentos básicos, a exemplo do arroz e milho, que no passado importava facilmente usando as vastas reservas cambiais da companhia petroleira. A economia deve se contrair em 10% até o final do ano e já registra inflação de três dígitos. O preço do pão vem dobrando de mês a mês, e agora um pão custa US$ 0,50 em muitos lugares, em um momento no qual os operários petroleiros da região de El Furrial dizem estar ganhando menos de US$ 1 por dia, por conta da inflação. "Estamos praticamente trabalhando de graça", disse Pedro Velázquez, supervisor de um campo de petróleo na cidade de Punta de Mata. O dinheiro que o governo vinha conseguindo arranjar para financiar reparos improvisados nos campos de petróleo e nas usinas de refino agora está acabando. Com a estatal petroleira sobrecarregada de dívidas, dois terços de suas exportações se destinam ao pagamento de credores, na China e outros países. Os recursos da empresa para pagar os técnicos estrangeiros, e até mesmo o seu próprio pessoal, estão se esgotando. "O declínio se está se acelerando, e continuará a se acelerar", disse Lisa Viscidi, especialista em energia latino-americana no Diálogo Interamericano. "As condições estão cada vez piores, e há menos e menos dinheiro para investir". A situação da estatal petroleira venezuelana vem causando preocupação aos operadores internacionais, que temem que seu colapso possa causar abalo em um mercado no geral caracterizado pelo excesso de produção. Eles apontam que, quando problemas trabalhistas causaram uma paralisação quase total na produção venezuelana de petróleo, no final de 2002 e começo de 2003, os preços mundiais subiram em quase 30%, o que fez da ocasião a primeira de uma série de crises internacionais que prenunciaram uma década de alta para os preços do petróleo. A Venezuela responde por menor proporção do mercado internacional de petróleo, hoje, mas suas exportações ainda assim representam cerca de 2% da produção mundial. Isso significa que um sério declínio nas exportações venezuelanas, especialmente se acompanhado por crise na Nigéria ou Iraque, pode causar aperto suficiente no mercado para levar os preços a uma nova alta. "Um colapso na Venezuela seria um acelerador para os preços do petróleo; poderia causar um completo choque", disse Helima Croft, estrategista chefe de commodities do Royal Bank of Canada. "O país está literalmente implodindo." No momento, ela acrescentou "Não existe país produtor de petróleo que esteja caindo tão rápida ou tão dramaticamente quanto a Venezuela".

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