quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Procuradoria e Polícia Federal divergem quanto a modelo de delação premiada


A Operação Hidra de Lerna, deflagrada nesta terça-feira (4) como desdobramento da Operação Acrônimo para investigação financiamento ilegal de campanha eleitoral na Bahia, marcou uma abordagem própria da Polícia Federal, reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre o instituto da delação premiada. A interpretação da Polícia Federal diverge do método que vem sendo adotado pela Procuradoria Geral da República desde o início da Operação Lava Jato. Durante cinco meses, dois acordos de colaboração negociados pela Polícia Federal no decorrer da Acrônimo — um com a dona da agência de comunicação Pepper, Danielle Fonteles, e outro com uma funcionária do empresário Benedito Gonçalves, Vanessa Daniella Pimenta Ribeiro — ficaram em suspense porque a Procuradoria Geral da República não queria reconhecê-los. Para a PGR, os acordos deveriam passar antes pelo Ministério Público. Os acordos com a Polícia Federal foram fechados em sete de março, por Danielle, e 20 de março, por Vanessa, porém só poderiam ser utilizados para medidas investigativas consideradas mais drásticas, como buscas e apreensões, após manifestação da Procuradoria Geral da República e uma decisão do Judiciário. A princípio, a Procuradoria Geral da República manifestou-se pela impossibilidade de existência de tais acordos. Segundo a Procuradoria, os depoimentos de Danielle e Vanessa deveriam ser considerados como mera confissão, e não como colaboração. Nesse meio tempo, porém, a Procuradoria Geral da República fechou, em maio, um acordo próprio de delação com o empresário Benedito Gonçalves, o Bené, com homologação feita pelo Superior Tribunal de Justiça, onde tramitam os casos da Acrônimo, que a princípio investigou as relações de Bené com o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Nos outros dois casos de colaboração feitos pela Polícia Federal, porém, a Procuradoria Geral da República não concordava com a homologação. No momento em que ocorria essa discussão jurídica que se passava nos bastidores da Acrônimo, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal, no final de abril, uma ação direta de inconstitucionalidade pela qual questionava três artigos da lei nº 12.850, de 2013, que dispõe sobre os instrumentos para obtenção de prova contra organizações criminosas. Os artigos atacados por Janot permitem que tanto membros do Ministério Público quanto os delegados de polícia possam recorrer à colaboração premiada. O relator da ação, ministro Marco Aurélio, não concedeu a liminar, adotando o rito abreviado previsto em lei de 1999, pela qual o processo deverá ser julgado diretamente no mérito pelo plenário do STF. Ainda não há data marcada para o julgamento. Ante a resistência da PGR e a indefinição do cenário, o ministro responsável pelos inquéritos da Acrônimo, Herman Benjamin, decidiu por considerar válidos os acordos feitos pela Polícia Federal, levando em conta três aspectos: a legalidade, a regularidade e a voluntariedade dos investigados em fazer o acordo. Com base na lei 12.850, o ministro reconheceu que legalmente a PF tem o direito de dar sequência a acordos semelhantes. No entendimento da Polícia Federal adotado no caso Hidra de Lerna, os termos de depoimento com os eventuais colaboradores podem ser feitos pelos próprios delegados e somente depois, pelo juiz, devem ser homologados ou não. A Polícia Federal rejeita a idéia de se fazer, ainda na fase de inquérito, negociações que preveem tamanho da pena e outros detalhes, tornando a delação uma "transação penal antecipada". "Não há crítica ao Ministério Público Federal, há uma divergência de entendimento. Não queremos dizer que a Polícia Federal é a dona da verdade", disse um investigador da Acrônimo. "Por praxe, a delação acabou se transformando em uma transação penal, mas a lei não diz isso. Para a Polícia Federal, a delação deve dar início a um processo de validação, e é o que a polícia faz, validar. Para nós, a delação é um meio para a obtenção da prova". Outro investigador pontuou que a "Polícia Federal não é contra a delação premiada, o que se pretende é, antes de qualquer transação penal, obter os elementos para corroborar as informações do delator". "A informação passada pelo delator, sem confirmação, é só história, não é informação", pontuou o investigador. Vencidas as primeiras dificuldades, em agosto os acordos de delação de Vanessa e Danielle foram homologados pelo ministro Benjamin e deram origem a dois inquéritos no STJ: um trata de suposto pagamento em caixa dois na campanha de 2014 do atual governador da Bahia, Rui Costa (PT), e outro apura suposto pagamento de propina pela agência de publicidade Propeg. Os procedimentos foram redistribuídos por meio eletrônico no STJ e ambos ficaram sob responsabilidade da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que autorizou a deflagração da Operação Hidra de Lerna com o apoio da PGR.

Nenhum comentário: