domingo, 27 de novembro de 2016

Economista Eduardo Giannetti diz que brasileiros estão carregando dois Estados nas costas

 

Mais do que Previdência desequilibrada e os maiores juros reais do mundo, o problema fiscal brasileiro tem origem em um federalismo truncado, diz Eduardo Giannetti. Segundo o economista, a transição de atribuições para Estados e municípios não foi acompanhada de um enxugamento da União, e o resultado é que “carregamos hoje dois Estados nas costas”.  
Como o senhor classifica a atual política fiscal do governo?
São medidas de caráter quase emergencial para estancar a situação. Eu apoio a PEC 241 e a reforma da Previdência, mas nós estamos vivendo o esgotamento do ciclo de expansão fiscal que começou em 1988. Lá, nós tínhamos uma carga tributária de 24% do PIB, e o Estado investia 3% do PIB. Era uma carga normal para um País de renda média. De lá pra cá, a carga tributária cresceu em todos os governos e hoje está em 34% do PIB. O Estado brasileiro, englobando União, Estados e municípios, gastam 10% do PIB a mais do que arrecadam. Portanto, estamos em um país onde 44% da renda nacional transitam pelo setor público. A capacidade de investimento caiu de lá pra cá, e hoje ela está em torno de 2,5% do PIB, e o Estado não atende às demandas mais primárias da população.
O que pode ser feito?
É evidente que Previdência e juros são problemas graves de primeira ordem. Mas a conta relevante aqui é a seguinte: a Previdência representa um dispêndio de 12% do PIB, muito além do que deveria ser para um país demograficamente jovem. E pagamos 8% do PIB em juros. Somados, dá 20% do PIB. Se o Estado brasileiro drena 44% do PIB e você desconta do total o gasto com juros e Previdência, sobram 24% do PIB para atividades-fim. Cadê? Tem mais coisa que não deveria estar acontecendo e absorvendo recursos públicos. A minha hipótese é que temos um problema de federalismo truncado.
E o que isso quer dizer?
Até 1988, tínhamos um modelo de Estado muito concentrado na União, no regime militar. Em 1988, optou-se por um Estado federativo, transferindo para Estados e municípios as atribuições do setor público. Se tudo tivesse corrido bem, deveria ter havido uma diminuição do governo central. Mas o que aconteceu foi que os três níveis de governo passaram a crescer ao mesmo tempo. Então nós estamos carregando dois Estados superpostos nas costas. 
Daí a crise dos estados hoje?
Sim, é parte disso. Quando o governo federal faz isenção tributária, ele faz isso com dinheiro de Estados e municípios, que ele deixa de transferir. O Brasil vai ter que enfrentar um dilema: ou é um Estado centralizado na União, ou é um modelo genuíno de Estado federativo, e aí a União vai ter que diminuir. 
Por meio de uma nova constituinte?
Não precisa ser uma constituinte, mas vai ser preciso completar o movimento que começou em 1988. O que eu defendo é o seguinte: só vai para Brasília dinheiro para atividades que só a União pode desempenhar, como o Banco Central, a diplomacia e a segurança externa. O resto do dinheiro não precisa e não deve ir para Brasília para depois voltar. Ele deve ficar o mais perto possível de onde ele foi arrecadado. No fundo, o que eu defendo é menos Brasília e mais Brasil, e acabar com esse passeio maluco do dinheiro. 
Há clima para esta mudança?
Em um governo de transição, não. Trata-se de uma mudança complexa, não será tudo de uma vez. Mas temos que começar a pensar a redesenhar o sistema tributário.
O senhor também defende uma grande reforma política. O Brasil vai conseguir dar esse passo em um momento como o de agora?
Eu acho muito difícil uma reforma política ampla e profunda, assim como eu acho muito difícil uma reforma profunda fiscal em um governo de transição. Mas o processo pode ser encaminhado e eu acho que ele tem condições de pelo menos ser iniciado. O grande momento definidor, na minha concepção, vai ser a eleição de 2018, em que, aí sim, vamos ter a oportunidade de discutir esses problemas e de escolher o caminho que país deseja trilhar.

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